Nova versão do mito do monarca de Camelot, dirigida por Guy Ritchie, é uma confusão sem qualquer identidade, criando um filme genérico do tipo “mas quem tava querendo ver isso mesmo?”
Assim que assisti aos primeiros vídeos deste Rei Arthur – A Lenda da Espada, duas palavras me vieram imediatamente na cabeça: Sherlock Holmes. Guy Ritchie sendo mais uma vez Guy Ritchie, pegando os elementos de uma história clássica e trazendo isso para uma linguagem underground londrina contemporânea, misturando o visual histórico com uma estética toda sua. Ver o Arthur todo badass, batedor de carteira, criado nos becos da cidade e trocando SOPAPOS pela rua dava muito a impressão de ser Snatch na Távola Redonda.
Se fosse isso, acho que até tudo bem, viu? Ou melhor... se fosse SÓ isso, né. Porque o filme tenta seguir por este caminho de reinterpretação do mito arthuriano até certo ponto, perdendo repentinamente o bom humor e tentando se vender como um épico meio Senhor dos Anéis. Em outros momentos, recorre a expedientes de fantasias medievais clássicas a la O Feitiço de Áquila, abusando de uma série de efeitos especiais questionáveis (a luta final, contra um monstrengo que lembra claramente o Death Dealer do Frank Frazetta, parece um gráfico ruim de jogo pra PlayStation 2).
O resultado é uma falta de identidade sem tamanho. Acaba que não é uma história com qualquer tipo de assinatura, mas sim uma gigantesca colcha de retalhos de coisas que você já viu/leu/jogou em algum momento da vida. E aí, quando a confusão toda termina, rola aquele pensamento inevitável: “se era pra fazer MAIS UMA versão da história do Rei Arthur, precisava ser uma assim tão genérica?”. Precisar, na real, não precisava mesmo. ;)
Essa não é uma versão pé no chão como aquela dos livros de Bernard Cornwell, tampouco uma piração DISRUPTIVA como Camelot 3000. Na verdade, a parada aqui fica num incômodo meio do caminho. Se liga: Vortigern (Jude Law), irmão do Rei Uther Pendragon (Eric Bana), faz um acordo com Mordred, traidor do reino dos magos, e acaba apunhalando a própria família pelas costas em busca de poder, quebrando um acordo de paz lendário entre os humanos e os senhores da magia. Uther e sua esposa morrem pelo meio do caminho mas, de alguma forma, conseguem salvar seu pequeno filho Arthur, predestinado a assumir o trono e também a controlar o poder da lendária Excalibur.
Arthur acaba criado entre ladrões e prostitutas, sem saber de nada, tomando seu espaço à força enquanto monta uma gangue que negocia e cobra tributos de todo mundo, inclusive das tropas do rei. Mas em algum momento a água bate na bunda, ele descobre a própria história e o legado que recai sobre suas costas, acaba sendo encontrado por um grupo de rebeldes que acreditam na antiga lenda da espada e – adivinha só – se torna um líder relutante, que não quer aceitar o papel de herói.
O conceito é bem óbvio, mas chega a funcionar brevemente quando temos a edição inteligente e o storytelling típico do diretor, na sua pegada mais urbana, intimista, com o Arthur de Charlie Hunman trocando diálogos e piadinhas ácidas com os colegas de sempre e mesmo com a trupe de true believers liderada por Bedivere (Djimon Hounsou). Só que tudo isso acaba sendo soterrado por uma avalanche de efeitos especiais, com fogo e rajadas místicas para todos os lados, elefantes gigantescos de olhos flamejantes, serpentes tamanho família e, principalmente, uma espada que brilha e dá superpoderes numa mistura de Thor com Flash para aquele que for digno de empunhá-la.
Quando este Rei Arthur se torna um espetáculo megalomaníaco, quando sucumbe à própria ambição, ele se perde e aí se torna ainda mais deslocado do que a versão de 2004, com o Clive Owen no papel principal. Não funciona como Rei Arthur e nem como um filme de um outro herói com uma espada mística qualquer. Não funciona como aventura, não funciona como épico, não funciona como fantasia, não funciona como drama. Simplesmente não funciona em muitos e muitos níveis.
Rei Arthur não funciona como aventura, não funciona como épico, não funciona como fantasia, não funciona como drama. Simplesmente não funciona em muitos e muitos níveis.
Parte da culpa reside no desejo claríssimo de tornar este filme não apenas uma obra com começo, meio e fim, que tem vida própria, mas também o início de uma franquia, neste desespero hollywoodiano de encontrar o próximo MCU, de ter em mãos a nova franquia quente do momento.
O final, com a revelação de um elemento bem importante na mitologia do personagem, é a indicação que faltava. Lancelot não aparece, Guinevere tampouco, Merlin é apenas brevemente mencionado – todos claramente guardados para as continuações e spin-offs potenciais.
Com um protagonista lindo, homão da porra, mas pouquíssimo carismático, além de um vilão sem graça que só sabe fazer cara de sofrimento (mal aê, Jude), Rei Arthur – A Lenda da Espada fez na estreia americana meros US$ 15,4 milhões, uma miséria para o orçamento babilônico de US$ 175 milhões. A própria Warner admite que pisou no tomate e deu de cara na parede. “Acho que entre a concepção e a entrega, este projeto não se desenvolveu do jeito que queríamos”, afirmou Jeff Goldstein, presidente de distribuição doméstica da Warner Bros., em entrevista para o EW. “Antecipamos que teríamos algumas dificuldades, mas não que o vale seria tão profundo”.
Portanto, esqueça cenas pós-créditos e coisas do tipo “King Arthur Will Return”. Quando os créditos finais subirem, vai ser mesmo o fim. Em definitivo. Mas é muito provável que, ao invés de pensar “que pena”, você vá direto para o momento “ainda bem”.