Filme faz um retrato psicológico de um homem que se acostumou em documentar os horrores da guerra, mas se encontra em uma luta interna para conciliar sua vida profissional, suas novas responsabilidades familiares e seu próprio luto
Dificilmente conheceríamos a cruel realidade da guerra e os diversos conflitos ao redor do mundo se não fossem os corajosos fotógrafos e cinegrafistas como Jan Grarup. Muito conhecido no meio, Grarup fotografa há anos ambientes devastados por guerras com um olhar bastante poético, doloroso e, principalmente, humano.
Em quase duas décadas de trabalho como fotojornalista, Grarup cobriu diversos conflitos da nossa história recente, como os genocídios de Ruanda e Darfur, além de acontecimentos trágicos como o terremoto que devastou o Haiti em 2010. Com o projeto Haiti Aftermath, que rendeu ao fotógrafo a vitória no Leica Oskar Barnack Prize em 2011, mostrou a destruição do país e o destino das pessoas que sobreviveram à ela. Seu currículo ainda inclui uma cooperação com a UNICEF em um projeto sobre mortalidade infantil que passou pela Etiópia, República Centro-Africana e Serra Leoa.
No documentário Fotógrafo de Guerra, acompanhamos de perto o trabalho de Grarup em Mossul, onde segue o avanço das forças iraquianas contra o Estado Islâmico. Mas, quando sua ex-esposa fica gravemente doente e com poucas chances de recuperação, ele se vê como o único responsável pelos filhos e, precisando equilibrar sua vida familiar e o trabalho, ele acaba tendo de reconstruir a relação com as crias depois de muitos anos entre indas e vindas em suas vidas.
Dirigido por Boris B. Bertham, Fotógrafo de Guerra faz um retrato psicológico de um homem que se acostumou a documentar os horrores da guerra, mas se encontra em uma luta interna para conciliar sua vida profissional, suas novas responsabilidades familiares e seu próprio luto. Logo nos primeiros minutos, o filme mostra o contraste gritante da vida de Grarup e sua família na Dinamarca e sua vida como fotógrafo na qual está em constante contato com a morte.
Apesar do currículo impressionante e da quantidade de histórias que Grarup poderia compartilhar, o documentário não se aprofunda na sua carreira como fotojornalista e foca no difícil equilíbrio das suas relações pessoais e do seu trabalho. Acompanhamos Grarup nessa descoberta da nova dinâmica da sua vida, enquanto intercala fotografias impactantes tiradas por ele.
Fotógrafo de Guerra coloca Grarup na posição de um rockstar do mundo da fotografia, mas equilibra essa imagem ao mostrar sua clara fragilidade ao ter de assumir seu papel como pai, sem a ajuda de ninguém. Esse é um filme sobre a dor da perda, seja em eventos traumáticos como uma guerra ou na perda prematura de um ente querido.
Bertham não se preocupa em explicar os motivos por trás da escolha de Grarup em continuar indo para locais perigosos. Talvez a resposta para essa questão seja bastante simples: ele é absurdamente bom no que faz. Seu olhar introduz humanidade em lugares onde a sociedade claramente fracassou e nos posicionam onde nunca iríamos por vontade própria.
Assim como as fotos de Grarup são muito realistas, a câmera de Bertham não censura qualquer imagem nas zonas de guerra. Entre a tensão dos sons de tiros e bombas, as imagens mostram como a morte é banalizada nesses ambientes. Mas além dos horrores da guerra, o momento mais emocionante do documentário se passa na Dinamarca, justamente quando as crianças perdem a mãe. Essa sequência é tão íntima e dolorosa que desejei que a câmera fosse desligada e a família pudesse sofrer em privacidade.
Mas é impossível não questionar se a sociedade o veria da mesma força se ele fosse uma mulher com filhos. Dificilmente seu trabalho não seria visto com toques de egoísmo por deixar os filhotes para trás. Sendo um homem, Grarup pode facilmente sair pelo mundo, enquanto seus filhos cresciam com a mãe. Nesse sentido, Fotógrafo de Guerra se torna um estudo sobre paixão, escolhas e negligência.
Fotógrafo de Guerra é um ótimo documentário por dar um rosto para uma profissão cujo objetivo é justamente se arriscar para mostrar as atrocidades cometidas ao redor do mundo, dando voz a povos que não têm espaço na mídia mundial. Mas, principalmente, por apresentar um homem muito humano que, apesar do contato constante com a morte, tem dificuldade para lidar com as perdas em sua própria vida.