O ensurdecedor Parasita | JUDAO.com.br

Muito mais complexo e cheio de camadas do que a história de uma família enganando a outra, novo filme do fantástico Bong Joon-ho sintetiza uma temática bastante comum no nosso dia-a-dia: o ressentimento que surge a partir da disparidade social.

Por mais assustador ou angustiante que possa ser, existe algo verdadeiramente fascinante em assistir o inevitável se desenrolar na nossa frente, especialmente em histórias que envolvem golpistas, uma espécie de fixação coletiva natural. Parasita, novo filme do fantástico Bong Joon-ho, reúne esses dois elementos.

Co-escrito com Han Jin-won, o filme segue duas famílias que vivem na atual Coréia do Sul com vidas completamente opostas, apesar de compartilhar os mesmos anseios. De um lado estão os Park, imagem da jovem família rica que todo mundo sonha em ser. Para eles, todos os problemas podem ser resolvidos com dinheiro e a família mantêm uma enorme dependência de empregados ao redor. Do outro estão os Kim, família pobre que sobrevive em um úmido apartamento de subsolo. Roubando Wi-Fi dos vizinhos e se “beneficiando” do exterminador de insetos usado nas ruas, os Kim dobram caixas de pizza para ganhar um valor irrisório para sobreviver.

Acostumados com sua condição, os Kim enfrentam as dificuldades de forma surpreendentemente leve, encontrando bom humor nas situações ruins e se incomodando com pequenos eventos desagradáveis, como um bêbado que sempre urina na janela do apartamento. Assim como boa parte das famílias pobres, eles se ajustam às situações e ao que surge pelo caminho. Já os Park, veem qualquer sinal de problema como um alerta vermelho que deve ser resolvido o quanto antes.

Quando um amigo bem relacionado do filho dos Kim aparece com uma oportunidade para ele ser tutor de inglês da filha adolescente dos Park, Ki-woo muda seu nome para Kevin, cria uma formação estudantil falsa e começa a trabalhar para essa família. Sem os Park desconfiarem, Ki-woo cria um plano para que seus pais e sua irmã ocupem todos os cargos disponíveis na casa — uma tarefa nada fácil, porque envolve esconder suas relações, falsificar diplomas e experiências profissionais.

Ah, e claro, se livrar dos empregados atuais.

Não se deixe enganar pela premissa simples, porque Parasita é muito mais complexo e cheio de camadas do que a história de uma família enganando a outra. O filme reúne muitos elementos que podem categorizar a história em diferentes gêneros – desde longas de assalto, um thriller e até uma comédia absurda -, mas sintetiza uma temática bastante comum no nosso dia-a-dia: o ressentimento que surge a partir da disparidade social.

Bong constrói esse mundo de drásticas divisões de classe de um jeito chocante que não está presente apenas na história, mas em todos os detalhes, como enormes muros que separam a família rica de qualquer pessoa que não esteja em sua mesma classe social. Por mais que alguns membros dos Kim até se sintam como parte da família Park, eles nunca serão realmente incluídos, como a demissão de uma funcionária que trabalha na casa há anos prova. Essa óbvia divisão entre as famílias colabora para que os Kim explorem sem peso na consciência essa lenta ascensão a partir da miséria.

Inegavelmente, existe um certo prazer em ver pessoas ricas sendo enganadas em uma mentira muito bem elaborada. Só que Parasita não é Oito Mulheres e um Segredo e é muito consciente ao nos mostrar que a desigualdade social não acabará se todos nós simplesmente passarmos a perna um nos outros. Que sociedade prospera dessa forma? Nenhuma. Em algum momento, a punição surgirá. Quando parece que as escolhas dos Kim não terão consequência, a antiga governanta retorna afirmando que esqueceu algo dentro da casa e Bong muda bruscamente sua direção.

A partir daí, tudo desanda. Alfred Hitchcock dizia que “não há antecipação em um tiro ou em um golpe, mas há antecipação de um tiro ou de um golpe”. É exatamente essa antecipação que Bong consegue criar em sua história, porque sabemos que essa farsa toda será revelada em algum momento, então só assistimos atônitos ao desastre começar a acontecer bem diante de nós.

Em Parasita, o diretor está mais interessado em mostrar como esse sistema de classes funciona do que analisar a escolha consciente dos personagens em explorar outras pessoas. Não espere um estudo sobre moralidade, porque o importante é exclusivamente sobreviver independente da forma. Mais relevante que a moralidade dos personagens é mostrar como a estrutura de uma sociedade desigual gera pessoas se aproveitando umas das outras e, principalmente, pessoas pobres atropelando outras pessoas pobres para conseguir “subir na vida”. Enquanto a classe trabalhadora se mata para conseguir pequenas vitórias, os ricos pouco sofrem e ainda esperam que seus funcionários vejam suas ações com benevolência.

Uma das melhores e mais simbólicas sequências mostra pai e filhos da família Kim descendo as escadarias da cidade durante uma chuva torrencial. É como se descessem as escadas para o próprio inferno e a vida dos Kim nunca mais será a mesma depois dos acontecimentos desse dia. Ao colocar uma família rica no alto de uma colina e uma família pobre em um porão, Parasita é bastante literal sobre a mensagem que quer transmitir e, até por isso, essa mensagem parece tão ensurdecedora.