A (segunda) experiência de uma Comic Con | JUDAO.com.br

CCXP acontece pela segunda vez, se consolida no cenário nacional e aprende com alguns erros do ano anterior – mas tem muita, MUITA coisa pra ser resolvida

Final da tarde do sábado de Comic Con Experience. Estou a caminho do transporte, andando aproximadamente 1km da porta de saída até os ônibus do traslado para o Metrô. Passando por um grupo de amigos, ouço: “Agora precisamos ir pra San Diego”. “Não, magina. Deve ser cinco vezes mais loucura”.

Nesse segundo ano de Comic Con Experience, o evento melhorou em diversas áreas – muitas das quais apontamos aqui no JUDÃO como “PRECISA MELHORAR” na avaliação final do ano passado. Em outras, falhas se repetiram. E o público ficou mais exigente. Não era difícil ouvir comentários mais comedidos, como esse de cima, ou gente reclamando das filas, da quantidade de pessoas, da caminhada e tudo mais. O pior: o argumento de que “já passei tantas horas na fila em San Diego, isso é comic con” não cola mais como antes. Até porque, se tem algo que acontece lá na Califórnia que não é legal, não deveria se repetir por aqui. Mas o RAIO GOURMETIZADOR atinge até sofrimento, hoje em dia.

O San Diego Convention Center, no qual rola a SDCC, recebe anualmente mais de 130 mil pessoas em seus quatro dias de eventos (mais a Preview Night) numa área de 240 mil metros quadrados – fora outros 12 espaços espalhados pela cidade que recebem algumas atrações oficialmente. Números oficiais não saíram até o fechamento desta matéria, mas a organização da CCXP estimava antes do início que seriam 120 mil pessoas na edição de 2015. Numa área de 40 mil metros quadrados.

Ser grande e ser de fato uma “experiência” das grandes não deve ficar só no número de pessoas, mas também nas atrações e no tamanho do espaço.

Tudo, assim, fica subdimensionado. O resultado são as enormes filas para fazer qualquer coisa, desde conseguir um autografo de autor famoso no Artists’ Alley (ouvimos relatos de gente esperando 3 horas na fila pro Mark Waid, por exemplo) ou até mesmo para as atrações de alguns estandes. A situação ficou, pra mim, mais surreal quando resolvi sentar no chão, ao lado do auditório principal da convenção, pra dar uma descansada. Havia muita gente sentada por ali, um ao lado do outro, quando uma senhora com a filha veio falar comigo. “Essa fila é pra quê?”. Pra elas — e pra muita gente — aquela era a Line Experience, que até nos poucos bebedouros se repetia.

É preciso botar os pingos nos is nessa história de que “Comic Con é fila”. Hall H passou a ser fila a partir de 2009, com a presença do elenco de Crepúsculo. É lá, no auditório principal de San Diego e onde rolam os painéis dos grandes filmes, que rolam aquelas filas nas quais a galera dorme e acha legal pra caralho dizer que faz. Agora, se você não quiser se prestar a isso, não ligar de perder o primeiro ou segundo painéis do dia e chegar relativamente cedo, dá pra entrar sem dormir na fila, sim. O fenômeno se repete, algumas vezes até pior, no Ballroom 20, o segundo maior do evento.

Agora, pro resto dos auditórios, é tudo mais ou menos sossegado. Dá pra montar uma programação com diversas salas, passar algum certo tempo em filas e conseguir entrar em (quase) tudo que você quiser. E se você não entrasse nos maiores, dava pra entrar nos menores...

Das pequenas às grandes, essas filas são organizadas por um ou vários voluntários lá na SDCC, que se preocupam se elas estão obstruindo uma porta, passagem ou saída de emergência. Em alguns casos, há até CONTROLE DE TRÁFEGO. Na CCXP isso passou longe, com filas intermináveis crescendo organicamente, sem qualquer controle se estavam atrapalhando alguma coisa.

Os estandes, quase todos, investiram em lugar pra descansar :P

Os estandes, quase todos, investiram em lugar pra descansar :P

Ter uma programação rica e paralela também ajuda a dispersar o público, minimizando o problema das filas. Sim, a organização da CCXP entendeu que precisam de mais painéis nos quais os temas vão além do nome do convidado, mas foram apenas três auditórios com painéis rolando na mesma hora. Se você não conseguisse entrar num deles, a chance dos outros dois serem do seu interesse era bem pequena. Numa SDCC ou NYCC é tanta coisa rolando ao mesmo tempo que não dá pra ficar parado – de qualquer forma, dá também pra fazer uma programação paralela, curtindo cosplayers famosos, atores, produtores e quadrinistas que ficam passeando tranquilamente pelo evento, ou distribuindo autógrafos e fotos.

Também teve muita gente reclamando do auditório principal. Neste ano, rolou um patrocínio e o espaço não só ganhou mais lugares (foram 2500), mas também uma disposição “stadium” e uma lanchonete no padrão da rede de cinemas. Ainda assim, obviamente muita gente teve que enfrentar filas enormes pra entrar ou pra NÃO conseguir entrar. “Tinha que ter reserva de painel pela internet antes do evento”, cheguei a ouvir de alguém. Hmmm... Não, seria impraticável.

O ápice disso foi o painel do Netflix, que contou com uma rápida aparição de Krysten Ritter e David Tennant pra falar de Jessica Jones. Podemos falar aqui se foi correta ou não a formatação do painel, se essa história de entrevistar convidados (o que não configura, necessariamente, um PAINEL) seja a melhor coisa do mundo, se a interrupção do Q&A foi inesperada (e, pra muitos, ofensiva) ou coisas assim. Porém, há uma coisa que os brasileiros precisam entender: você fica sim 8, 10, 12 horas na fila pra ver o seu astro preferido por apenas 10, 20 minutos — e de uma distância considerável. Lá fora é assim com Henry Cavill, Gal Gadot e Ben Affleck. Aqui, foi com Krysten Ritter e David Tennant.

Isso é uma Comic Con. O pacote completo, e não só um ou dois convidados.

Jessica Jones

A CCXP tem tudo pra resolver o problema de espaço pra 2016. O São Paulo Expo, no qual ocorre a CCXP, está em expansão. São obras que vão agregar mais um pavilhão de 50 mil m² e mais 10 mil m² de Centro de Convenções – que, finalmente, vão fazer o espaço realmente deixar de ser um centro de EXPOSIÇÕES pra se tornar um centro de CONVENÇÕES, como uma comic CON merece. Só que isso, esse ano, causou transtornos ainda maiores agora em 2015.

Pra chegar no pavilhão do evento, por exemplo, era preciso passar por uma passarela de 700 metros que ia ao lado da obra, num piso de lego sobre o terrão que, com o vai e volta do público, foi se soltando. Numa das minhas passagens, cheguei a ver gente tropeçando e quase caindo nos desníveis ou peças soltas. Um acidente ali era bem fácil.

Tudo isso pra chegar ao único acesso para o pavilhão do São Paulo Expo, que também era a única saída — um problema impressionantemente comum em centros de evento no Brasil: são poucos os acessos, numa necessidade de manter o visitante dentro dos espaços e alheio ao resto do universo.

As grandes empresas de entretenimento no Brasil entenderam melhor o que é uma convenção como essas e investiram mais em seus espaços e atrações. Mas um sentimento que surge é o da falta de pensamento no público. Havia, sim, estandes lindos, grandes, mas que rendiam muito pouco ou quase nada a quem visitasse, além de uma foto, um karaokê ou um mergulho numa piscina de bolinhas gigante (?). Pôsteres, camisetas, pins, chaveiros, cordões pra pendurar a credencial (os com a marca do evento eram escassos), opções não faltam.

E nos paineis, bom... Não é como se um vídeo de bastidores fosse a maior atração de Star Wars. Sem contar que, por exemplo, os trailers de Batman VS. Superman e Capitão América: Guerra Civil foram liberados poucos dias antes pra todo o mundo.

É preciso repensar desde a ideia do que é um painel, às estratégias e, principalmente, conteúdo. É muito difícil, pra não dizer impossível, que o Brasil tenha acesso qualquer tipo de exclusividade como acontece em San Diego, por exemplo. Até porque, lá as coisas são UM POUCO diferentes: o mundo inteiro se foca naquele evento, que se torna o único assunto em uma parte enorme da cidade. Toda uma indústria se move para aqueles hoteis e, a partir de lá, muita coisa acontece — e tudo, absolutamente tudo o que se vê e ouve dentro do centro de convenções, é pensando no público e o que esse mesmo público pode trazer de volta.

Uma comic con é correria, sim. Uma loucura. Mas é uma loucura gostosa, daquelas que, no final do dia, faz sentir que tudo valeu a pena — o esforço, o dinheiro gasto. É essa a sensação que os organizadores da CCXP precisam trazer aos brasileiros, sob o risco de, em breve, o público cansar de perguntar “pra que serve essa fila?” e preferir ficar em casa.