A raiva contra a máquina chegou ao seu auge e o Rage Against the Machine retorna em 2020. AINDA BEM. | JUDAO.com.br

Músicos dão um tempo no Prophets of Rage e, em virtude de um ano crucial para a política mundial, no qual o presidente dos EUA pode ser reeleito, trazem de volta a banda soco na cara que sempre foi sinônimo de rebelião. É hora de voltar a cuspir fogo.

Apesar de terem tocado juntos pela última vez enquanto banda apenas em 2011, numa apresentação especial em Los Angeles, Zack de la Rocha (vocal), Tom Morello (guitarrista), Tim Commerford (baixista) e Brad Wilk (baterista) sempre foram unânimes ao dizer que o Rage Against the Machine não estava morto — no máximo, estaria em animação suspensa.

Em 2016, em meio ao conturbado processo eleitoral dos EUA, os três integrantes à exceção de Zack resolveram que não podiam ficar calados. E aí convocaram Chuck D (Public Enemy) e B-Real (Cypress Hill) para assumir os vocais com total foco em crítica social. Surgia o Prophets of Rage, descrito como “uma força de elite de músicos revolucionários determinados a enfrentar este ano eleitoral”. O quinteto, que se descrevia como sendo 100% político, afirmava sem papas na língua: “um momento histórico demanda uma trilha sonora radical – e é isso que queremos fazer”.

E fizeram. Chegaram rasgando, com sua turnê Make America Rage Again Tour. Protestaram, lançaram disco, música nova, e não se calaram mesmo quando o atual presidente foi eleito. O caso é que estamos nos aproximando oficialmente de 2020. O ano em que, mais uma vez, teremos eleições na Terra do Tio Sam. O ano em que o alaranjado sujeito vai tentar a reeleição, buscando permanecer novamente à frente da Casa Branca, continuando a ser o mais importante suporte na política mundial para o crescimento e fortalecimento de um tal “conservadorismo” que na verdade é a máscara sob a qual se esconde a extrema direita, fascista, racista, monstruosa.

Seria o momento certo para o Prophets of Rage ganhar ainda mais força. Mas Morello e seus parças preferiram fazer seu grito seu ouvido ainda mais alto. De maneira mais urgente e estridente, de um palanque que já tem sua força. E eis que o Rage Against the Machine vai retomar as atividades.

O anúncio começou a rolar, na real, de maneira bem discreta, quando pintou no final da semana passada uma conta no Instagram com o nome da banda — e que usou a icônica foto de Susana Hidalgo durante os protestos no Chile para anunciar cinco datas nos EUA. A primeira delas seria em 26 de Março de 2020, na cidade texana de El Paso, justamente aquela localizada próxima à fronteira americana com o México e que tem mais de 75% de sua população formada por hispânicos.

Isso, por si só, já é um manifesto fundamental.

Mas depois de passarem por Las Cruces e Phoenix (não por acaso, também bem próximas da fronteira), eis que então o quarteto tocaria em Indio, na Califórnia, nos dias 10 e 17 de abril. Para bom entendedor, meia palavra basta: são os dois finais de semana da edição 2020 do tradicional festival Coachella.

Maior palco do que este pra gritar sua mensagem não há.

O perfil surgiu do nada, naquele momento ainda sem o blue check que garantiria que se trata de uma conta oficial (agora, se você olhar, já está lá, bonitinho). Mas Wayne Kamemoto, gerenciador de carreiras musicais associado ao grupo há muitos anos, deixou claro pra Forbes: “as redes sociais da banda têm informações bem precisas”.

Bastante ativo no Twitter, Tom Morello, notadamente o principal porta-voz do grupo, não se manifestou até o momento em que eu escrevia isso aqui. Nem ele e nem o site oficial da banda, aliás, é bom que se diga. Mas a conta de fãs @RATM, que existe com a benção dos integrantes do grupo, também dá a informação como certa.

Junte a isso o fato de que os dois vocalistas do Prophets of Rage se pronunciaram dizendo que o grupo está saindo de cena para dar lugar ao RATM e, bingo, a fúria está prestes a ser lançada mais uma vez, usando seu nome e prestígio para tornar a mensagem ainda maior e mais barulhenta. “Eu quero agradecer aos fãs que apoiaram o Prophets of Rage enquanto tocamos juntos”, disse B-Real em seu Instagram. “Foi uma honra detonar diversos palcos e audiências com estes caras. Tempos incríveis e grandes memórias num período tão curto. (...) Foi divertido enquanto durou e espero que tenhamos deixamos uma ótima impressão e que a música tenha sido uma fonte de inspiração para aqueles que precisavam. Este era o objetivo de estarmos juntos. Mantenham-se informados, continuem engajados e lutam a boa luta”.

Já Chuck D, em seu Twitter, foi ainda mais direto. “Foi sobre fazer algo maior do que eu mesmo. 2020 chega com a gente mantendo o lugar do ZDLR aquecido pro RATM e dando ainda mais força numa mensagem que durou 1.000 dias; foi uma missão honrada sobre verdade em meio aos momentos de caos”.

“Queremos apresentar ideias que encorajem mais do que o debate – mas sim que encorajem a ação. Como foi que a história mudou no passado, seja com as mulheres conquistando o direito ao voto ou durante o movimento pelos direitos civis?”, disse Morello quando o Prophets of Rage surgiu. “Acho que mudanças radicais e progressistas vieram de baixo, não de cima. Começa na mesa da cozinha, nas salas de aula, onde as pessoas estejam falando sobre um mundo melhor que a gente queira ver no futuro. Tempos perigosos demandam músicas perigosas”. Quer banda mais perigosa nos dias de hoje que um Rage da vida?

Aquela banda revolucionária e libertária, questionadora, que uma galera ouve, gritando o refrão do hit maior Killing in The Name nas festinhas ROQUEIRAS, e aparentemente não se dá conta de que esta é uma banda que luta em defesa dos direitos civis e que é esquerdista PRA CARALHO, sem se posicionar nas entrelinhas. Não dá pra dizer “ah, eu não tinha percebido”. Aqui o papo é retíssimo e atual até o talo. Ou você não acha que “Some of those that work forces / Are the same that burn crosses” fala diretamente com os supremacistas brancos de Charlottesville?

Curioso (ou não...) que este retorno seja anunciado, ainda que de maneira bastante sutil, colocando fogo nas redes sociais de forma totalmente orgânica, justamente no final de semana em que se celebram 27 anos do lançamento do álbum inaugural dos caras, autointitulado. Aquele que trazia a poderosa imagem do monge vietnamita Thích Quảng Đức ateando fogo em seu próprio corpo para protestar contra o seu governo. Uma bolacha que reúne o peso do metal, o groove do funk, a batida do hip-hop e a atitude do punk, tudo numa coisa só. E quando ganharam notoriedade na turnê que fizeram abrindo pro Suicidal Tendencies, eles entregaram apresentações incendiárias, esfregando fúria e rebeldia com canções sobre violência policial na cara do fã tradicional de metal. A porrada foi linda.

Embora a gente saiba bem por onde andavam os outros integrantes do grupo, Zack de la Rocha vinha se mantendo bastante discreto. Em 2008, chegou a formar uma dupla com o baterista do Mars Volta, Jon Theodore, numa pegada meio rap, rock, eletrônico. O grupo, batizado de One Day as Lion justamente por conta do slogan popularizado na Itália fascista da década de 1930 (“melhor viver um dia como um leão do que cem dias como uma ovelha”), chegou a lançar um EP pela gravadora de Brett Gurewitz, guitarrista do Bad Religion, a Anti-, mas não chegou a caminhar mais do que isso, apesar de manter os temas políticos que sempre lhe foram caros. Em 2016, participou de uma faixa do terceiro disco dos rappers do Run the Jewels, mas dizia-se nos bastidores que o cara andava trabalhando num projeto solo, que nunca viu a luz do dia.

No entanto, chegou a sair uma única música da parada, Digging For Windows, produzida por El-P, seu chapa do próprio Run the Jewels. Mas embora esta faixa entregue que a direção é BEM mais rap do que rock, fontes ouvidas pela Billboard diziam que se trata de algo como uma mistura de “Led Zeppelin com Dr. Dre”, o que é uma informação BEM empolgante.

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Mas com esta coisa do retorno da banda, que obviamente deve ser temporário, há quem já arrisque, inclusive, a trazer à tona novamente o boato que rolou em 2016, antes do Prophets ser anunciado: embora o RATM não lance nenhum álbum novo desde Renegades, de 2000, seria a hora de colocar na rua um tal Rage Against The Donald, disco especialmente dedicado você sabe quem. As músicas teriam títulos como Sleep Now Trump You’re Fired, Trump’s Bullshit On Parade, Trumpify e There Aint No Spray-Tan Here, todos trocadilhos com nomes de faixas da própria banda que já existem. Trate obviamente esta informação como RUMOR, embora um daqueles BEM legais.

De qualquer maneira, a importância do retorno dos caras (no mesmo ano em que o System of a Down, igualmente político, banda de trutas do Rage, também retorna de sua inatividade, o que obviamente NÃO É UMA COINCIDÊNCIA) só pode ser medida por uma entrevista que o Zack concedeu à MTV em 1999 e que os caras resgataram agora no Facebook, pra mostrar o quanto estas palavras soam atuais. O papo era sobre como envolver os jovens com a política, assunto que muitos consideravam “maçante”.

“Social e politicamente, acho que é importante, mais uma vez, criar uma espécie de mídia alternativa e usar esse espaço no qual as pessoas possam discutir política”, afirmou. “Acho que para muitas pessoas jovens essa política tradicional é vista como um fardo que eles não querem carregar. Eu entendo isso. Porque, especialmente na América, você tem dois partidos que estão em busca do poder e que comandam a Casa Branca. Eu sempre achei que você pode se comunicar melhor através, você sabe, de acordes de guitarra e um grito. Isso cria mais uma ligação com a juventude do que quem está no comando da Casa Branca”.

Falou e disse, Zack. Sejam bem-vindos de volta, caras. O mundo precisa mais uma vez de vozes como a de vocês.