Ainda assim, categoria busca acordos de conteúdo com plataformas existentes
Depois de uma galera – que não leu o nosso texto aqui no JUDÃO – comemorar que a Fórmula 1 poderia ter um acordo para a transmissão de provas ao vivo no Netflix em 2018, o diretor de operações comerciais da Liberty Media (que comprou a categoria há um ano), Sean Bratches, aproveitou o sábado do GP dos Estados Unidos, no Texas, para esclarecer o assunto.
Em entrevista para a Autosport, Bratches afirmou que “nós temos a obrigação com nossos fãs, de forma bem clara, de garantir o acesso ao nosso conteúdo de todas as formas possíveis”. No entanto, ele negou que isso incluiria um acordo de transmissão ao vivo com terceiros. “Nosso objetivo é criar uma plataforma na área direta para o consumidor, que engaje os fãs e eleve os nossos ativos – sejam eles corridas ao vivo, arquivo ou informações”.
Traduzindo: a Liberty Media vê a F1 como conteúdo, algo que falamos aqui há um ano, e não como uma mera atração esportiva. Dessa forma, eles estão procurando toda e qualquer forma de vender esse conteúdo para o público final, o que inclui pular os intermediários (ou seja, as redes de TV). “Nós estamos tentando criar conteúdo que viva além do fim de semana de corrida, que tem sido praticamente inexistente no digital ou na mídia linear”, complementou o executivo.
Por “mídia linear”, entenda que ele está se referindo aos canais de televisão mais tradicionais.
Agora parece bem claro o que a Liberty Media quer fazer: uma plataforma de streaming de F1, com corridas, programas, documentários, bastidores, corridas clássicas e conteúdos que mantenham a categoria viva muito além dos atuais 20 GPs anuais.
Na teoria, parece uma mistura de NFL Network com NBA League Pass. O serviço da categoria de BOLA AO CESTO dos EUA está disponível em todo o mundo e traz três pacotes para assistir aos jogos ao vivo – você pode escolher se quer apenas as partidas do seu time do coração, oito jogos por mês ou todas os jogos do campeonato. Esta última opção, mais cara, traz também a NBA TV, um canal com conteúdo 24 horas.
Já a NFL Network é um pouco diferente: é realmente um canal de TV paga nos EUA, e quem assina ganha o direito a uma enorme variedade de conteúdo, que vai de partidas clássicas a produções originais e programas jornalísticos — além, claro, da transmissão dos jogos. Ainda assim, trata-se de um serviço que depende de uma operadora. Por outro lado, a NFL transmitiu jogos do Thursday Night Football via Twitter em 2016, acordo que está com a Amazon Prime Video em 2017.
A questão aqui é se a F1 teria ou não a liberdade de oferecer provas ao vivo em sua plataforma própria de streaming. Afinal, eles possuem contrato de transmissão exclusiva com canais de TV em diversas regiões do mundo – no Brasil é com o Grupo Globo, no Reino Unido é a Sky Sports e nos EUA eles acabaram de assinar com a ESPN, em um acordo que começa justamente em 2018.
A Autosport acredita que a Liberty Media deixaria esses países de fora das transmissões ao vivo em sua plataforma, mas seria arriscado – afinal, são justamente os mercados mais interessantes para eles. Eu chutaria algo diferente: que os atuais acordos NÃO englobam exclusividade em internet e streaming — EXATAMENTE como os da NBA e NFL. A maioria deles foi assinada ainda durante a presidência de Bernie Ecclestone na Formule One Management, e esse cara é bem macaco velho para não garantir algo A MAIS sem cobrar por ele. E, se ele tivesse cobrado, estes mesmos canais estariam transmitindo na internet. O que temos, hoje, é apenas a possibilidade de ver a Globo / SporTV ao vivo (com F1 ou não) no app deles, por exemplo.
“Eu não quero entrar em detalhes de nenhum contrato, mas, em termos gerais, nossa capacidade de explorar o mercado digital virá em acordos que não estão em perspectiva, e não em negócios já existentes”, comentou o executivo, dando a entender que realmente os acordos atuais não englobam a internet. “Não havia um ponto de vista tão forte quanto à exploração do digital nos negócios existentes que foram feitos”.
Vale dizer que, nos EUA, o contrato da categoria com a NBC termina agora em 2017 justamente porque as partes não entraram em acordo sobre a internet e o video on demand.
“Não havia um ponto de vista tão forte quanto à exploração do digital nos negócios existentes que foram feitos”.
Agora, você deve estar se perguntando o motivo de Bratches ter mencionado uma negociação com a Netflix na última quinta (19). É porque eles estão negociando mesmo. “Nosso objetivo é nos envolver com os Netflix do mundo, ou com as Amazons, e criar conteúdos que os fãs podem consumir, o que é atraente e conta diferentes histórias sobre o que está acontecendo na F1”.
Lendo nas entrelinhas: a Liberty Media não sabe o impacto que será lançar um serviço de streaming próprio. Eles podem sofrer boicotes das emissoras, contratos não serem renovados e por aí vai. E, querendo ou não, uma plataforma própria pode conversar apenas com os já iniciados, enquanto uma rede ou plataforma maior tem o potencial de atrair mais público. Com um acordo com Netflix, Amazon ou qualquer outro serviço, é possível produzir um conteúdo que ajude a disseminar a Fórmula 1 – e que, depois, engaje a galera a pagar pelo serviço de streaming da categoria.
Inclusive, o próprio Netflix valoriza essa estratégia das categorias lançarem plataformas próprias. “Esporte online liberta as pessoas para escolher à la carte, sobrando mais dinheiro para gastar com Netflix”, disse o CEO da empresa, Reed Hastings, em uma coletiva com investidores em abril de 2015.
Voltando à ideia de engajar o público, Bratches contou algo interessante: vão acabar com essa de uma transmissão de TV padronizada para boa parte do mundo. Eles vão disponibilizar um sinal diferente para cada mercado, baseado no interesse local, focando nos pilotos e equipes famosos por lá. Tudo baseado nas métricas que colheram nos últimos meses.
Quem diria: de esporte mais QUADRADO na forma como se comporta com os fãs, a F1 pode começar a revolucionar a transmissão esportiva em todo o mundo. Que dê certo.