Relançamento de Final Fantasy VII não pode ser considerado um ponto de RENASCIMENTO dos JRPGs, não
Quase 20 anos após seu lançamento, em 1997, Final Fantasy VII será totalmente refeito e relançado para consoles da nova geração. O anúncio foi feito pela desenvolvedora Square Enix durante E3 2015 na última semana.
Final Fantasy VII é um marco na história dos games da franquia.
O carinho dos fãs pela história do mercenário Cloud, que se junta a um grupo de ecoterroristas para derrubar a maléfica empresa Shinra e impedir que ela destrua o planeta sugando sua força vital, é tão grande que a cada nova geração de consoles lançados após o primeiro PlayStation — plataforma original do game — fãs ao redor do mundo pediam uma atualização da história com gráficos melhores e perpetuação daquele que é considerado o melhor jogo de videogame já criado.
Na época do lançamento, a Square vinha embalada pelo bem sucedido Final Fantasy VI, para Super Nintendo, três anos antes. Aquele que era o melhor jogo de RPG da franquia até então, e só não o melhor da história devido a Chrono Trigger (também da Square, de 1995), seria superado por uma narrativa e temática maduras, e pelo ineditismo dos gráficos 3D na franquia.
A cativante história de Cloud e a organização Avalanche evolui e se torna um conto messiânico de civilizações antigas e salvação planetária, mas não deixa de lado debates muito amplos da década de 1990, relevantes até os dias atuais, como a favelização das sociedades, a exploração econômica como força destruidora do meio ambiente, clonagem, além da questão simples de que futuro queremos deixar para nossos descendentes.
Prova desse sucesso foi a venda de nada menos de 10 milhões de cópias do jogo ao redor de todo o mundo — isso sem contar a pirataria, muito difundida naquela época. Ou vai dizer que você pagou uma fortuna naqueles discos originais de PS1, cuja única diferença para os piratas era o fundo preto?
Não há de se duvidar que seu remake para os consoles de nova geração obtenha um sucesso tão estrondoso, senão maior. Isso porque, uma semana após o anúncio do remake, mais de 9 milhões de pessoas já haviam visto o trailer do game apenas na conta oficial do PlayStation no YouTube.
No entanto, o relançamento de Final Fantasy VII com certeza não pode ser considerado um ponto de renascimento dos JRPGs, gênero dos RPGs eletrônicos considerado em sobrevida há mais de uma década, mas sim como um ponto de RESISTÊNCIA do estilo.
Isso, é claro, se novas gerações não se encantarem com a mecânica e as vendas se mostrarem avassaladoras.
Considera-se um JRPG todo RPG eletrônico com características fundadas pelos fabricantes japoneses, ainda que não necessariamente tenham sido desenvolvidos na terra do sol nascente. Entre estas características estão uma história bem definida e com poucos pontos de liberdade de atuação do jogador fora do seu roteiro principal; personagens de estilos cartunescos e/ou espalhafatosos; batalhas em turnos; e pouca capacidade de customização dos personagens. São bons exemplos as séries Breath of Fire, Dragon Quest, Shining Force e Phantasy Star.
Devido às limitações dos consoles e suas mídias (cartuchos e CDs), os JRPGs predominavam muito pelo fato de não existir uma concorrência narrativa e tecnológica à altura. Jogos baseados em sistemas de RPG como Dungeons & Dragons sempre existiram, mas eram mais voltados para o gênero de beat ‘em up, como os clássicos Tower of Doom e Shadow Over Mystara.
Nos computadores, onde a capacidade de processamento sempre foi menos limitada, tentativas antigas e bem sucedidas de RPGs ocidentais são as primeiras versões da série Elder Scrolls, Bard’s Tales, Eye of the Beholder, a série Might & Magic, Betrayal at Krondor e sua continuação Betrayal at Antara, Diablo, entre outros.
Há também pontos de convergência entre os dois gêneros: os jogos baseados em D&D da segunda metade dos anos 1990, como Baldur’s Gate, Planescape: Torment e Fallout.
Embora seja difícil apontar de fato qual foi o jogo que causou uma transição profunda para o RPG como conhecemos hoje, talvez um bom exemplo de partida seja o primeiro game da série Fable, lançado em 2004.
Fable foi um dos primeiros jogos a permitir uma customização detalhada dos personagens logo antes do início da partida: o protagonista será homem? Mulher? Utilizará magias? Armas brancas?
Já no decorrer do game, os jogadores são constantemente obrigados a tomar decisões que afetam a continuidade da história: ele salvará vilarejos de monstros, ou saqueará seus moradores? Ele terá relacionamentos heterossexuais ou homossexuais? O personagem seguirá a história principal do game ou explorará todo o mundo construído pelos desenvolvedores, desde o início, completamente disponível e aberto?
Essa possibilidade da exploração quase infinita extrapolou o gênero dos RPGs e tornou-se um dos prinicipais atrativos, por exemplo, da série GTA, embora as ações dos personagens ali não determinassem a progressão da história como um todo.
Junto com o desenvolvimento de mídias com maior capacidade de armazenamento e de consoles que podem gerar gráficos cada vez mais realistas, os jogos de mundo aberto acabaram sobrepujando os JRPGs e tornando-se predominantes.
Foi nesta situação que a Bethesda transportou sua franquia Elder Scrolls pela primeira vez para os consoles, em Elder Scrolls IV: Oblivion, lançado em 2006. Vendendo mais de 1.7 milhão de cópias, o jogo permitia que os players nem sequer seguissem sua história principal, se assim desejassem.
Tamanho foi o sucesso que, em 2011, a Bethesda lançou o quinto jogo da franquia, Elder Scrolls V: Skyrim, com a mesma mecânica de seus antecessores, mas ultrapassando ainda mais a mecânica do sandbox e permitindo que o jogador montasse até mesmo em dragões — alô Game of Thrones!
Ao todo, Skyrim vendeu mais de 20 milhões de cópias em todo o mundo, e ouso arriscar que, quatro anos após seu lançamento, ainda tem gente que não parou de jogar. Isso porque, embora seja difícil de estimar com certeza, dizem que para se realizar absolutamente tudo que a progamação de Skyrim oferece, você passaria cerca de 700 horas na frente do seu videogame. Algumas estimativas dizem 300 horas.
Sinceramente, prefiro apostar na estimativa maior. Isso porque joguei Skyrim por cerca de um mês, e digamos que tenha sido em uma média de 3 a 4 horas por dia. Isso me consumiu mais ou menos 100 horas de vida, que hoje eu considero completamente perdidas. Só sei que não cheguei nem perto de completar 1/3 do jogo.
O grande problema dos mundos abertos atuais é que, embora as possibilidades de narrativa sejam imensas, as possibilidades de atuação não são. Você pode optar por entrar em certa dungeon mais cedo ou mais tarde, pode optar por destruir vilarejos ou protegê-los (ou destruir e depois protegê-los, por que não?), mas há um limite narrativo.
Para os saudosistas e fãs dos JRPGs, a crítica é, portanto, a de que o open world deixou de lado o foco narrativo e o carisma das histórias de RPG em detrimento da ultra capacidade de customização e exploração.
É claro que não houve dominação total dos RPGs de mundo aberto a partir da década passada. Algumas empresas (norte-americanas e japonesas) resistiram nas maneiras mais tradicionais de conduzir seus jogos. Um exemplo é a EA e sua ópera espacial Mass Effect ou seu conto medieval Dragon Age. Ambos os jogos se beneficiaram da mecânica de escolhas que geram consequências, mas suas histórias eram basicamente fechadas e lineares. Outro é o da própria Square, que continuou lançando sua série Final Fantasy — e que lança daqui poucos meses o novo game da franquia, Final Fantasy XV.
Há ainda um outro ponto digno de nota que auxiliou na perda de popularidade dos JRPGs: os RPGs online. Lançado pela Blizzard — a mesma de Diablo — em 2004, e atualizado com novos módulos até hoje, World of Warcraft é o MMORPG (Massive Multiplayer Online RPG) mais jogado em todo o planeta, com mais de 7 milhões de usuários conectados ao redor do mundo.
Dotado de uma mecânica de mundo aberto e se aproveitando da essencial interação entre seus usuários, WoW fez da Blizzard, uma companhia mediana, uma empresa bilionária. O sucesso de World of Warcraft permitiu que a empresa lançasse novas versões do seu jogo de estratégia futurista Starcraft e também Diablo III — este último um RPG mais tradicional, mas também exclusivamente online.
Pra não me alongar muito no tema dos MMORPGs, saltemos para o final de 2014, quando a Bungie lançou para PlayStation e Xbox Destiny, que custou nada menos do que meio bilhão de dólares para ficar pronto. Paul McCartney auxiliou na curadoria da trilha sonora de Destiny, que em um dos seus comerciais teve música do Led Zeppelin.
Embora a qualidade gráfica seja indiscutível, com duas expansões já lançadas, Destiny já vem sido altamente criticado por seus jogadores por falta de inovações.
Mais uma vez puxando por experiência própria, eu fui um daqueles que destrinchou Destiny até sua primeira expansão. Já adquiri a segunda delas, A Casa dos Lobos, lançada no mês passado, mas confesso não ter chegado perto de dar play no game desde então. Estou cansado das mesmas missões repetidas em cenários diferentes.
Outra questão marcante é um subgênero dos MMORPGs, os MOBAs (Multiplayer Online Battle Arena). Ainda que focados mais em estratégia, os MOBAs mantém muitos elementos dos RPGs, como a progressão de níveis de personagens e a customização de seus personagens.
Um dos primeiros MOBAs a ganhar destaque na comunidade de gamers foi Defense of the Ancients, ou DOTA. Desde então, a Blizzard lançou Heroes of the Storm, enquanto a Riot Games despontou com League of Legends.
Fenômenos sem precedentes no mundo dos games, campeonatos de MOBA ao redor do mundo oferecem premiações milionárias. O campeonato mundial deste ano de DOTA 2 deve pagar cerca de 15 milhões de dólares para a equipe vencedora.
Isso é mais do que a premiação anual da NBA, ou do PGA Golf Tour, disputado por esportistas de alta performance — e não jovens espinhentos que passam a maior parte dos seus dias na frente de um computador.
(Nada contra isso, quero dizer. Eu também jogo League of Legends. Se eu tivesse a possibilidade, é claro que largaria tudo pra ganhar uma fortuna como competidor internacional.)
No último dia 26 de abril, um domingo, a ESPN norte-americana exibiu a final nacional do campeonato de Heroes of the Storm em sua programação, considerando o jogo como um esporte. Isso no mesmo dia em que Cleveland Cavaliers e Boston Celtics disputavam partida pela NBA, e que as universidades do Arizona e da Califórnia jogavam pela liga universitária de baseball.
Quer mais? No próximo dia 8 de Agosto, o Allianz Parque, casa do Palmeiras, em São Paulo, receberá a final deste ano do CBLoL, o Campeonato Brasileiro de League of Legends, que pagará 31 mil reais ao vencedor e colocará as duas equipes finalistas na disputa por uma vaga no mundial de LoL deste ano.
Com todo este cenário evolutivo posto, voltemos a Final Fantasy VII e aos JRPGs. Ainda que haja uma possibilidade de renovação do gênero com o relançamento do clássico, é digno de nota que a possibilidade de um revival parece ser muito menor do que um impulso saudosista dos gamers.
Em outubro de 2014, Final Fantasy XIII, lançado originalmente para PlayStation 3, foi relançado para computadores. No mês passado, Final Fantasy X, talvez o último game ótimo da franquia, lançado para PS2, foi relançado para PlayStation 4. Suas vendas no primeiro mês não passaram de 100 mil cópias.
Ouso dizer que o quarto game da franquia Fallout talvez seja o grande teste para Final Fantasy VII. Embora a Square não tenha dito quando seu remake será lançado, embora se espere que ele não fique perto de Final Fantasy XV para não haver saturação e escolha por predileção, prejudicando as vendas, sabe-se que a Bethesda lançará Fallout 4 em 10 de Novembro.
Sim, a Bethesda. Reponsável em partes pela difusão e, porque não, banalização dos RPGs, a fabricante também dividiu águas com o lançamento de Fallout 3, na década passada. Isso porque ela tornou a mecânica dos dois antecessores na mesma de Elder Scrolls.
Talvez o maior sucesso no gênero dos RPGs ocidentais da década de 1990, Fallout contava a história de um mundo radioativo pós-apocalíptico, onde seu sobrevivente precisava desvendar o mundo fora das poucas comunidades subterrâneas de humanos que haviam sobrado no planeta.
A mecânica de Fallout era a típica mescla citada anteriormente: permitia uma maior customização do herói, tinha opções de escolha narrativas, ao mesmo tempo que apresentava batalhas em turnos e uma história majoritariamente linear.
Fallout 3, no entanto, desmontou toda esta mecânica ao tornar o jogo em um RPG em primeira pessoa e open world. Talvez a grande modernização oferecida pela Bethesda tenha sido o fato de que o personagem principal era dotado de armas de fogo, como em jogos de guerra como Battlefield e Call of Duty, algo que Mass Effect também se utilizou, ainda que em terceira pessoa.
No mais, embora muita gente diga o contrário, é apenas um jogo longo e chato, onde você passa a maior parte do tempo preocupado em não morrer infectado pela radiação do que em seguir um objetivo maior do que metralhar mutantes filhos do desastre nuclear.
Eu já sei de que lado vou estar quando Fallout 4 for lançado em novembro. Ainda sou saudosista o suficiente para preferir a história ambientalista envolvente de Final Fantasy VII, ao cenário pós-apocalíptico steampunk da Bethesda.
O que não quer dizer que eu não vá testar Fallout pelo menos pra falar mal. Ou pagar a língua, sei lá.
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