O trailer do filme Tudo Por Um Popstar traz Billy Bold, um personagem gay estereotipado como tantos outros que você já viu por aí. Mas, saiba: ele é a nova cara de um problema muito, muito antigo.
A nossa bolha nas redes sociais realmente pode nos dar uma visão distorcida da realidade. Pessoalmente, sou bem protegida de MUITOS problemas sociais, já que me cerco de amigos BEM engajados sempre, absolutamente a favor da diversidade e do respeito ao nosso direito de ser diferente. E isso faz com que, de vez em quando, esqueçamos um pouco sobre como o mundo ainda não tá nem PERTO de ser um lugar confortável para todos.
Recentemente um “vídeo vazado” de um novo filme baseado num livro de Thalita Rebouças, Tudo por um Pop Star, “caiu na internet”. Ele é totalmente focado em Billy Bold, nome do influenciador digital BEM aos moldes de Hugo Gloss que faz parte da trama, interpretado pelo youtuber, que também é ator, Felipe Neto. E adivinhem só como é Billy Bold? É um homem gay. Com uma voz forçadamente anasalada e cheia de floreios. Cheio de trejeitos com as mãos, afeminadíssimo, afetadíssimo, no PIOR estilo “gays como recurso humorístico”. Mais uma vez, em pleno 2018, num filme em que três adolescentes que são personagens principais de uma história super jovial, fofa e alegre.
É claro que Felipe, o diretor Bruno Garotti, a roteirista e autora do livro Thalita Rebouças, os produtores Rodrigo Montenegro, Mara Lobão e Rodrigo Guimarães e toda a equipe têm uma BELA culpa em perpetuar esse tipo de merda. Mas te digo: eles não pensaram nisso sozinhos.
Há MUITAS décadas nós somos expostos a estereótipos BIZARROS na mídia. Em programas humorísticos, novelas, seriados, filmes... A sociedade marginalizou esse grupo e só aceita sua inserção como motivo de risos. E esses produtos que têm ENORME audiência ajudam a continuar moldando e normalizando uma ideia de que homens gays precisam ser de uma CERTA maneira, o que impregnou TANTO as nossas cabeças que faz até com que milhares e milhares de vezes meninos e homens gays sejam comparados a esses exemplos midiáticos como forma de provocação e ofensa. E, pensando nisso, resolvi perguntar para alguns deles QUAIS eram esses personagens que faziam suas vidas um pouco mais difíceis.
Pelo Twitter, João Pedro contou que seu pai o comparava com Xana Summer, da novela global Império, de 2015. Interpretada por Aylton Graça, Summer era um heterônimo de Adalberto, que era um cara hétero e crossdresser, mas que não economizava na famosa ~desmunhecada: “É MUITO difícil estar no sofá com todo mundo, viver a ideia agradável de família vendo TV e jantando em paz, porque se aparece uma personagem gay na tela fica um silêncio descomunal. Isso quando não soltam AQUELES comentários”, contou. Outro garoto, que preferiu não se identificar, disse que a hora da novela é um sufoco comum. “Na adolescência sempre me constrangeu assistir a isso porque eu via minha família rindo de coisas que, pra mim, não eram engraçadas. Ao mesmo tempo, eu sentia que eles estavam rindo de mim também”.
Samir Salim Jr., assim como MUITOS outros, citou Félix Khoury, de Amor à Vida, 2014. Ali, além dos trejeitos exacerbados, existia também um QUÊ de vilania. “Basta um gay da vida real fazer uma fofoca normal do dia-a-dia entre amigos pra ser classificado como bicha má, ou como aquele ‘amigo’ que menina hétero trata que nem bolsa”, completou Jean Victor.
Sempre me constrangeu assistir a novelas porque eu via minha família rindo de coisas que, pra mim, não eram engraçadas e eu sentia que eles estavam rindo de mim também
E no quesito “estereótipo do gay acessório”, meus amigos, temos um CAMPEÃO de citações: Crô, de Fina Estampa, 2012. Ele era um mordomo que vivia para satisfazer as vontades da personagem de Christiane Torloni. Além de agir como se fosse seu cachorrinho de estimação, ele também convivia com o típico MACHÃO escroto, o motorista Baltazar, que fazia um “contraponto” ao seu personagem, criando inclusive uma tensão sexual MUITO tóxica e nociva de se retratar. Jean Victor ainda lembrou sobre um detalhe importante: Marcelo Serrado, que fazia o papel de Crô, declarou que era contra beijo entre dois homens na televisão, dizendo que não queria sua filha em casa vendo esse beijo às nove da noite. “Que passe às 23h30″, afirmou na época. Jean disse que foi AÍ que compreendeu algo essencial: “gays quase só existem em roteiros como chacota”.
Existe também o mundo dos programas “humorísticos”. O Seu Peru, de Orlando Drummond, Capitão Gay, vivido pelo Jô em Viva o Gordo, o Jeca Gay feito por Moacyr Franco, Patrick, do Zorra Total… e a Vera Verão. Tiago Dias ouviu muito por conta da personagem: “Sou negro e durante minha adolescência ela fazia muito sucesso. Sofria muito com esse apelido”, afirmou. “Seria incrível ser chamado de Vera Verão hoje em dia. Entendo a força de um gay, negro e afeminado na televisão, tenho muito orgulho dele. Mas os anos de bullying me fizeram sentir essa dor toda vez que me lembro da personagem. Já superei, mas ficam as feridas.”
É CLARO, é óbvio, que homens gays afeminados existem. Que PODEMOS retratá-los como pessoas bem humoradas. Bruno Segantini, que sempre ouviu piadinhas maldosas, inclusive destaca que “não há nada demais em ser afetado de alguma forma. Essa coisa de achar que ser afeminado é ruim precisa parar”. Mas existem inúmeros outros temperamentos ignorados pela mídia por não serem cômicos o suficiente. “Cadê o gay responsável, sério, ocupando espaços de discussões profundas, batalhando por uma sociedade melhor? Que tenha uma vida comum que seja?”, questiona Dannillo Rocha. E segue: “[O estereótipo] é tão irreal e constrangedor que é raro ver atores LGBTQ se prestando a esse papel. Crô, Jeca Gay, Pit Bicha e outros são feitos por héteros.”
Bruno Alfredo levanta uma boa questão sobre VERDADEIRA presença de LGBTQs na mídia. Ele é frequentemente comparado com o Ferdinando, vivido por Marcus Majella no Vai Que Cola. Mas NESSE CASO, não costuma ligar muito: “Às vezes até me irrito, mas quase nunca dou bola. Ferdinando é bem resolvido, forte, sem problemas com sua sexualidade e tomba com a cara de todo mundo! O que mais me chateia, na verdade, é o fato de nos associarem por sermos gordinhos”. Marcus é um ator gay e Dannillo acha que a ironia usada nessas atuações é JUSTAMENTE o que marca a diferença entre um homem que finge ser homossexual e outro que, de fato, seja: “Quando Paulo Gustavo ou Lindsay Paulino fazem esse tipo de humor é outra coisa. A comunidade se sente representada de alguma forma”.
Um dos maiores problemas, então, está também no esvaziamento da personalidade e da representatividade. A orientação sexual e suas qualidades “escandalosas” se tornam a ÚNICA coisa que define alguém. Luiz Gustavo, que era comparado ao Christian Pior (aquele do Pânico na TV) disse que a força dessas características o fizeram questionar o próprio comportamento: “Teve um momento que eu acreditei mesmo que deveria entreter os outros”. Outro rapaz, que prefere não ser identificado, afirmou ter causado estranheza na colega de faculdade por não ser um homem gay ~espalhafatoso. “É como se eu devesse ser essa caricatura que as pessoas esperam eu seja”, desabafou.
O Billy Bold de Tudo Por Um Popstar é MAIS UMA munição na boca de quem quer agredir e machucar. Pessoas que simplesmente estão comprometidas em constranger os outros e que acham que bullying “forma caráter” e “não mata ninguém”. Mesmo que o Brasil seja o país que mais assassine LGBTQs, com uma morte a cada 19 horas. Wilton Oliveira, que era alvo de comparações com o Seu Peru, sabe bem que o discurso do “mimimi” só sai da boca de quem não sofre com isso e não se importa: “É mimimi para quem tem preguiça de educar e formar seu filho.”
Não há NADA que justifique a falta de responsabilidade social de uma produção como essa. A ideia de que mulheres são inferiores e, por isso, SER afeminado é algo a se evitar é tão antiga, mas tão antiga, que eu juro que não acreditei quando a vi sendo NOVAMENTE colocada em um filme para adolescentes. ATÉ QUANDO isso vai acontecer? Quantas pessoas precisarão viver novas situações dolorosas, ter novos traumas, novos medos? Onde a gente vai ter que parar pra compreender que não, não é SÓ um personagem, uma brincadeira? Porque homofobia mata. E cada pedacinho dela PRECISA ser combatido.
PS. MUITO OBRIGADA a todos que, com muita gentileza, dividiram suas vivências comigo. O texto não existiria sem vocês. Força sempre. <3
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