Série, que tem também o envolvimento do J. Michael Straczynski, é uma jogada mais pé-no-chão da dupla responsável por Matrix, mas não menos ambiciosa
O que vem à sua cabeça quando você lembra dos Wachowskis? Matrix, provavelmente – e, um pouco menos, Speed Racer ou uma série de filmes ambiciosos que não deram lá muito certo, como Cloud Atlas (me recuso a escrever “A Viagem”) e O Destino de Júpiter. Só que os irmãos não desistiram de serem audaciosos, só mudaram um pouco o foco do risco. Afinal, Sense8, primeira série deles que estreia nesta sexta (5), sai do estúdio e da tela verde pra se tornar global.
Sim, global. É que a produção acompanha a vida de oito pessoas, cada uma totalmente diferente da outra e vivendo em cidades completamente diferentes da Terra (Will, de Chicago; Riley, uma islandesa que vive em Londres; Capheus, de Nairobi; Sun, de Seoul; Lito, da Cidade do México; Kala, de Mumbai; Wolfgang, de Berlin; e Nomi, de San Francisco), com cenas gravadas em cada um desses lugares. Todas essas pessoas são “sensates”, e o que as une é, claro, justamente a ficção científica, que não poderia ficar totalmente de fora.
A história começa com Jonas (Naveen Andrews, que você deve conhecer como o Sayid de Lost) tentando salvar Angel (Daryl Hannah) de Mr. Whispers (Terrence Mann), que quer matá-la. Ela acaba morrendo, não antes de ativarem outros oito sensates ao redor no resto do Mundo.
A partir daí, cada um deles começa a sentir o que o outro sente, acessar capacidades do outro, ver pelos olhos do outro... É como se, aos poucos, as oito vidas fossem se tornando uma — o pretexto para a série entrar em cada uma dessas pessoas, conhecer seus medos e problemas, inicialmente dando a ideia de que são oito séries diferentes, mas se conectando e convergindo a um único ponto.
Agora, se uma novela das 21h e um comercial de loja de perfume chocou a família brasileira, imagina se algum membro dela fosse um desses sensates? Lito, por exemplo, é um ator canastrão e popular com as mulheres, mas que vive um relacionamento secreto com... Hernando. Nomi é uma transexual blogueira, hacker e ativista, que namora Amanita, uma mulher. Não ia ser fácil, hein, Malafaia?
Sun é uma lutadora de kickboxing com um relacionamento complicado com o pai, Riley se mete com drogas em Londres, Capheus quer salvar a mãe que sofre com AIDS, Kala não sabe mais se quer casar da forma que exigem os costumes indianos, Brian é um policial atormentado por um crime do passado – e, ao menos nos primeiros episódios, é o mais atormentado pela existência dos sensates.
Nesses primeiros três episódios que pudemos assistir antes da estreia, a história geral pouco evolui. Sim, temos uma introdução sobre o que são os sensates e conhecemos até que bastante de cada um dos protagonistas, mas a interação entre eles (que é o mote da série) vai acontecendo bem devagar. Mr. Whispers e seus capangas, que sabemos que odeiam os sensates, só aparecem mesmo na cena de abertura do primeiro episódio.
Não que isso seja necessariamente ruim – uma série que o pessoal assiste de uma vez só e não semanalmente tem menos obrigação de pegar o público logo de cara do que uma produção para a TV, mas o fato de poder ter visto apenas três episódios e não entrar no big plot para fazer uma análise é algo que incomoda. Talvez haja uma preocupação em abrir logo de cara o lado mais VIAJANTE da série, pra não se confundir com os últimos projetos dos Wachowskis — o que, sinceramente, poderia ser bem perigoso.
Apesar dessa demora para engrenar não ser algo tão bom pra TV (como as cenas de sexo, que vão mais na pegada de TV paga), Sense8 resgata alguns conceitos da velha televisão analógica, que não estão tão presentes em outras produções, como episódios dando espaço para intervalos, se fosse o caso, e fortes cliffhangers nos finais de cada um (que, na TV tradicional, servem pra te fazer voltar na semana seguinte, mas que nos streaming são menos usados simplesmente porque o próximo episódio começa em 15 segundos).
Isso soa ainda mais curioso quando lembro que essa é a primeira série de Andy e Lana Wachowski, que, até agora, tinham se aventurado apenas em filmes e games. Por outro lado, eles se envolveram com um cara mais experiente nisso: o produtor executivo J. Michael Straczynski, que você deve conhecer mais pela passagem dos gibis do Homem-Aranha, mas que criou Babylon 5 e se envolveu em diversas outras séries de televisão, indo de He-Man a Jeremiah, a última antes de Sense8.
Sense8 tem toda uma MISTUREBA de pessoas, conceitos e histórias que tem tudo pra empolgar até o 12º episódio – desde que os Wachowskis e Straczynski não se percam muito contando as oito histórias paralelas e deixem de lado o big plot dos sensates, ou que justamente esse plot não se mostre muito mais além do que a série parece comportar. Tipo, sei lá, envolvendo ALIENS ou coisa assim.
Afinal, Andy, Lana e Joe, se a ideia é viajar pela Terra, curtam essa viagem. Deixem o espaço para o passado – ou para a próxima. ;)