“When the demon that’s inside you is ready to begin / And it feels like it’s a battle that you will never win / When you’re aching for the fire and begging for your sin / When there’s nothing left inside, there’s still a reason to fight”
Este acima é um trecho da letra de A Reason to Fight, um dos singles de Evolution, disco que os americanos do Disturbed lançaram em 2018. A linda canção, que tenta de alguma forma ser uma mensagem positiva para quem está sofrendo de disturbios mentais, já tinha até ganhado um belo clipe no final do ano passado. Mas à medida que a faixa vinha sendo executada ao vivo, os músicos sacaram o efeito que causava na plateia e perceberam que aquele poder podia e DEVIA ser usado para algo ainda maior.
“Eu não sabia se ia funcionar até que tentamos fazer isso uma noite”, explica David Draiman, vocalista e líder da banda, em entrevista pra Loudwire. “Que é quando temos uma hora no show em que pergunto ao público ‘quem aqui já teve problemas com vícios, com depressão, ou conhece alguém que tem?’, e quando praticamente toda a audiência levanta as mãos, todas as noites, é um momento incrível para quem está lidando com isso. Pessoas chorando, soluçando, sorrindo. É um dos momentos mais poderosos da noite”. Ele diz ainda que é uma forma de fazer com que os presentes percebam que isso não é algo incomum, que eles deveriam se envergonhar, guardar pra si mesmos. “O fardo quase sempre é pesado demais para se carregar. Isso cria um senso de comunidade para unir as pessoas”.
Abrindo inclusive espaço para que os presentes pudessem dar seus depoimentos a respeito da luta contra doenças mentais, eles começaram a fazer registros destes trechos e criaram um novo vídeo para a canção, desta vez numa versão mais acústica mas igualmente incrível. Além disso, também lançaram um site no qual quem se sentir à vontade para compartilhar suas histórias pode subir uma foto e mostrar ao restante do mundo que, não, eles não estão sozinhos.
O doutor Michael Friedman, psicólogo que ajudou a conduzir a entrevista de Draiman para o Loudwire, faz questão de lembrar que enfermidades mentais são incrivelmente comuns, já que estatísticas indicam que cerca de 30% das pessoas no mundo já experimentaram algum tipo delas em sua vida. Isso não deveria, portanto, ser algo com o que lidamos mais franca e abertamente, ao invés de transformar a questão num estigma? A resposta, obviamente, é “não”, fazendo com que aqueles que lutam esta batalha diariamente tendam a se isolar e fugir desta condição ao invés de procurar apoio e tratamento.
O resultado? 800.000 pessoas se suicidam anualmente em todo o planeta — tornando esta a segunda principal causa de morte para jovens entre 15 e 29 anos.
“Cada um dos integrantes da banda já foi pessoalmente afetado por isso. É daí que A Reason To Fight veio”, explica o frontman do Disturbed. “Seja pessoalmente, como indivíduos lutando contra vícios e depressão, seja presenciando pessoas queridas neste tipo de batalha. É algo que está bem próximo da gente”. Na letra, a banda evoca a imagem de um demônio interno para descrever as doenças mentais. A ideia era tratar a coisa com gravidade suficiente para que quem não vive com isso no dia a dia deixe de pensar que quem está sofrendo é uma pessoa fraca e que basta apenas “deixar pra lá”.
“A única forma de atribuir a quantidade correta de poder, horror e medo que precisam estar na descrição de coisas como estas é se referir a elas de um jeito demoníaco. O mal definitivo que fica te tentando, te colocando sempre pra baixo. Tem gente demais por aí minimizando esta luta, dizendo que dá pra ignorar, que é culpa do indivíduo, que eles é que se deixaram sucumbir”, explica ele. “E quando a gente personifica isso como algo horrível, uma infecção como um câncer, tudo toma um significado diferente, pra forçar as pessoas a enxergarem isso sob uma luz diferente. Quando você aceita que isso pode acontecer com QUALQUER UM, não importa quão forte eles possa ser, tudo se torna ainda mais assustador. Ninguém é invulnerável a isso. São doenças como quaisquer outras e podem tomar conta de você, quer queira ou não”.
Draiman lembra que, recentemente, estas questões levaram alguns grandes nomes da música ao redor dele, como Chris Cornell, Scott Weiland e principalmente Chester Bennington, seu amigo pessoal. “Quando Chester morreu... todos o viram tão feliz nos dias anteriores, tendo ótimos momentos, líder de uma das bandas mais bem-sucedidas do mundo, esposa linda, filhos. E aí vem aquela pergunta clássica de uma gente que eu queria socar na cara: ‘por que ele tinha que ser tão depressivo? Ele tinha tudo’. Você não tem uma ideia do cacete sobre o que está falando. Se você vê tudo lindo na superfície, não pode ter um câncer crescendo por baixo? Não dá pra fingir que você sabe o que se passa na cabeça de uma pessoa”.
No caso dos músicos, aliás, o cantor diz que o mundo ajuda a cultuar as fantasias clássicas do rock star, que têm que ser perfeitos para ajudar os fãs a fugirem um pouco da realidade com seus shows e músicas. A vida já tem muita realidade pra gente encarar, por que diabos nós gostaríamos de saber sobre os problemas que os artistas encaram? “Não me entendam mal, tenho uma existência bastante privilegiada, uma família incrível, uma casa linda, faço aquilo com o que sonhava desde que era garoto. Mas cada sucesso que, por fora, parece brilhante e maravilhoso, vem com uma dose extra de sacrifício, de perda. (...) As pessoas querem desesperadamente acreditar numa mitologia, de que nós somos super-humanos e temos tudo. De que a vida é uma imensa festa de sexo, drogas e rock n’ roll”.
E é quando você alcança o sucesso e se torna o ponto focal das atenções, quando sua vida é colocada sob um microscópio 24h por dia e cada palavra e movimento são medidos, gravados e transformados em notícia, o peso fica ainda maior para quem já vive uma luta contra si mesmo. “E os idiotas do mundo seguem em frente e tentam encontrar seus pontos fracos. Então fica muito fácil para que seus demônios ganhem força. Eu sinto genuinamente que foi isso que aconteceu com Chester e com outros de meus colegas. As pessoas não percebem a isolação que isso pode trazer e como a depressão só alimenta sua própria percepção disso”.
Mas ele faz questão de esclarecer que OBVIAMENTE isso não é algo que atinge exclusivamente os rock stars. “É sobre qualquer um que veste este tipo de tipo de fantasia, alguém que acha que tem que ter estas qualidade de super-herói. A figura paterna que serve de inspiração para uma criança — você não quer que o pequeno perceba que você não é o que ele acha, ou então que tem defeitos... A fachada sendo mantida, vale também para o oposto, o pai que mantém a fantasia rolando e finge que está tudo bem com seu filho, quando claramente não está”. E ele diz a frase mais certeira de todas: “a pior coisa do mundo é saber que você tem um problema, tentar lidar com este problema mas ainda ter que fingir para todos ao seu redor que não tem um problema”.
No fim, Draiman e seus parceiros de banda esperam que esta pequena campanha para desafiar o estigma que se espalha sobre as doenças mentais faça com que aqueles que sofrem e lutam se sintam menos sozinhos e possam procurar ajuda. “Isso é algo com o que muita gente tem que lidar, não é algo para se envergonhar. Saber que tem mais gente que se sente como você, que estão lutando a mesma luta, e ela é diária”. E dá o alerta: “Se você vir os sinais, não pense duas vezes. Não machuca chegar perto de um amigo para ver se está tudo bem. (...) Acho que as pessoas vinham sendo muito passivas sobre isso. Dá pra fazer muita coisa. Fale com eles, passe um tempo com eles. Mande algo pra eles. Umas poucas palavras de tempos em tempos fazem diferença. E fazer com que alguém saiba que você se importa faz MUITA diferença”.