Slipknot e a prova de que os novos clássicos existem sim | JUDAO.com.br

Com We Are Not Your Kind, seu sexto disco de estúdio e um de seus materiais mais consistentes na última década, os mascarados de Iowa mostram que estão no topo do seu jogo e se dão ao luxo de experimentar

Ao longo de toda a audição de We Are Not Your Kind, o novo álbum dos caras do Slipknot, ficavam indo e vindo com toda clareza na minha cabeça dois momentos da minha vida: uma conversa que tive uns bons anos atrás com um grande amigo e o papo que rolou com um motorista de Uber que me levou, meses atrás, pro mais recente show do Avantasia aqui no Brasil.

Nestas duas situações, o papo foi o mesmo: meus dois interlocutores, defensores ferrenhos daquele tal de “rock clássico”, batendo na tecla de que nossos grandes heróis da música estão morrendo e que não surgiu nenhuma outra banda / músico roqueiro nos últimos anos capaz de sucedê-los. Sabe de quem eles tavam falando? Metallica, Megadeth, Anthrax, Slayer, Iron Maiden, Judas Priest, Black Sabbath, Deep Purple, Led Zeppelin, Beatles, Rolling Stones, Beach Boys, The Who, Whitesnake, Motörhead, Ramones, Sex Pistols, The Clash, Kiss, Aerosmith, David Bowie, Queen, Pink Floyd, Yes, Genesis, Bob Dylan, Van Halen, The Police, Creedence Clearwater Revival, The Doors, Lynyrd Skynyrd, Eric Clapton, The Eagles. A lista é grande e segue noite adentro.

Mas sabe o que estes artistas, estejam eles atualmente em atividade ou não, têm em comum? Surgiram há PELO MENOS uns quarenta ou cinquenta anos, ali entre as décadas de 1960/1970. “Cara, não surgiu nenhuma banda boa no rock nos últimos anos, estamos lascados”, cravava o motorista orgulhoso de ter comprado ingresso pra próxima apresentação do Maiden por aqui. E aí eu respondi pra ele da mesma forma que, pelo menos uma década antes, respondi pro meu camarada entre alguns copos de cerveja (dele, não meus): “Então, cara, surgiu sim. Um monte. O suficiente pra continuar enchendo nossos ouvidos de boa música depois que os clássicos se forem” (por mais que ninguém vá a lugar nenhum já que os discos vão continuar por aí para serem ouvidos, mas vocês entenderam o meu ponto)

Olhar pro que a música nos proporcionou nos últimos 5, 10, 15, até mesmo 20 anos, e achar que não tem nada de bom, nada que seja digno de ser chamado “clássico”, é de uma estupidez que não me entra na cabeça, numa boa. Daria pra listar, só nesta seara aí do hard rock / heavy metal, pelo menos uma dezena de grupos que vêm carregando lindamente a tocha, experimentando, revisitando sem cópia, fazendo coisas novas, com a sua própria assinatura sonora. Mas eu vou me focar apenas no Slipknot neste momento porque estamos falando de uma banda surgida em 1995, prestes a completar seus 25 anos de carreira. E que se tornou tão grande quanto qualquer Metallica da vida.

É, eu estou dizendo isso mesmo, caso não tenha ficado claro: o Slipknot é o tipo de banda que já dá TRANQUILAMENTE pra chamar de “clássica”. No sentido de que deixou legado, entrou pra história, influenciou gente pra caramba, lota estádios, tem uma enorme base de fãs (os seus Maggots tão aí que não me deixam mentir), ainda vende disco a rodo.

O Slipknot é uma banda GRANDE, sob todos os aspectos possíveis.

Tá, legal, imagino que os metaleiros ~raiz que chegarem a este texto provavelmente vão estar, neste momento, se debatendo como peixes fora d’água (e fora daquele tubo maravilhoso, claro). Mas lembro que eu mesmo, na minha fase “jovem metaleiro”, já fui esta pessoa que amava odiar o Slipknot. Lá por volta de 1997/1998, o meu eu de 20 e poucos anos frequentava a icônica Adega Marrocos, antro dos metaleiros em Santos/SP, o litoral calorento que era um inferno pros camisas pretas. E pra quem estivesse usando uma camiseta do Slayer, por exemplo, era uma espécie de heresia sequer mencionar o nome do Slipknot. Era como xingar a mãe de alguém, você podia virar motivo de piada e ser excluído do clubinho.

Só que os anos passaram, eu passei a escutar os discos do Slipknot com mais cuidado, primeiro às escondidas, depois abertamente, peito aberto, falando pros amiguinhos. E só quando cheguei perto dos 30 é que a banda entrou, de verdade, no meu radar permanente, graças aos primos da minha esposa, todos pelo menos uma década mais jovens do que eu. A intensidade, o poderio sonoro daquele combo, das máscaras, da percussão, o caos que se formava no palco ao longo das apresentações literalmente incendiárias e teatrais, tudo aquilo tinha um poder que não dava mais pra ignorar.

E mais uma década se passou e eu, já fã do trabalho dos caras (em especial do Corey Taylor), me peguei numa madrugada conversando pelo WhatsApp com a minha filha adolescente que tinha acabado de ser apresentada ao grupo por um colega de escola e me procurou pedindo mais indicações.

Perceberam o que aconteceu aqui? Pelo menos três GERAÇÕES sendo impactadas pelo som dos mascarados. Uma banda que consegue isso já está mais do que habilitada a ser chamada de “clássica” sem medo de ser feliz.

Basta ver o FUROR dos veículos especializados gringos: a Loudwire dedicou uma semana inteira a matérias especiais sobre a banda, por exemplo, em contagem regressiva pro lançamento do novo disco, enquanto a Kerrang acompanha todos os vídeos de shows nos quais eles tocam as músicas novas. A Metal Hammer lançou NOVE capas colecionáveis dedicadas aos sujeitos. Talvez seja difícil, quase impossível, imaginar uma das poucas publicações dedicadas ao rock/metal que ainda restam nas nossas bancas dedicando uma capa aos caras? Sim, isso sem dúvida. Porque, como bem dá pra saber, o roqueiro médio com mais de 30 anos de idade por aqui tornou-se esta criatura tradicionalista e extremamente resistente a mudanças, tal qual o leitor médio de HQs de super-heróis – isso pra não entrar no mérito do “conservador” e “reaça”, mas aí é papo pra outro dia.

“Entramos nessa sabendo que tínhamos carta branca novamente”, afirmou, num papo a Loudwire, o vocalista Corey Taylor, a respeito do processo de composição do álbum. “Foi a mesma energia que tivemos com Vol. 3: The Subliminal Verses. E ter esta mesma energia significava que poderíamos ir para onde quiséssemos com a música; desde que estivéssemos felizes, sabíamos que ia ser do caralho”. Para completar, de fato, a frase que resume bem a coisa toda: “fizemos este disco porque este é o disco que queríamos fazer”.

Só mesmo uma banda que chegou no status do Slipknot é capaz de dizer isso.

Este é um dos discos mais ambiciosos do grupo, justamente por se tratar daquele que é o mais diverso e experimental em mais de uma década. O resultado? Um de seus melhores trabalhos em muito tempo e, sem exagero, um dos discos de metal do ano. Quando Taylor descreve a linda e sombria faixa A Liar’s Funeral como sendo um cruzamento de David Bowie com black metal, de verdade, não é só uma hipérbole. E a vibração do camaleão inglês inquieto é sentida a cada momento de We Are Not Your Kind.

É um disco que tem espaço para Nero Forte, uma paulada que garante ao ouvinte eventual que, ôpa, sim, aqui tem lugar para um tipo de peso que não se ouvia desta trupe há muito tempo, uma faixa corpulenta, de guitarras cavalgadas e cheias de groove. Que também nos oferece uma cacetada, com uma bateria furiosa e um baixo nervoso, como a de Red Flag. E que ainda traz a velocidade monstruosa, com um refrão certeiro, de Orphan, talvez um dos melhores momentos da bolacha.

Só que aqui também existe lugar para um vinheta meio trilha sonora de filme de terror como What’s Next?, introdução perfeita para a delicadeza recheada de melancolia que é a assustadora e atmosférica Spiders, na qual temos Taylor abusando dos vocais mais limpos e melódicos que são mais típicos até de seu trampo no Stone Sour. Sim, o Slipknot chegou num momento em que o vocalista não precisa necessariamente berrar a plenos pulmões – em Not Long for This World, veja só, ele entrega uma performance bastante intensa e agressiva e, ainda assim, sem precisar mandar o gutural à frente. Alternando ambas as facetas, Taylor acrescenta ainda mais camadas aqui.

Se você é daqueles que AINDA insistem em dizer que o Slipknot é uma banda de nu metal (ou new metal, como queira), um rótulo limitador que tenta colocá-los no mesmo balaio de gato que nomes tão diferentes entre si como Korn e Limp Bizkit, talvez seja hora MESMO de rever seus conceitos. E possivelmente ESTE disco seja um bom caminho pra largar este preconceito imbecil.

A turbulência da última década acabou servindo de combustível para que o disco saísse do jeito que saiu, tão potente, cheio de coisas a dizer, sem papas na língua e, ainda assim, sem dever nada a ninguém. Depois da trágica morte do baixista Paul Gray, em 2010, rolaram ainda as saídas de seu substituto, Donnie Steele; do baterista original e cofundador do grupo, Joey Jordison; e a recente e turbulenta separação do percussionista Chris Fehn, que inclusive processou o grupo, alegando que a divisão de lucros não era justa. Tudo exposto ao público, sem máscaras.

No fim, eles chegaram a Alessandro Venturella no baixo, Jay Weinberg na batera e um novo misterioso mascarado na percussão – que os fãs não demoraram a apelidar de Tortilla Man e já estão avidamente tentando descobrir quem de fato ele é por baixo do disfarce, num jogo de gato e rato cheio de pistas sendo trocadas via redes sociais.

Mas além de ter que se ajustar a esta nova família no palco e na estrada, Corey Taylor teve também que se adaptar a uma nova realidade depois do fim de seu casamento de oito anos com a esposa Stephanie Luby. A vida pessoal também trouxe alívio ao resultado final do disco. “Quando aconteceu [o divórcio], foi libertador à princípio e rolou um sentimento de felicidade por um segundo. Mas então as repercussões daquele relacionamento voltaram com tudo”, explica ele. “E percebi que eu tinha muitos problemas com os quais tinha que lidar, física e mentalmente. Tinha que voltar pra terapia, pra me reexaminar como pessoa. Tinha que reexaminar o que me fazia feliz”. Ele explica, evitando muitos detalhes, que demorou um ano até que conseguisse se sentir bem consigo mesmo. “Foi duro, mas eu sabia que tinha muito a dizer. E, honestamente, foi quase certo que estávamos fazendo um álbum do Slipknot. Eu não sei se eu poderia ter feito isso com um álbum do Stone Sour”.

Para se livrar desta “bile emocional” que o estava engasgando há tanto tempo, ele PRECISAVA de um disco do Slipknot tanto quanto os fãs. “Isso é catarse. É terapia. É nossa família se juntando pra apoiar uns aos outros. (…) Espero que todos gostem, porque foi um inferno passar por isso”.

Embora não seja um disco ~conceitual, We Are Not Your Kind, “não somos da sua laia”, é um recado direto. “Nos dias de hoje, é perigoso ser diferente. Não vou aceitar isso. Eu cresci sendo diferente”, explicou o músico depois, ao programa de rádio Full Metal Jackie. “Eu sei como é ser tratado diferente e, pra mim, é um daqueles casos em que uso minha posição na vida pra dizer: quer saber? Não importa quem você é, de onde veio, como se parece, qual a cor da sua pele, quem você ama e no que acredita – somos uma família por causa da música que amamos. (…) É como se estivéssemos dando as costas pra este mundo e dizendo que não vamos deixar o ódio nos permear”.

Se você não sacou que é sobre ISSO que o metal trata, que é pra ISSO que o metal existe, bom, então desencana porque não tem nenhuma banda nova ou velha, clássica ou contemporânea, que vá te fazer mudar de ideia. E sobre isso, só dá pra dizer: azar o seu.