Banda britânica formada por respeitáveis sessentões mostra em The Book of Souls, seu mais recente disco de inéditas, que ainda tem vitalidade e criatividade de sobra
Se você vai ouvir The Book of Souls, o recém-lançado 16º disco de estúdio da veteraníssima banda britânica Iron Maiden, é bom que tenha em mente que ele não pode ser resumido, nem de longe, pelo primeiro single, Speed of Light, aquele do clipe maneiríssimo mostrando a evolução dos videogames e tal. Nada disso.
Speed of Light é uma música gostosa, divertida, direta ao ponto, mas é o básico da Donzela de Ferro. Um feijão com arroz bem temperadinho, mas não passa disso. Claro, dá para entender a escolha para o papel de música de trabalho, porque ela é curta, pode rolar sem maiores problemas nas rádios, estas paradas. Mas à exceção desta faixa, o álbum é uma refeição completa digna de chef, para apreciar sem pressa. É um prato cheio de sutilezas, e, até por isso, é delicioso, de dar água na boca.
Esta bolacha é, de longe, muito melhor do que qualquer um de nós poderia sequer ousar imaginar, por mais boa vontade que tivesse. Arrisco dizer que é o melhor álbum da fase pós retorno do vocalista Bruce Dickinson à banda, desde o ótimo Brave New World (2000).
Por motivos pessoais, não consigo analisar Dance of Death (2003) com um pingo sequer de distanciamento – eu adoro o disco, embora saiba de seus defeitos – mas pra mim está mais do que claro que The Book of Souls dá um verdadeiro baile em A Matter of Life and Death (2006) e The Final Frontier (2010).
Os flertes recentes da banda com o rock progressivo, que chegaram ao ápice no álbum anterior e acabaram irritando muita gente, aqui estão bem melhor resolvidos. Eles existem, mas não se sobrepõem ao lado heavy metal do Maiden. É, The Book of Souls é mais metal mesmo, mais pesado, mais intenso, mais climático, com mais guitarras (se é que dá pra dizer isso de uma banda que já tem três guitarristas). E também é, de longe, um dos discos mais bombásticos, épicos e megalomaníacos destes mais de 35 anos de trajetória. Tudo é grandioso – inclusive a duração das músicas, sendo três delas com mais de 10 minutos. E logo eu, que tenho um pouco de bode destas canções imensas (é, não sou fanático por Rime of The Ancient Mariner), lidei bem com isso.
O principal acerto de álbum foi aproveitar, finalmente, o que existe de melhor na carreira solo dos seus integrantes. Steve Harris, baixista e poderoso chefão da trupe, experimentou o gostinho de lançar um disco por conta própria (o bom British Lion) e resolveu parar de encher o saco do Bruce. Talvez tenha compreendido as muitas qualidades dos discos solo do cantor, tanto que lhe deu a chance de compor nada menos do que quatro canções, um recorde, incluindo a maior delas, a imensa suíte de encerramento Empire of The Clouds, com seus 18 minutos.
Mas, mesmo com um instrumental lindo no qual brilha a trinca de guitarristas e momentos absolutamente inesperados de orquestração (Bruce ao piano? Violino? Hein?), Empire of The Clouds não é o grande destaque por aqui.
Bruce mostra a que veio, tanto como cantor (dá pra acreditar que o cara teve um câncer na língua?) quanto como compositor, em If Eternity Should Fail, que abre o disco. É o tipo de música empolgante, que dá vontade de cantar junto, de pular. Empolgante o bastante para você querer ver ao vivo – e ficar alucinado para querer ouvir o restante da bolacha. Detalhe importante: ela poderia facilmente estar em um dos discos solo do vocalista, como o essencial The Chemical Wedding (1998). Aliás, o próprio Bruce admitiu que, originalmente, ela tinha sido composta para um trabalho fora da Donzela. Ou seja...
Pra mim, uma das grandes músicas do ano! ;)
The Book of Souls é, além de tudo isso, um disco bem pra cima, bem alto astral, que sabe ser divertido. Nada de ambientação caída, deprê, sombria. Escute The Red And The Black e sua vibe quase hard rock, com um lance meio flamenco, Bruce comandando um coral de vogais e aquelas guitarras cantantes de jeitinho celta. Impossível não sair com um sorriso no rosto. A mesma equação vale para Death or Glory, composição de Dickinson com o parça Adrian Smith que tem um refrão que te pega pelos tornozelos e não larga mais. E que tal Shadows of The Valley, cuja introdução obviamente emula Wasted Years mas que, vá, é tão viciante que me fez bater cabeça em pleno ponto de ônibus enquanto ouvia — causando puro estranhamento de quem passava!
Com uma produção linda e impecável do parceiro de sempre, Kevin Shirley, este não é um disco óbvio como Speed of Light poderia sugerir. É um trabalho complexo, cheio de texturas, que mostra um Iron Maiden que soa, digamos, renovado.
Obviamente que ainda é Iron Maiden e que, em nome de Eddie, ainda soa bastante como Iron Maiden, com aquelas cavalgadas de baixo do Harris e o pacote completo. Mas em muitas passagens soa como um Iron Maiden executado por um bando de moleques. Com um tesão de tocar que parecia perdido, com vontade de ousar aqui e ali, de experimentar uma coisinha nova. É o que dá pra chamar de uma evolução deste Iron Maiden da fase Brave New World.
E, em nome do todo-poderoso Deus Metal, larga mão das comparações com Powerslave (1984) ou The Number of The Beast (1982), ok? Este não é, ainda bem, o “Iron Maiden clássico”. Já passou. Olha pra frente e segue a vida.
Bruce diz aos quatro ventos que não quer que este seja o último disco do Maiden. Não dá pra saber se eles vão ter pique para mais. Depois de ouvir The Book of Souls, a gente fica querendo MUITO que sim. Mas se não rolar, vamos ser honestos? Este aqui é um canto do cisne e tanto.
Quem diria, Iron Maiden? Ora, ora, quem diria? :)