Ryan Coogler: a garra por trás de Creed e do Pantera Negra | JUDAO.com.br

Um perfil do diretor que fez um filme do Rocky que não é do Rocky e que agora ganhou a missão de levar o defensor de Wakanda aos cinemas em seu filme-solo

Ouve-se tanto sobre quem deveria/iria dirigir o filme do Pantera Negra há tanto tempo que até parece que a escolha demorou pra ser feita.

Em algum ponto, F. Gary Gray, de Straight Outta Compton e do VINDOURO Velozes e Furiosos 8, esteve cogitado. Em um ponto mais ou menos concorrente, Ava DuVernay esteve praticamente certa, mas passou o trabalho depois de perceber que, além de precisar ficar 3 anos “presa” com um único filme, “não seria exatamente um filme da Ava DuVernay”, afirmou, em entrevista ao Hollywood Reporter. Isso ou ela andou conversando com Joss Whedon...

Aí estreou Creed: Nascido para Lutar. Uma boa história, profunda, com estilo e envolvendo um grande BASTIÃO da cultura pop. É quase como se o responsável por aquele filme, Ryan Coogler, fosse perfeito pra contar a história do nobre monarca e guerreiro de Wakanda. Quase?

Completando exatos 30 anos no próximo mês de maio, Ryan Kyle Coogler nasceu na cidade californiana de Oakland, onde morou até os oito anos de idade, quando então se mudou para Richmond. Filho de Joselyn, organizadora de serviços para a comunidade, e Ira, conselheiro de liberdade condicional para condenados juvenis, sempre foi bom em matemática e ciências, mas sua vida no ensino superior começou no Saint Mary’s College of California graças a uma bolsa de estudos obtida por conta de suas habilidades no campo de futebol americano. Obrigado a participar de uma aula de escrita criativa, recebeu a missão de escrever sobre uma experiência pessoal – e discorreu sobre como, em certa ocasião, seu pai quase morreu em seus braços.

Chamado na sala da professora de inglês, recebeu, na lata, a pergunta: “o que você quer fazer da sua vida?”. Mas Ryan já tinha a resposta na ponta da língua: “jogar bola, me tornar médico e me transformar em uma influência positiva para a comunidade”. Em entrevista para a revista Filmmaker, o diretor se recorda de ter ouvido a senhora respondendo que achava que ele deveria ser roteirista. “Você vai poder atingir mais gente”. Primeiro, ele achou que ela estava maluca. Mas depois passou a considerar a opção seriamente. “Eu estava sempre criando histórias, talvez tivesse alguma coisa ali para a minha vida”.

Depois que o programa de incentivo esportivo da Saint Mary foi cancelado, acabou transferindo-se para a Sacramento State, onde conseguiu mais uma bolsa, se formou em finanças mas aproveitou a chance para participar da maior quantidade de aulas relativas a filmes que conseguiu, sem deixar de lado a dura vida de treinos do futebol. Seguindo o conselho de um professor, foi dar uma olhada nos cursos da USC School of Cinematic Arts. “Era isso ou ser um wide receiver profissional. Eu era baixinho, minhas perspectivas no esporte não eram lá muito boas, então resolvi arriscar e partir para Los Angeles”.

Vivendo dentro de um carro durante todo o primeiro semestre, Coogler rodou uma série de curtas, como Fig, que chegou a ser exibido no circuito de festivais e é a história de uma prostituta tentando viver a vida e sustentar a filha. “Passei o Natal na rua e coletei um monte de histórias. Nunca quero me afastar da verdade”. Mantendo um emprego diurno como conselheiro juvenil em São Francisco, exatamente como o pai, começou a escrever o roteiro de Fruitvale Station, seu primeiro longa-metragem.

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A trama do filme fala sobre as últimas 24 horas de Oscar Grant, um jovem negro que estava desarmado e foi assassinado covardemente por um policial na estação de trem Fruitvale, em Oakland, nas primeiras horas do ano novo de 2009. Quando Grant foi morto, Coogler ainda era um estudante e imediatamente decidiu que queria contar aquela história. “Eu queria que o público conhecesse este cara, se sentisse ligado a ele”, explicou, em um papo com o The New York Times. “Quando uma situação como esta acontece, não é apenas ler sobre isso no papel, entende? Quando você entende o lado humano da coisa, conhece o cara como ser humano, você então percebe que a vida significa algo”.

Depois de conhecer, por meio de um amigo em comum, o advogado da família Grant, John Burris, o diretor foi pouco a pouco se aproximando de seus parentes e ganhou sua confiança – a ponto de conseguir convencê-los de que poderia fazer aquele filme acontecer de maneira respeitosa. Em 2011, quando Ryan Coogler finalizou o curso, a produtora de Forest Whitaker estava procurando jovens cineastas para que ele pudesse apoiar. Coogler conheceu a chefe de produção da empresa, teve a chance de mostrar seus projetos e, pouco depois, conseguiu ficar cara a cara com o próprio Forest. Quando o ator viu o que o garoto tinha planejado para Fruitvale Station, decidiu na hora que ia apoiá-lo.

Exibido em Sundance no ano de 2013, Fruitvale Station ganhou não apenas o prêmio do júri para melhor filme dramático produzido nos EUA, mas também levou a estatueta de escolha da audiência. Dali pra que a Weinstein Company resolvesse comprar os direitos de distribuição e levasse a produção para ser exibida na mostra Um Certo Olhar (Un Certain Regard), em Cannes, foi um pulo. E outro pulinho nada complicado para que o primeiro filme da vida de Coogler saísse dali com o prêmio máximo da mostra. A lista de prêmios que Fruitvale Station ganhou, aliás, é imensa. Mas o principal deles, aquele que marcaria a carreira do promissor cineasta a partir dali, foi conseguido antes mesmo deste filme sair do papel: a confiança de Sylvester Stallone.

Ryan Coogler

Recém-saído da escola de cinema, Ryan botou na cabeça que precisava convencer Stallone a reviver a franquia do Rocky mais uma vez. Ele tinha uma ideia em mente e precisava tentar fazer com que não apenas Rocky Balboa aparecesse, depois do lindíssimo e muito bem amarrado sexto filme, mas que ainda fosse sem lutar. Rocky não seria o personagem principal e não daria um soco sequer. Coogler conheceu um agente da empresa de talentos WME, que adorou o conceito de Creed e levou para o agente de Stallone, Adam Levit. E aí o segundo sujeito também pirou e convenceu Ryan de que valia a pena mostrar aquilo para o próprio Sly. “Ele é um ótimo ouvinte. Ele apenas ouviu. Ele ficou lá, sem falar muito. Ele é carismático e muito diferente dos personagens que a gente o vê interpretar. Temos muito em comum”, contou ele ao Indiewire.

Ambos atletas, ambos roteiristas, ambos vieram de fora da comunidade fechada de Hollywood e tiveram que provar seu talento. Rolou uma conexão. Mas, mesmo assim, levou um tempo até que ele desse o OK e resolvesse embarcar de cabeça no projeto, aprovando cada etapa do caminho enquanto a MGM desenvolvia o roteiro. “Meu pai era um grande fã de Rocky, sabe?”, explica Ryan ao Deadline, lembrando que o pai era um grandalhão que não costumava deixar transparecer os sentimentos. “Eu vinha assistindo a estes filmes da franquia desde que eu me entendo por gente, porque meu pai era obcecado por eles. Ele via Rocky II e chorava – e chorava e se levantava naqueles mesmos momentos, todas as vezes. Conforme fiquei mas velho e virei um atleta, toda vez que rolava um jogo, ele me chamava e falava ‘vem aqui, tira cinco minutos e veja esta cena do Rocky pra se inspirar’. Aí eu via e saia pra jogar”.

Pantera Negra

Depois de Creed, Coogler confirmou o que a boataria vinha dando como certo há meses, desde o ano passado: estava mesmo rolando um papo com a Marvel e ele será o diretor responsável pelo filme do Pantera Negra.

Em uma conversa com Stefan Pape, do HeyUGuys, o diretor mostrou estar empolgadão com o projeto, por mais que estejamos falando de um blockbuster bem maior do que os seus dois filmes anteriores. “Eu cresci no meio da cultura pop, cresci em meio aos quadrinhos. Me sinto sortudo por poder trabalhar com algo em que esteja assim tão apaixonado mais uma vez”.

Antes do anúncio, no entanto, falando com a Variety a respeito de Creed, Ryan foi questionado sobre o quanto a aproximação de um gigante como a Marvel (que já era dada como praticamente certa naquele momento, negasse ele ou não) poderia assustá-lo ou, quem sabe, mudar o estilo que ele acabou de começar a construir. “Acho que é complicado viver hoje neste mundo do entretenimento. É encorajador mas ao mesmo tempo assustador”, confessou, sem medo. “É uma era na qual as coisas se movem tão rápido e de maneira tão dura, com tanto dinheiro em jogo que um artista pode simplesmente se perder”. Ele revela, no entanto, que uma coisa que aprendeu ainda na época da escola de cinema é que os filmes que quer fazer são aqueles que, de alguma forma, sejam extremamente pessoais para ele. “Pessoais ao ponto de que eles sejam quase meus filhos. Não importa o quanto as pessoas achem aquelas crianças bonitas, não vai ser sequer uma fração do quanto eu sou apaixonado por elas”. E ainda completa: “Também botei na cabeça que quero fazer filmes que abordem questões que me deixam acordado durante a noite”.

Com tudo isso que ele disse em mente, sejamos coerentes: não dá pra botar uma fé que a Marvel está sendo honesta ao dizer que encontrou o “diretor perfeito para trazer a história de T’Challa à vida?”. Oh yeah.

Pantera Negra estreia em 16 de Fevereiro de 2018. :)