Salt Lake peita San Diego na briga pelo nome Comic Con | JUDAO.com.br

Enquanto isso, no Brasil, Reed Exhibitions Alcântara Machado se opõe aos registros das marcas da Comic Con Experience e da Santos Comic Con

Parece que os EUA têm a sua própria (e quente) Batalha das Comic Cons. Tudo começou ainda durante a última San Diego Comic-Con, no meio do mês passado, quando os organizadores da Salt Lake Comic Con passearam pelos arredores do Convention Center da SDCC com um carro de som para promover o outro evento. Era o que faltava para a San Diego Comic Convention, organizadora do evento californiano, enviar uma “cease and desist letter” exigindo que o pessoal de Salt Lake abrisse mão do uso do nome “Comic Con” por não haver qualquer tipo de autorização para tal e estarem tentando confundir as pessoas para que acreditassem que os dois eventos eram realizados pela mesma empresa. Se o pedido não fosse acatado, iriam pro pau.

E a Salt Lake Comic Con informou em uma coletiva de imprensa realizada ontem (6) que vai pro pau, sim.

Como você já leu aqui no JUDÃO, a polêmica do uso do nome “Comic Con” é bem grande. Pelos lados da SDCC, os organizadores alegam possuir todos os direitos sobre a marca. “Somos os únicos donos do nome Comic-Con nos Estados Unidos e é a entidade que controla todos os usos de ‘Comic-Con’ e variantes confusas como ‘Comic Con’”, acredita Robert Sayler, da Diretoria de Marketing e Relações Públicas da San Diego Comic-Con, em entrevista ao JUDÃO.

Dois anos antes de San Diego, Birmingham teve a sua 1ª "Comicon"

Dois anos antes de San Diego, Birmingham teve a sua 1ª “Comicon”

Porém, na coletiva, Bryan Brandenburg, co-fundador da SLCC, alegou que “Comic Con” é uma sigla usada no lugar de “Comic Convention” e que é tão genérico quanto “auto show”, “car show” ou “gun show”. “Nós reiteramos que eles tentaram o registro da marca ‘Comic-Con’ antes e foram malsucedidos. Nós fizemos uma boa busca na história do termo ‘Comic Con’ e foi apontado que eles não foram os primeiros da história do país”, explicou Brandenburg, de acordo com o Daily Herald. O executivo também garantiu que o evento de Salt Lake vai começar dentro do previsto, no dia 4 de setembro – acalmando assim palestrantes, patrocinadores, participantes e o público.

Sim, a Salt Lake Comic Con tem um ponto. A SDCC não foi o primeiro evento do gênero nos EUA – os primeiros datam de 1964, 6 anos antes da de San Diego -, fora o fato do registro de “Comic-Con” ter acontecido 35 anos depois do início das atividades da empresa. Por outro lado, é o mais conhecido e acabou por determinar o padrão deste tipo de evento. Outro ponto é que realmente houve a tentativa por parte deles de registrar a marca “Comic Con”, sem hífen, em 1996. O processo correu até 1999 e, nesse período, a organização da Chicago Comicon se opôs ao registro. Em um acordo, a SDCC desistiu da patente de “Comic Con”.

Dessa forma, tecnicamente a briga entre San Diego Comic-Con e a Salt Lake Comic Con já aconteceu há 15 anos – só que envolvendo o outro evento. Daquela vez não houve derrotados, mas a SDCC teve que não só abrir mão do registro sem o hífen, como também concordar com a existência da Chicago Comicon (que atualmente se chama Wizard World Chicago). De lá pra cá a convenção da Califórnia cresceu em tamanho, importância e reconhecimento. Um advogado bem preparado poderia alegar hoje em dia que os organizadores de Utah estão apenas se valendo disso para promover o seu próprio evento.

É bom que se diga que a SLCC não está recuando. Eles, inclusive, não vão esperar a San Diego Comic Convention se mexer: no dia 31 de julho, já no meio da polêmica, entraram com o pedido de registro da marca “Salt Lake Comic Con”. Agora, caberá ao United States Patent and Trademark Office administrar a questão, avaliar quem tem razão e dar ou não o registro para o pessoal de Salt Lake.

Crédito: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br

Crédito: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br

Do lado de cá

Enquanto isso, no Brasil, tem muita gente de olho no resultado dessa confusão. No INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), constam pedidos de registro de Brasil Comic Con (organizada pela Yamato, que acontece em novembro), Comic Con Experience (da Omelete/Chiaroscuro, que rola em dezembro) e Santos Comic Con (agendada para novembro) – todos sem, oficialmente, a autorização da SDCC para usar o nome “Comic Con”, direito que os estadunidenses alegam possuir. Fora isso, a dobradinha Omelete/Chiaroscuro pediu o registro do termo “Comic Con” sozinho, como a própria San Diego Comic-Con fez nos EUA há quase 20 anos – algo que, caso aceito, os daria o direito de controlar o uso do termo no Brasil.

O resultado da disputa nos EUA pode não só dar um norte para os organizadores brasileiros, como também embasar possíveis defesas de seus registros. É que de acordo com advogados consultados pelo JUDÃO, a SDCC teria sim direito sobre as marcas “Comic-Con”, “Comic Con” e outras variantes no Brasil. “Não são registráveis como marca: [...] sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado em território nacional ou em país com o qual o Brasil mantenha acordo ou que assegure reciprocidade de tratamento, se a marca se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia”, diz o artigo 124 da Lei de Propriedade Intelectual brasileira.

Na visão desses advogados, não seria possível então alegar desconhecimento do evento gringo, ou ainda explicar que “Comic Con” é uma simples sigla ou nome de evento. Afinal, nós falamos português – e o uso do termo em inglês é uma clara referência aos eventos no exterior, incluindo aí uma tentativa de “vender a experiência” do que é feito lá fora. Um exemplo prático: por aqui temos “Salões do Automóvel”, e não “Auto Shows”, título desse tipo de evento na língua inglesa.

E por mais que não seja necessário devido à notoriedade internacional do evento, a San Diego Comic Convention já contratou um advogado brasileiro e pediu o registro da marca “Comic-Con”, com hífen, como o JUDÃO adiantou na última semana.

Gibicon, de Curitiba: evento brasileiro que evita o uso de "Comic Con"

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Outra parte que já agiu, independente do que acontecer lá fora, é a Reed Exhibitions Alcântara Machado. Nos EUA a empresa organiza a New York Comic Con e, em 2010, pediu o registro das marcas SP Comic Con e São Paulo Comic Con. Apesar de ainda estar estudando a viabilidade do evento no nosso País (como o JUDÃO confirmou há alguns meses), a empresa entrou durante os últimos dias com pedidos de oposição aos registros da Santos Comic Con e da Comic Con Experience, bem como ao registro da marca “Comic Con” sozinha. Outras oposições podem ter sido feitas, mas ainda não constam no registro do INPI. Estamos em contato com a Alcântara Machado no Brasil para entender melhor o assunto e quando/se a empresa se pronunciar, atualizamos esta matéria.

Talvez (e só talvez) fosse bom todo mundo abandonar esses anglicismos, esse Manifesto Antropofágico tardio, e abraçar essa tal língua que aprendemos na escola, aquela tão bem trabalhada por Camões. Deixaríamos de ter Comic Cons, talvez ganhássemos “Quadrinho Cons” e acabariam as confusões e disputas jurídicas que tiram o foco dos eventos, que é a nossa querida cultura pop. Mas aí entra o comercial e... ¯\_(ツ)_/¯