A estranha relação entre RoboCop e Frank Miller | JUDAO.com.br

Ou: “como um dos mais badalados nomes dos quadrinhos teve uma estreia miserável no cinema”

Muitos antes de se tornar o homem que fez o tenebroso O Cavaleiro das Trevas 2 ou bobagens como Holy Terror – e, principalmente, muito antes de ser o responsável pela atrocidade conhecida como The Spirit – O Filme – o norte-americano Frank Miller era o queridinho da indústria das HQs. Nos anos 80, sua popularidade explodiu quando se tornou desenhista do título do Demolidor e, depois, na DC, fez o crossover de samurai + ficção científica que atende pelo nome de Ronin. Eis que, em 1986, ele foi responsável pelo título que, ao lado de Watchmen, foi divisor de águas dos quadrinhos de super-heróis: O Cavaleiro das Trevas. Com sua festejada reinvenção do Batman, Miller se tornou superstar. Sua linguagem sarcástica, seu humor negro e sua forma invoadora de contar uma história em grande parte por meio das telas de TV de uma sociedade futurista distópica influenciou muita gente dali pra frente – incluindo um certo filme chamado RoboCop, de 1987.

Era de se esperar, portanto, que o produtor Jon Davison pensasse exatamente em Miller para ser o roteirista da continuação, RoboCop 2. O escritor, obviamente, ficou encantado. Seria a sua chance de entrar na indústria de Hollywood, um sonho antigo. Tá certo, ele tinha lá sua loucura de tornar-se diretor – mas levar uma história que, originalmente, tinha levado muito de sua própria obra pra telona poderia ser um grande começo. Mal sabia ele que, diferente do que acontecia com suas histórias em quadrinhos, em especial as autorais, tinha pouco controle sobre o resultado final – e o que aconteceria com sua obra depois.

“Eu realmente achei que poderia controlar aquela coisa”, afirmou Miller, muito tempo depois, em entrevista para o AV Club. Miller escreveu rascunho atrás de rascunho daquele roteiro, alguns deles já em pleno set de filmagens, depois que os trabalhos já tinham começado. “Tinha muitas mãos se metendo naquilo, conforme o tempo ia passando. Percebi que eu era só um cara contratado para fazer meu trabalho. Para manter minha sanidade, percebi que o que eu realmente possuía e controlava eram os meus quadrinhos”.

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RoboCop 2: uma história “infilmável”

[/one-half][one-half last=”true”]Com direção de ninguém menos do que Irvin Kershner, diretor do clássico O Império Contra-Ataca, o segundo filme de RoboCop esteve longe, mas muito longe, da recepção calorosa do segundo filme da franquia Star Wars. Na verdade, a crítica foi impiedosa. E Miller também. Afinal, segundo ele, seu roteiro original foi bombardeado por notas e notas de executivos dizendo que aquela história seria “infilmável”, repleta de um humor soturno e doses cavalares de violência. A realidade o atingiu duramente.

O filme começou a ser rodado com um roteiro que se parecia, segundo ele, quase nada com o que ele escreveu originalmente. E, mesmo assim, quando seu trabalho como roteirista se encerrou, Miller continuou a frequentar o set de filmagem, ávido por aprender sobre o processo cinematográfico do começo ao fim, fazendo até uma participação especial. Mas seu roteiro original se tornou uma espécie de “lenda urbana” entre os fãs do trabalho de Frank Miller.[/one-half]

O RoboCop do Frank Miller finalmente ganhou o mundo...

O RoboCop do Frank Miller finalmente ganhou o mundo...

Os fanáticos teriam a chance de matar a curiosidade em 2003, depois que a editora de quadrinhos Avatar Press adquiriu os direitos de adaptação do RoboCop. Não demoraria até que alguém ligasse para o Miller e lhe oferecesse a chance de mostrar a sua história original, sem censura. O escritor curtiu a ideia mas estava com a agenda apertada demais para cuidar pessoalmente do roteiro e do desenho – então, apesar de supervisionar o projeto, ele deixou a tarefa de escrevê-lo a cargo de Steven Grant que, vejam só, tinha sido responsável pela adaptação para os quadrinhos de RoboCop 3 (já vamos falar sobre ele, prometo).

A minissérie original, em nove volumes, não tem o traficante Cain, a droga Nuke e nem a monstruosidade robótica final – pelo menos não da forma que a vimos na versão final. Em seu lugar, tínhamos um time de operações especiais liderado por um perigoso homenzinho de nome Seltz e seu companheiro, Kong, que sofre uma transformação que o transforma num ser monstruoso (viu?) que mistura elementos cibernéticos e orgânicos, e tem um arsenal quase infinito. Em resumo: sequências alucinantes de ação que seriam quase impossíveis de filmar nos idos de 1990.

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RoboCop 3: outra decepção

RoboCop 3[/one-half][one-half last=”true”]Ah, mas você pensa que acabou? Tá enganado. Vamos voltar um pouco no passado. Em 1993, Frank Miller voltou para Hollywood. Sim, ele voltou a trabalhar com o RoboCop. Mesmo depois do fiasco que foi a sua relação com o mundo do cinema, ele topou cuidar do roteiro de RoboCop 3. Empolgado por tentar causar uma boa impressão em um mercado que o interessava bastante, Miller recuperou conceitos que adorava em seu roteiro original de RoboCop 2 e foi em frente. Mas parece que tem gente que não aprende mesmo, né? É, isso mesmo, você adivinhou, mudaram o roteiro dele de novo. E, segundo o autor, desta vez foi muito mais do que da primeira vez. Tanto é que, nos créditos, Miller consta como co-autor, ao lado de Fred Dekker. Se levarmos em consideração como RoboCop 3 é ruim, consideravelmente pior do que o segundo (que está bem longe de ser sensacional, embora tenha um ou outro momento divertido), talvez Miller tenha razão, afinal.

Ano passado, a Boom Studios! ganhou os direitos para levar o policial do futuro para as HQs, depois de uma passagem pela editora Dynamite e, claro, logo alguém lembrou do Frank Miller. Surgia aí RoboCop Last Stand, um projeto novamente supervisionado por ele, mas adaptado por seu parceiro Steven Grant. A minissérie é uma obra que se propõe a adaptar para outro meio o roteiro original, sem censura (AGAIN!), de RoboCop 3. O tema pode até parecer similar, com os oficiais da OCP (e o Ed-209) tomando as ruas e transformando os cidadãos de Detroit em reféns da violência. Mas a força policial, que sofreu uma debandada, tem sua esperança concentrada apenas no RoboCop, a última esperança da cidade. Esqueça as piadinhas infames, os coadjuvantes dispensáveis, os ninjas, o Robocop voando por aí...[/one-half]

RoboCop Last Stand

O fato é que a experiência manteria Frank Miller afastado de Hollywood até 2005, quando enfim ganhou a chance de co-dirigir Sin City, adaptação de sua obra, ao lado de Robert Rodriguez. O mais irônico é que, diz a lenda, Miller teria tirado a inspiração para Sin City justamente do tempo que passou em Los Angeles, trabalhando nos roteiros de RoboCop.

Logo viria 300, outra bem-sucedida adaptação de seu trabalho. Nesta época, quando questionado sobre suas experiências anteriores com o homem-robô, Miller foi taxativo: “Trabalhando com os dois filmes, aprendi a mesmo lição. Não seja o roteirista. O diretor tem o poder. O roteiro é um hidrante e tem uma fila de cachorros no quarteirão esperando por ele”. Por isso ele decidiu cuidar de Sin City ao lado de Rodriguez – e fez bem, temos que admitir. E por isso resolveu dirigir sozinho a adaptação da obra super-heroística de seu mestre Will Eisner, The Spirit. E fez mal, muito mal. Levando este último filme em consideração, caro Frank Miller, a gente acha que você devia ter continuado como roteirista mesmo.

Frank Miller, então com 32 anos, ao lado de metade do RoboCop

Frank Miller, então com 32 anos, ao lado de metade do RoboCop