Rebobinando a nostalgia | JUDAO.com.br
27 de outubro de 2015
Filmes

Rebobinando a nostalgia

Documentário promete mostrar bastidores e curiosidades do universo das locadoras de vídeo em São Paulo

Durante muitos anos, quando me descobri enfim fanático por cinema ainda na pré-adolescência, botei na cabeça que meu primeiro emprego seria numa locadora. Assim, de graça mesmo. Ficava me imaginando num esquema meio O Balconista, sabe? Numa matéria anterior que escrevi pro JUDÃO, bati um papo com uma garota de seus 18 anos que não fazia ideia do que eu estava falando quando perguntei se ela ainda visitava locadoras. “Nem sei o que é isso”. Mas eu, com meus 13/14 anos, no começo da década de 1990, sabia MUITO bem o que era aquilo.

Toda sexta-feira eu voltava da escola e batia ponto na locadora mais próxima. Ficava, sem sacanagem, horas estudando as capas dos filmes, lendo as sinopses, e saía sempre com pelo menos três FITAS debaixo do braço. Amava garimpar, ficar trocando ideia com os funcionários, batendo papo com os outros clientes, fazendo até recomendações de coisas que eu tinha curtido. Foi nesta época que conheci a obra do Kubrick, que se tornaria meu diretor favorito – e entrei numa loucura de alugar Laranja Mecânica praticamente todo final de semana durante uns bons meses, até praticamente decorar todas as falas.

Cheguei até a bater um papo com o dono desta locadora que ficava praticamente do lado da minha casa, lá em Santos/SP, sobre a possibilidade de um trampo em meio período, como atendente. Ele sacou que eu manjava do assunto, que sabia falar bem... Mas ficou tudo por isso mesmo. Acabei empurrando a coisa com a barriga e nunca rolou. Isso, claro, até eu me formar na faculdade de comunicação, me mudar para a capital, começar a trabalhar por aqui e acabar indo parar numa distribuidora de cinema. Entrei de cabeça no mercado de home vídeo. Criei estratégias para divulgar os filmes nas locadoras, fiquei amigo de alguns donos delas, visitei lojas dos mais diferentes tamanhos e formatos, participei de eventos, ouvi uma porrada de histórias de bastidores – algumas divertidas, outras trágicas.

Justamente por tudo isso, por esta lembrança emocional, confesso que fiquei bastante empolgado quando assisti ao trailer do documentário Cinemagia – A História das Videolocadoras de São Paulo, coprodução da LumoLab e da Tubaína Films, com direção de Alan Oliveira. “Não se trata de um trabalho que aborda o fim de uma era. Ao contrário, queremos celebrar esse período de todas as formas possíveis”, conta o diretor, em entrevista ao Catraca Livre.

Olha... o Alan precisa me perdoar mas, sim, este é o fim de uma era. O jeito de se consumir cinema mudou radicalmente, hoje o que não falta é opção de plataforma e não apenas o público, mas o mercado também, já discute diminuir radicalmente a questão das janelas.

Com o Netflix e seus similares dando sopa por aí, quem tem paciência de esperar três meses entre a estreia de um filme nos cinemas e a sua chegada nas prateleiras das locadoras? Olha só, até o final do ano passado eu AINDA frequentava locadoras — e me tornei alvo da sacanagem suprema do Borbs e do Renan, que encontraram mais um motivo pra me chamar de velho. Mas sei lá, ainda gostava desta coisa, deste clima, eu acho. Isso até a última locadora minimamente perto da minha casa fechar. Dando uma volta pelo bairro, estritamente residencial, encontrei pelo menos três desmontadas e com aquelas placas de “aluga-se” na porta. Bateu uma depressão.

Segundo a União Brasileira de Vídeo (a UBV, que agora acrescenta um G ao nome para se referir a “games” também), havia cerca de 14 mil videolocadoras no país em 2005. Este número agora está por volta de 4.000, uma perda bem significativa. Apenas no estado de São Paulo, de acordo com o Sindicato Paulista de Videolocadoras, existiam 1.830 lojas em 2011, menos da metade das que haviam em 2006. A expectativa é que esse número fosse caindo por volta de 30% a cada ano – mas ainda não temos os números mais atualizados.

Um dos trunfos do Cinemagia promete ser justamente ouvir as histórias de alguns destes heróis da resistência em território paulistano – trazendo depoimentos de mais de 40 profissionais envolvidos neste mercado, indo de ex-representantes de vendas a distribuidores, passando por críticos de TV e cinema e, claaaaaaro, donos de locadoras.

Como Sonia Abreu, da 2001 Vídeo, que ainda mantém duas grandes operações na cidade, uma em Pinheiros e outra na Avenida Paulista... mas ambas hoje muito mais focadas em produtos para venda do que, efetivamente, em locação. Ou Antonio Carlos Cardoso de Sá, que fundou a Premiere Video em 1986 e chegou a ter 5 lojas, com cerca de 5 mil clientes cadastrados. Hoje, são apenas 1000 em duas lojas no Morumbi, tendo que investir bem mais em games e acessórios para computador para manter o faturamento em alta. Talvez um dos casos ainda mais curiosos seja o da Firefox Video, na Vila Mariana, que ainda possui cerca de 15 mil filmes em VHS como parte do acervo.

É, isso mesmo, VHS. Um formato que aquela JOVEMs que mencionei no começo do texto também não deve fazer a menor ideia do que se trata.

“Cavamos ao máximo até chegar nas raízes do assunto: como tudo começou, a primeira videolocadora da cidade, os primeiros filmes, os primeiros clientes, os primeiros desafios. Tudo com depoimentos das pessoas que fizeram a coisa acontecer”, diz Alan.

Cinemagia deve chegar aos cinemas, em distribuição limitada, em algum momento de 2016, ainda a confirmar. Te avisaremos. :)