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Como Jogos Mortais foi de um curta de 5 mil dólares australianos para o Guinness Book como a “franquia de horror de maior sucesso” de todos os tempos

O ano é 2001, o país é a Austrália. Um ano depois de sediar a Olimpíada, a maior ilha da Oceania era residência do malaio James Wan e do australiano Leigh Whannel que, depois de se formarem na faculdade de cinema, queriam porque queriam escrever um filme e obviamente, descolar um financiamento para tirá-lo do papel.

Colocando o TELENCÉFALO altamente desenvolvido para funcionar, a inspiração que eles precisavam veio depois de assistirem à Bruxa de Blair e Pi, de Darren Aronofsky, exatamente por ambos serem produções independente DIY de baixo-orçamento. A ideia era gravar o script com uns (poucos) trocados do próprio bolso, confinando dois atores em uma sala e limitando o cenário a isso. Inicialmente, seria um found footage em que dois personagens estivessem presos em um elevador, todo filmado pelas câmeras de segurança. Foi Wan quem veio com a ideia de dois cabras acorrentados em lados opostos de um banheiro com um sujeito morto no meio da sala, com eles tentando descobrir como diabos foram parar ali e uma forma de escapar.

Pronto. O plot principal de Jogos Mortais estava desenhado, assim como o título em inglês, Saw, que veio logo depois que Whannell conversou com o amigo pelo telefone e escreveu a palavra em vermelho com gotas de sangue pingando em um caderno de anotações. Mas Jigsaw, o mais famoso movie maniac do século XXI, só surgiu meses depois, quando Whannell estava em um trabalho que o deixava mais infeliz que o Seu Madruga e lhe dava enxaquecas constantes.

Convencido que aquilo era um tumor (quem nunca?), ele procurou um neurologista para fazer uma ressonância magnética e, enquanto amargava na sala de espera, já achando que ia morrer e coisa e tal, ficou imaginando como reagiria se recebesse a notícia que passaria dessa para uma melhor dali a pouco tempo. Dessas ELUCUBRAÇÕES mórbidas, surgiu em sua cabeça o personagem, que teria apenas um ou dois anos de vida, e colocaria outras pessoas em uma versão literal da situação, mas trocando os anos por poucos minutos para escolherem seus destinos, passarem a valorizar a vida e se redimirem de seus erros.

Um assassino que, tecnicamente, nunca matou ninguém.

Com míseros 30 mil dólares australianos para gastar com a película, conforme a história foi se desenvolvendo, ficou óbvio para a dupla que eles precisariam de mais bufunfa. O roteiro foi escolhido como opção de um produtor em Sydney por um ano, mas o negócio acabou não rolando e, depois de tentar vender para outros produtores, entre 2001 e 2002, Ken Greeblat, um agente literário local, depois de dar uma analisada no material, perguntou porque eles não iriam para Los Angeles, onde a chance de conseguir um estúdio interessado é muito maior.

A primeira resposta é que eles não tinham nem dinheiro pro filme, muito menos pra viagem, mas chegou um momento que eles se viram sem opção e acabaram convencidos. Whannel então descolou 5 mil dinheiros da terra do Crocodilo Dundee e com a ajuda do Australian Broadcasting Corporation, onde ele e Wan trabalhavam, realizou um curta de nove minutos, gravado em dois dias numa câmera 16mm, focado na cena da armadilha de urso reverso presa na mandíbula — usada pelo próprio diretor/roteirista — para poder mostrar aos figurões em Hollywood qual era a ideia e tentar vender seu peixe.

No começo de 2003, o produtor Gregg Hoffman assistiu ao curta e, de queixo caído, o mostrou para seus sócios, Mark Burg e Oren Koules, da Evolution Entertainment, que mais tarde daria origem à Twisted Pictures, um selo de produção de filmes de terror e responsável por toda a franquia. Dois dias depois, Wan e Whannell receberam uma proposta de 25% dos lucros e mais controle criativo total — um acordo menor, por exemplo, do que havia sido oferecido pela DreamWorks, mas que vinha sem a chance de Wan dirigir e Whannel estrelar.

Por um orçamento de cerca de US$1 Milhão, a sede da produtora foi hipotecada pela segunda vez e, bom, o resto é história. :)

Jogos Mortais foi exibido no Festival de Sundance em 19 de Janeiro de 2004 e logo os direitos mundiais de distribuição foram adquiridos pela Lionsgate, que lançou comercialmente nos cinemas americanos no Halloween daquele mesmo ano – o que se tornaria uma tradição pelos próximos seis Dias das Bruxas seguintes.

O filme faturou 103 milhões de verdinhas, deu o pontapé inicial na “franquia de horror de maior sucesso de todos os tempos” segundo o Guinness Book, com mais de US$733 milhões em bilheterias pelo mundo (isso sem contar o novo filme), ajudou a popularizar o torture porn, principal subgênero do terror da década passada, colocou o Jigsaw de Tobin Bell no hall da fama dos vilões, e credenciou James Wan a dirigir não só Sobrenatural e Invocação do Mal, mas até Velozes e Furiosos 7 (!) e o vindouro filme do Aquaman (!!).

James Wan no set de Jogos Mortais

Como no seu fim de semana de estreia Jogos Mortais arrecadou 18 milhões de dólares, na segunda-feira seguinte os executivos da Twisted Pictures deram o sinal verde para a realização de uma continuação. Mas aí morava um problema: Wan e Whannell já estavam trabalhando para a Universal em seu próximo filme, Gritos Mortais, e não teriam disponibilidade para escrever e dirigir a sequência. Hoffman, Bourg e Koules se perguntaram: what now, Joseph?

Foi aí que o nome do diretor de videoclipes Darren Lynn Bousman entrou na jogada. Ele havia acabado de escrever seu primeiro roteiro, The Desperate, e estava tentando vender para algum estúdio, mas todo mundo achava muuuuuuito parecido com Jogos Mortais. Eventualmente, um estúdio alemão entrou em contato com ele e ofereceu US$1 Milhão para produzir a fita. Na busca por um diretor de fotografia, Bousman conheceu David A. Armstrong, que trabalhara em Jogos Mortais, e sugeriu que ele enviasse o roteiro para Hoffman. O engravatado leu, mostrou para os parças e voilá, perceberam que aquele roteiro era justamente o que precisavam para Jogos Mortais 2.

Prática das mais comuns em Hollywood, essa coisa de reescrever um roteiro guardado na gaveta pra encaixá-lo em uma franquia já existente — dá menos trabalho e gasta-se menos grana com isso — Whannel foi o responsável por dar um novo acabamento ao texto, com alguns inputs de Wan, e ambos embarcaram como produtores executivos do filme, com Bousman incubido de dirigi-lo.

Com um orçamento quase quatro vezes maior que o primeiro, Jogos Mortais 2 tomou os cinemas americanos de assalto no Halloween de 2005, arrecadando US$31 Milhões e batendo o recorde para a Lionsgate, sendo seu maior lançamento e o melhor fim de semana de abertura para uma sequência de horror. As armadilhas de John Kramer completaram sua exibição nos cinemas ao redor do mundo faturando impressionantes US$147 Milhões de dólares.

Com as verdinhas entrando nos cofres, o público jovem sedento pelo torture porn, Tobin Bell recebendo até indicação para o prêmio de “Melhor Vilão” no MTV Movie Awards (perdendo para o Anakin / Darth Vader de Hayden Christensen em Episódio III) e a escalada de violência crescendo com armadilhas cada vez mais estrambólicas, obviamente uma nova continuação seria produzida. Só que Gregg Hoffman, infelizmente, faleceu em dezembro daquele ano.

Tanto Wan e Whannell quanto Bousman recusaram a proposta de voltar a Jogos Mortais 3. Mas, tendo em vista de que o filme seria feito com ou sem eles, os criadores originais escreveram o roteiro da terceira parte, a fim de dar uma visão menos clínica e maquiavélica para John Kramer e humanizar o personagem, fechando o arco e conectando as pontas soltas dos dois primeiros filmes. Bousman topou dirigí-lo, e o consenso entre ambos era que esse último filme não teria um twist ending – marca registrada da série – e fosse uma homenagem a Hoffman.

Jogos Mortais III foi um ARRASA-QUARTEIRÃO, quebrando de novo recordes de bilheteria para a Lionsgat, garantindo o título de maior abertura em um Halloween pelos próximos seis anos, só perdendo o posto para Gato de Botas (!!!???). A sequência, com orçamento de US$10 milhões, foi a que mais arrecadou de toda a série e embrulhou o estômago de muita gente com a cena dos porcos sendo jogados no triturador e a cirurgia cerebral de Kramer com uma furadeira, embolsando US$164 milhões de dólares no mundo todo.

A morte de Jigsaw fechou uma trilogia redonda e de alto nível, exatamente no banheiro onde tudo começou. Mas até parece que com esse caminhão de dinheiro entrando, a Lionsgate e a Twisted Pictures iriam largar o osso, né?

Como de praxe nas cinesséries de terror, daí para frente foi ladeira abaixo. Com Kramer morto, coube ao Detetive Mark Hoffman, interpretado por um Costas Mandylor de carisma zero, que parece ter saído da Escola de Atuação do Cigano Igor, manter vivo o seu legado em filmes com roteiros cada vez mais embananados, cheio de plot twists, enfiando novos personagens, narrativa não linear repleta de flashbacks para que Tobin Bell pudesse continuar aparecendo em todas as películas, armadilhas impossibilitadas de qualquer credibilidade e a direção cada vez mais videoclíptica de edição frenética indo parar nas mãos de qualquer um.

Obviamente, com a queda de qualidade gritante e roteiros cada vez mais fracos, recauchutados e repetitivos, dando ênfase somente para a violência gráfica, o público também foi ficando de saco cheio, gradativamente se afastando das salas de cinema, conforme o próprio torture porn perdia sua força. Jogos Mortais 4 ainda faturou US$139 milhões em bilheterias (terceira maior), mas caiu para US$113 milhões no quinto filme, chegando ao fundo do poço com o abominável Jogos Mortais 6, que faturou apenas US$68 milhões, enterrando de vez a série, que anunciou para o Halloween de 2010 o último capítulo da saga, Jogos Mortais: O Final, lançado em 3D, que até deu uma recuperada no fôlego, com faturou 136 milhões de dólares em bilheterias. Mas, sendo mais um filme qualquer nota, acabou encerrando a história de forma deprimente.

Quer dizer, encerrando pero no mucho, já que temos aí, depois de sete anos de hiato, a estreia de Jogos Mortais: Jigsaw, que até a publicação deste texto, havia faturado mais de 90 milhões no mundo todo.

Uma das principais frases de Jogos Mortais, proferidas com a voz rouca de Tobin Bell é “faça a sua escolha”. Exatamente o que fizeram James Wan e Leigh Whannel quando meteram o louco e compraram aquelas passagens para os Estados Unidos. A escolha da vida!