O capítulo inaugural do tal do Dark Universe sofre de um “probleminha” de identidade que vem da sua própria essência
Não sabemos quem teve a ideia de marcar a data de estreia do Dark Universe pra apenas uma semana depois da chegada do filme da Mulher-Maravilha e, já que não conseguimos tirar o filme da Princesa de Themyscira, Filha de Hipólita, Rainha das Amazonas das nossas cabeças e dos nossos conteúdos, para falar sobre A Múmia, a produção que dá o pontapé inicial no novo universo cinematográfico compartilhado de deuses e monstros da Universal, vou recorrer a um mito grego. No caso, a criatura mitológica chamada Quimera, fera que misturava a aparência de dois animais, por vezes metade mulher + metade serpente; em outras, descrita como tendo cabeça e corpo de leão mas carregando duas outras cabeçorras anexas, uma de cabra e outra de dragão.
A quimera ajudou a batizar o quimerismo, um fenômeno genético raríssimo no qual um animal ou ser humano pode ter dois ou mais registros genéticos diferentes, com cadeias de DNA distintas. Aí... Sabe quem manifesta uma parada similar nos cinemas? Ora, vejam vocês, e não é que é A Múmia, esta mesma do Tom Cruise?
Um dos DNAs mais perceptíveis do filme, aquele que a gente já sacou nos trailers, é mesmo o de filme de ação. Não, um par de sustinhos gratuitos aqui e ali NÃO significam que seja um filme de terror. Tá bom, temos uma princesa egípcia de milhares de anos de idade ressurgindo da tumba e convocando um bando de mortos-vivos pra ajudá-la a caçar o seu escolhido, o homem que vai completar o ritual iniciado séculos antes para trazer à vida o grande senhor das trevas. Mas o foco não está em te apavorar, e sim em injetar adrenalina nas suas veias com perseguições de carro, explosões de avião, tiroteios com rebeldes no Oriente Médio e todo o tipo de correria em túneis antigos.
Aqui, senhoras e senhores, Tom Cruise reina absoluto em seu papel recorrente de Tom Cruise. Goste você ou não do cara, ele tem carisma o bastante para segurar a bronca praticamente sozinho (embora Jake Johnson, como o melhor amigo Chris Vail, também roube a cena em seus poucos minutos de tela, vá lá). Do alto de seus quase 55 anos, o sujeito se joga pra cá e pra lá sem dublês, esbanjando vitalidade como o soldado e caçador de relíquias Nick Morton, o responsável pela cagada que liberta a múmia de sua prisão ancestral.
Junte a isso tudo uma ou outra referência interessante (se você é cinéfilo e curte a Era de Ouro dos Monstros da Universal, certeza que vai dar uma pirada com o conteúdo dos potes do laboratório do Dr. Jekyll) e... falando assim, pode até parecer uma boa notícia, né?
Então. Até seria, se esta parte do DNA não representasse, segundo os últimos exames, apenas 30% do que o filme realmente é. Os outros 70% são um bicho totalmente diferente e que simplesmente não combina, aquela desesperada tentativa de fazer você entender, de uma vez por todas, que o diacho do Dark Universe existe. É um estúdio gritando aos quatro ventos “caralho, eu tenho a minha própria Marvel, porraaaaaaa!”, sendo que não tem e, se continuar assim...
E tome uma tonelada de explicações esfregadas na sua cara, com a história perdendo um tempo desgraçado sendo miseravelmente didática. Não sobra espaço na história para que a interessante Ahmanet (Sofia Boutella) seja uma VILÃ de verdade e basta o Dr. Jekyll (que começa canastronicamente bem com Russell Crowe) ser apresentado ao personagem do Tom Cruise para a trama se sentir obrigada a dizer que aquele é sim o Médico do Monstro, sem sutileza nenhuma, além de gastar trocentos minutos com TRÊS grandes monólogos, longos e chaaaatos, um deles já na abertura do filme, nos quais somos apresentados à história completa da Princesa Ahmanet e depois descobrimos o que é a tal da Prodigium (a SHIELD do Dark Universe) e aí entendemos que existe um mundo de criaturas das trevas ao nosso redor e nem fazemos ideia disso.
Olha só, querida Universal, a gente já entendeu o que é o Dark Universe, o que caceta a gente pode esperar do Crowe e do Cruise daqui pra frente. Mas o que a gente sempre fala a respeito da Marvel vale aqui para vocês também, agora que tão entrando nesta brincadeira de “universo compartilhado”. Se você lança um filme dentro desse jogo aí, é importante que ele seja uns 80% filme e só 20% elo de ligação com o restante da turma. Arrisco dizer, pensando na lição deixada pelos Guardiões da Galáxia, que seria até melhor fazer esta equação ficar, sei lá, em 95% filme e 5% elo de ligação.
Um filme dentro de um universo compartilhado ainda precisa ser UM FILME. Ponto. Precisa funcionar como cinema. Quando ele é mais veículo para um tal plano maior do que uma história que tem chance de caminhar com as próprias pernas, temos um problema aí. Dos grandes.
Mas, pra tentar compensar, recorremos a este verdadeiro clássico do cancioneiro popular metaleiro brasileiro. De nada.