Não tem a tensão, não tem a inovação, não tem a atmosfera do filme original. O que sobra? Absolutamente nada.
Quem aqui tem idade suficiente para se lembrar claramente do ano de 1999 recorda MUITO BEM do fenômeno que foi A Bruxa de Blair, um dos primeiros filmes a se aproveitar da Internet pra espalhar uma suposta história real e meter medo em muita gente quando o termo “viralizar” ainda nem existia.
Todo aquele FRENESI anterior ao lançamento, fitas encontradas (e tidas como verdadeiras) sobre aqueles três estudantes de cinema perdidos na floresta que desapareceram misteriosamente, um site contando toda uma mitologia apavorante, as discussões nos fóruns, a propagação dos boatos, documentários e o boca a boca como campanha de marketing. Pra um adolescente como eu era na época, estas paradas gelavam a espinha e causavam um puta dum cagaço.
A Bruxa de Blair caiu no imaginário popular e tornou-se um divisor de águas no cinema de terror, tanto pela sua genialidade em nunca se preocupar em mostrar a tal maldita bruxa em nenhum frame do longa quanto por trabalhar muito mais com o imaginário e o terror psicológico subentendido, tirando o espectador do conforto da sua poltrona. Tudo isso com um orçamento irrisório e o uso inédito do found footage como recurso narrativo e não somente estético.
Pois bem, o tempo passou e, 17 anos depois, chega aos cinemas Bruxa de Blair (sem o artigo definido feminino no singular), sua sequência OFICIAL, ignorando completamente aquela EXCRECÊNCIA que é Bruxa de Blair 2 – O Livro das Sombras. Na direção e roteiro, a dupla queridinha do mumblegore Adam Wingard e Simon Barrett, presentes também nos dois melhores exemplares do found footage dessa década, V/H/S/ 1 e 2, carregando um peso a mais à produção.
O anúncio da tal continuação pegou todo mundo de surpresa, uma vez que a existência dessa sequência só foi revelada em Julho desse ano, durante a SDCC, durante a exibição de The Woods, como até então o filme vinha sendo chamado. Foram cinco anos de produção sem absolutamente nenhum vazamento sobre a verdadeira história do filme. Nos dias de hoje, uma verdadeira raridade.
James (James Allen McCune), o irmão da Heather (aquela que pede desculpas na cena mais icônica de A Bruxa de Blair, já um clássico do cinema) é a figura central de um novo documentário, produzido pela estudante de cinema Lisa (Callie Hernandez). No filme que a turma tá fazendo, eles e mais dois amigos, Peter (Brandon Scott) e Ashley (Corbin Reid), irão se EMBRENHAR na floresta Black Hills, em Burkittsville, ex-Blair, em busca do paradeiro da irmã de James, após descobrirem um vídeo no YouTube com uma suposta gravação encontrada na região que pode ajudá-los a elucidar o caso, sem conclusão até então.
Pense agora em toda a atmosfera de tensão e de medo PRIMAL do longa original de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez (que agora são produtores executivos), com a tática de guerrilha usada nas filmagens pra assustar os atores acampados à noite e filmando quase tudo de improviso sem eles saberem nada do roteiro, recebendo no máximo alguns recadinhos, vez ou outra. Pensou? Agora esquece. Em Bruxa de Blair, foi tudo completamente jogado no lixo. Sabe o final abrupto e controverso? Esquece.
O resultado é um dos filmes mais desnecessários já feitos
Pior ainda: a produção não consegue sequer trazer nada de original, limitando-se a tentar reproduzir exatamente o mesmo filme como se fosse um remake e não uma sequência propriamente dita: agora os documentaristas usam tecnologia de ponta, como câmeras auriculares, walkie talkies com GPS, drones e os caralhos. Optando por esta pegada, o filme ainda joga contra o próprio patrimônio, uma vez que o found footage como gênero já deu no saco, de tanto que foi explorado à exaustão na proliferação de produções de qualidade duvidosa. E aí eles acharam que um remake merda do filme que transformou este conceito em moda resolveria? Sei.
Em nenhum momento da tal “construção do clima”, na “manutenção e escalada” daquele suspense minimalista que deveria dar a amarga sensação de tragédia iminente, você tem sequer 1 minuto de empatia com os personagens. Chega ao ponto de você esquecer completamente o drama e os conflitos entre eles, até que tudo caminhe para um final previsível e ENFADONHO.
Parece que o único recurso cabível aqui foi aumentar a dose de ação, a contagem de cadáveres, meter cenas e mais cenas de grito, correria na floresta, câmera tremida e glitchs, como se fosse um vídeo produzido milimetricamente, com sua edição frenética, para a nova geração youtuber. A mesma geração do jumpscare, que considera medo = susto. Do tipo que avacalha A Bruxa e rasga elogios à Invocação do Mal 2, saca?
Bruxa de Blair é um filme afetado, exagerado, completamente forçado, que consegue destruir aquilo que a SEMINAL obra original sempre prezou e que era a sua maior força: a experiência e a atmosfera.
Qual é a lição que fica aqui, senhoras e senhores? A de que algumas fitas perdidas na floresta NUNCA deveriam ter sido encontradas...