Série animada da Turma da Mônica Jovem chega mostrando o poder que a cultura pop tem de mudar o mundo | JUDAO.com.br

Embora até que bem resolvida visualmente, série animada inspirada no maior sucesso da MSP nos últimos anos acerta mesmo é na hora de levar assuntos mais cabeludos para a discussão na mesa da tradicional família leitora da turminha clássica

Tem mais de uma década desde que eu ouvi falar, pela primeira vez, sobre os planos da MSP para transformar a Turma da Mônica Jovem em animação, sempre com o Cartoon Network a tiracolo como parceiro. Na época, aliás, o JUDAO.com.br deu a notícia em primeira mão e eu trampava numa empresa que fazia justamente a assessoria de imprensa pro canal de desenhos — e tive a chance de ver, numa produtora que hoje nem faz mais parte do esquema, um TENEBROSO estudo que eles fizeram para experimentar um formato diferente pra série.

A ideia seria fugir um tantinho do 2D tradicional e, então, bingo, que tal fazer algo meio live-action? Ah, mas importante, a captura de movimentos reais serviria apenas para o corpo, porque então o rosto, com aquele jeitão bem anime, olhos grandões, coisa e tal, seria inserido via computador. Cabeças digitais meio que manipuladas por realidade aumentada, sei lá. O fato é que o resultado que vi em alguns estudos e testes de cena era tão, mas TÃO assustador, bizarro num grau, que AINDA BEM que descartaram aquele troço.

O fato número 2 é que, de lá pra cá, esta série animada foi e voltou tantas vezes que os fãs já estavam, de verdade, desencanando de que fosse realmente acontecer. Em 2015, aliás, rolou até um “episódio piloto”, adaptado da história O Príncipe Perfeito, picotado em pedaços de 2 minutos exibidos entre os desenhos clássicos da turminha no canal. Mas a qualidade daquilo estava tão ruim, tão tosqueirinha, que obviamente voltou-se pra prancheta.

No fim, a prancheta acabou sendo a da produtora SANTISTA Lightstar Studios, que cuidou da parada com carinho desde que Seu Mauricio mandou um “agora vai!” no seu painel da Comic Con de São Paulo, em 2017. E agora, no dia 7 de Novembro de 2019, às 19h45, FINALMENTE a série estreia, com cada um dos 13 episódios da temporada 1 indo ao ar semanalmente, toda quinta. O JUDAO.com.br teve a chance de assistir à seis capítulos desta produção e, apesar dos pesares, não apenas gostamos do que vimos como achamos crucial uma produção como esta chegar ao grande público e invadir a sala de jantar de pais e filhos.

Tal qual acontece no gibi, o visual é apenas inspirado nos desenhos animados japoneses. Portanto, tire da sua cabeça a ideia de que este é um ANIME. Mas nem de longe. Talvez um exagero corporal aqui e outro ali, uma expressão facial acolá, algumas poucas sequências com a personalidade dos personagens retratada como pequeninas criaturas irascíveis e gritadoras... Mas tudo isso viaja, de fato, no campo das referências.

No geral, em termos visuais, Turma da Mônica Jovem é pura e simplesmente pop, com cores tão vibrantes e cenários tão repletos de detalhes e easter eggs de um jeito que o Bairro do Limoeiro jamais viu. Os rostos são bastante expressivos, animação tradicional e tudo, em especial no que diz respeito aos olhos, que carregam uma expressividade linda. Se eu tenho uma ressalva, com certeza ela fica pra movimentação dos braços — que tanto quando estão parados quanto quando estão se mexendo, parecem sempre duros, rígidos, como se fossem os de bonecas Barbie gravadas com uma câmera caseira no quarto de casa. Isso torna parte do movimento corporal meio “artificial” demais.

Só que aqui sou eu sendo, talvez, chato, detalhista. Porque, ao mesmo tempo, a sacada dos emojis/stickers personalizados de cada personagem, que ajudam a compor uma ambientação mais moderna e também dão ainda mais força nas expressões de cada um dos agora adolescentes, é talvez uma das melhores ideias aqui, trabalhando de um jeito que funciona apenas na versão audiovisual e não faria sentido na página estática do gibi.

Tudo isso, no entanto, pode tranquilamente ficar em segundo plano quando a gente fala sobre as histórias. Porque é aí que eu acho que uma série como Turma da Mônica Jovem ganha tamanha força e importância.

A adaptação da turminha ficou perfeita, exatamente como os leitores da versão Jovem poderiam esperar: do Cascão fanático por esportes radicais que não se importa em tomar banho beeeeeeeeeeem de vez em quando, passando pela Magali que se controla bem mais quando o assunto é comida, pelo Cebola ainda competitivo ao extremo mas já fazendo fono pra evitar trocar o R pelo L e pela Mônica que, apesar de cheia de personalidade, está longe de ser um trator que passava por cima da molecada com seu coelhinho. Na verdade, ela tem até umas inseguranças agora exacerbadas e com as quais vai passando a aprender a lidar...

E a Denise, cara. Se nas aventuras da turma versão criança ela já é maravilhosamente insuportável, aqui ela chega a roubar a cena, tornando-se uma espécie de Nelson Rubens teen versão podcaster. Ou qualquer coisa do gênero. Maravilhosa.

O ponto é que, adaptando quase que literalmente muitas das passagens dos quadrinhos, os roteiristas não tiveram medo de abordar temas mais “maduros” por estar na televisão, meio de comunicação de mais penetração e abrangência, aquela coisa toda. Assim sendo, claro que temos lá o campeonato de videogame de luta que é sacanagem explícita com um Street Fighter / Mortal Kombat da vida, assim como o filme da aula de artes sendo rodado na escola de noite e que acaba se transformando numa epopeia que brinca com diversos dos clichês dos filmes de horror.

Mas imagina só pra quem não conhece a HQ, se deparando com uma história na qual a Mônica finalmente começa a entender que as amizades e relacionamentos, mesmo aqueles que achamos que durariam pra sempre, são como fases da lua e simplesmente podem começar, terminar, ou apenas diminuir, com as pessoas seguindo cada uma o seu caminho. Ou então um episódio no qual a turma toda resolve fazer uma festa surpresa pra comemorar o aniversário do Cascão e aí ele descobre e resolve não aparecer. Só porque não está no clima, não tá bem pra comemorar. “Ah, tudo bem, o Cascão é de buenas”, dizem todos os meninos, quando questionados pelas meninas.

O caso é que meninos têm dificuldade pra falar sobre seus sentimentos, ainda mais quando é com outros meninos. E num tocante diálogo na pista de skate ao pôr do sol entre o Cebola e o Cascão sobre pais e filhos, sobre cobranças, sobre como é complicado pra eles se abrirem, sobre como “homem não chora”, temos um desenho da Turma da Mônica inesperadamente entrando na casa dos brasileiros que se acostumaram a lê-los desde pequenos para discutir MASCULINIDADE TÓXICA. Assim, de maneira tranquila, natural, bem-humorada até. Mas tá lá. Sem rodeios. Sem medo de ser o que é.

Depois da sessão especial, que assisti junto do meu filhote, agora com 9 anos de idade, acabamos conversando sobre isso no caminho de volta pra casa. Por causa de um desenho. Isso é impacto. Isso é o poder que a cultura pop tem. Ainda bem.

Torcendo desde já pelo momento “meu corpo, minhas regras” que rolou nos gibis, pra incendiar de vez a mesa de jantar dos papais e mamães de bem que definitivamente não estarão esperando a porrada chegar.