Enquanto Elton John literalmente se desmonta em sua cinebiografia, será difícil você não sair do cinema levitando.
Rocketman começa com Elton John avançando por um corredor vestido com um macacão laranja com enormes asas e chifres brilhosos. Enquanto você espera que ele esteja se preparando para entrar no palco para algum dos incríveis megashows da sua carreira, o protagonista entra em uma simples sala, onde um grupo, daqueles de qualquer-coisa-anônimos, se reúne. A partir daí, Elton Hercules John relata sua ascensão impressionante e seu quase fim, após o vício em drogas, álcool, sexo e compras, além de problemas de raiva e bulimia.
E ele literalmente se desmonta para reconhecer seus problemas e erros.
Dirigido por Dexter Fletcher, Rocketman acompanha a impressionante jornada de transformação do tímido pianista prodígio Reginald Dwight em um superstar internacional chamado Elton John. Mas o filme não é apenas sobre a carreira de um dos melhores músicos que já passaram por esse planeta, mas a história de um homem que não consegue ser quem quer ser.
O roteirista Lee Hall envolve o espectador na história de John desde sua infância, mas essa introdução ao seu passado é importante para entendermos a origem dos seus problemas. Desde a infância de Reginald – nome de batismo do cantor, você se torna imediatamente ligado à ele, principalmente quando vimos suas relações familiares conturbadas, como uma mãe egoísta e um pai emocionalmente distante. Esse abuso verbal e emocional constante se estendeu por sua vida adulta e afetou seus relacionamentos com seus parceiros, mas principalmente com a imagem que ele tinha de si mesmo.
Enquanto Bohemian Rhapsody obscureceu a sexualidade do protagonista e passou imagens controversas, Rocketman usa a sexualidade de John como um arco importante da história. Esse é o primeiro longa da Paramount com uma cena de sexo gay, o que não aconteceu sem luta, já que os produtores (o próprio Elton John incluído) tiveram que brigar para que a cena fosse incluída. A sexualidade de John nunca é usada apenas para alavancar sua história, mas é a principal base para passar uma mensagem maravilhosa sobre auto aceitação e limites pessoais.
Em Rocketman, Elton John exorciza seu passado e as pessoas que o machucaram constantemente, além das feridas emocionais – e físicas, porque não – que ele fez em si mesmo. É nessas que ele percebe que “desculpe” talvez seja a palavra mais difícil.
Cada fase da vida conturbada e fascinante de John é pontuada por diferentes sequências musicais, e Fletcher soube introduzir cada canção em um contexto importante para a narrativa. Não espere um musical com canções aleatórias à torto e à direito, prontinhas pra você cantar junto. A própria música de Elton John conta a história de Elton John de uma maneira que nenhum roteiro simples poderia.
E como essas sequências são impressionantes. Existem princípios de musicais clássicos em cada uma delas, além de elementos de fantasia que dão ainda mais vida à história – repare que a cada virada significativa, o filme entra em câmera lenta. Diferente de muitas cinebiografias, Rocketman não corre para chegar em pontos conhecidos da carreira do músico, preferindo contar algo narrativamente significativo e criar um arco bem pensado com uma estrutura não linear pautada pelas sequências musicais.
Mas além de focar no próprio John, a história mostra como a relação com Bernie Taupin foi fundamental não apenas para seu crescimento como músico, mas como o primeiro exemplo de amor e parceria da vida. A amizade mostrada é absolutamente linda e o amor entre os dois é palpável, modificando bastante a forma como via cada música feita pelos dois. Além das linhas do roteiro, a química entre Egerton e Jamie Bell é fundamental para acreditarmos nessa parceria além da vida profissional.
Mas tudo isso foi possível graças à atuação de Taron Egerton, que parece ter nascido para esse papel. Se Rami Malek conseguiu um Oscar fazendo uma imitação rasa de Freddie Mercury com uma dentadura que quase tinha vida própria, Egerton merece um Oscar para cada óculos usado nesse filme. Não fazendo uma simples interpretação de Elton John, o ator usou todas as habilidade vocais e incorporou o cantor, mostrando uma variedade impressionante de talentos ao capturar alguém com tantas camadas. Trabalhando diretamente com Elton John, o Egerton absorveu todas as características e maneirismos necessários para que essa interpretação não fosse uma mera semelhança física ou visual.
Enquanto se despede oficialmente dos palcos, Elton John literalmente se desmonta em sua cinebiografia e, assim como os espectadores no Troubadour, será difícil você não sair do cinema levitando.