Atmosfera carregada, clima tétrico, viagens no tempo e mistérios que causam desgraçamento mental permeiam a nova série do Netflix
Desde que o primeiro trailer da série Dark, produção original do Netflix, foi apresentado no final do ano passado, a galera correu pra dizer que se tratava de um “Stranger Things alemão”, devido à trama centrada em um estranho desaparecimento de um jovem em uma cidadezinha erma e que envolve adolescentes, investigações e experiências relacionadas a uma usina nuclear, tudo envolto numa atmosfera estranha de mistério. Comparação fácil e meio preguiçosa até, especialmente porque Stranger Things é meio um milhão de outras coisas, inclusive It – A Coisa, que já tratava de desaparecimento de jovens em cidadezinhas envolvendo adolescentes muitos anos antes. ;)
Mas agora que a produção alemã criada pelo suíço Baran bo Dar finalmente estreou no serviço de streaming, mesmo que ainda haja comparações pertinentes à obra televisiva dos irmãos Duffer, elas terminam na página dois. Dark trata os acontecimentos de uma forma muito mais adulta, sinistra, sóbria, climática e tem todo um pé na ficção científica graças a uma intrincada e inesperada história de viagem no tempo e conceitos repletos de física quântica, teoria do caos, dobras no espaço-tempo, buracos de minhoca e a ponte de Einstein-Rosen, em ritmo de filosofia de botequim.
Podemos dizer aqui que se trata de uma das melhores séries do ano. Não só pela história, ao melhor estilo mindfuck, mas também por todo o clima soturno que permeia a desoladora Winden, uma pequena cidade chuvosa ladeada por uma floresta temperada e que tem aquela caverna misteriosa, ambiente dos mais propícios para a escalada de acontecimentos enigmáticos que vão se estabelecendo em uma narrativa que vai lembrar os melhores momentos das teorias e ELUCUBRAÇÕES de Lost, com um tantinho do deslocamento temporal a la Fringe e aquele sentimento etéreo que remete aos melhores momentos de Twin Peaks.
Além da concisa atuação dos atores e da excelente construção dos personagens seguindo três linhas de tempo, outros dois fatores são importantíssimos para a criação da tensa atmosfera: a direção de fotografia LÚGUBRE, escura e nublada de Nikolaus Summerer, e a excelente trilha sonora grave, cavernosa, hipnótica e monocórdia de Ben Frost, daquelas capaz de arrepiar os pelos da nuca.
Dark é um dos melhores produtos audiovisuais deste 2017 que entra em sua reta final, ajudando a companhia de Los Gatos a superar um sem número de produções originais sem brilho que tem lançado em seu catálogo ultimamente.
Não, não tem o mesmo punch para se tornar um fenômeno como Stranger Things, até pelo fato de ter um clima beeeem mais pesado, uma narrativa arrastada que vai sendo construída num processo de slow burning e, principalmente, ser falada em alemão – o que já afasta de cara aqueles que preferem uma obra mais mainstream ou odeiam legendas, como os próprios americanos.
Em contrapartida, uma produção europeia longe do SIMULACRO dos anos 80 dos subúrbios americanos que estamos tão acostumados traz uma visão cultural bastante diferente da década que nunca morreu em um país que vivia dividido em dois, com costumes bem diferentes e trazendo à tona toda a discussão que permeou a Alemanha naqueles tempos sobre usinas nucleares e todo um movimento anti-energia atômica, principalmente pós-desastre de Chernobyl.
Situar-se no Velho Continente também trouxe um ótimo frescor para a trilha que, apesar de clássicos como Tears for Fears, A Flock of Seagulls e Dead or Alive, também traz grandes músicas pop do país teutônico, como Nena.
Ao tentar construir uma trama tão engenhosa e trabalhar as consequências dos paradoxos da viagem no tempo, porém, Dark acaba se perdendo um tanto no roteiro e dando algumas boas derrapadas — tipo o fato da polícia não realizar sequer um teste de DNA no corpo do garoto encontrado morto com os olhos queimados e tímpanos estourados logo no final do primeiro episódio, ou mesmo algumas outras questões relacionadas às idas e vindas temporais e como personagens não se lembram de certos rostos ou eventos de seus próprios passados.
O último episódio funciona como aquele bom e velho mobral, com todo um SOLILÓQUIO de explicações didáticas para tentar linkar toda a trama e situar o espectador, fornecendo algumas respostas ao camarada que ficou deveras intrigado e preso nos nove episódios anteriores quase sem piscar. Mas a reta final ainda deixa diversas pontas soltas, perguntas em aberto, inclusive sobre alguns personagens – como o nefasto padre/ pastor Noah, que confere ares sobrenaturais ao enredo – e um cliffhanger que dá pano para manga em uma iminente próxima temporada.
Enfim, Dark já está dando o que falar. Tem todo potencial de se tornar cult por seus próprios méritos... Porque é assim que tem que ser.