Faltou o selo de advertência: “Recomendado apenas para integrantes do Kiss Army”
Só mesmo os fãs mais tarados pra comprar todas as loucuras licenciadas que uma banda marketeira como o Kiss lança. São mais de 3.000 itens com a cara dos integrantes, segundo contagem feita pelo próprio Gene Simmons. Vai desde camisetas, o básico, até camisinhas oficiais do Kiss. Escova de dentes, babador, capacete, mesa de bar, jogo de dardos. Tem de tudo.
E o caixão, é claro. O folclórico caixão. Aquele no qual foi enterrado um de seus fãs mais famosos: Dimebag Darrell, o brilhante guitarrista do Pantera.
Mais um destes itens que só o fã mais maníaco consideraria “obrigatório” acaba de chegar ao mercado esta semana: Scooby-Doo! and Kiss: Rock and Roll Mystery, nada menos do que o 24o lançamento dos personagens da Hanna Barbera direto para o mercado de DVD e o SEGUNDO encontro do cachorrão com a banda de Simmons – em 2003, eles participaram de um episódio especial de Halloween da série What’s New, Scooby-Doo?, uma das muitas que a Mystery Inc. já estrelou (e ainda estrela, aliás) na TV.
Mas aqui a coisa é diferente. Porque este pode ser considerado, isso sim, um produto licenciado do Kiss — afinal, a banda é totalmente protagonista do filme enquanto Scooby, Salsicha, Fred, Daphne e Velma são o que se pode chamar de “coadjuvantes de luxo” — e, com tal, este é daqueles que apenas os fãs mais ardorosos vão querer conferir. A banda é uma das minhas três favoritas de todos os tempos então, claro, lá fui eu, não é mesmo? <3
Pra quem vai assistir esperando apenas um desenho do Scooby-Doo, sejamos francos, vai acabar encontrando mais do mesmo (e aqui não sei se isso é bom ou ruim). Temos um parque de diversões que vem sendo assombrado por uma espécie de bruxa mascarada voadora, sem motivo aparente algum. Coincidentemente, a turma estava a caminho do lugar e acaba se envolvendo na resolução do mistério. Salsicha e Scooby quase atrapalham tudo porque deixam o “estômago” falar mais alto. E, no final, o pensamento analítico da Velma resolve a questão e, bom, a revelação de quem é o vilão por baixo da máscara.
A grande diferença aqui é que o tal parque de diversões é temático sobre o Kiss. Que todas as personagens femininas que aparecem pelo meio caminho têm nomes inspirados nas faixas da banda (Beth, Delilah, Christine...). Que quase tudo ao longo da história remete a nomes de canções/discos dos caras – do monstro conhecido como Destroyer ao tal diamante negro (Black Diamond) que é chave para a resolução da história. E que o Kiss em carne e osso é chamado para ajudar a resolver o mistério porque eles, além de músicos, gostam de bancar os detetives nas horas vagas (sério).
Detalhe: o quarteto passa o tempo inteiro mascarado e fantasiado – e sendo sempre chamados pelos nomes de suas personas de palco. Então, aqui eles são Demon, Starchild, Catman e Spaceman. Nada de Gene ou Paul... ou muito menos Eric [Singer] ou Tommy [Thayer]. Talvez, digamos, um medinho da reação dos fãs mais puristas, eternos defensores dos integrantes originais Peter Criss e Ace Frehley, que não comprariam a ideia desta animação com os “substitutos”? Pode ser. Gene Simmons jamais daria este ponto sem nó. ;)
Aliás, as duas tramas que são minimamente interessantes acabam sendo protagonizadas por Paul e Gene. Do lado do Starchild, ele é objeto da obsessão romântica de Daphne e, com seu jeitão de rockstar Don Juan, faz de tudo para impressioná-la, deixando Fred (justamente o único dos cinco jovens que não gosta do Kiss) bem puto da vida. Já do lado do Demon, ele não gosta muito da presença destes moleques e seu cachorro por ali e, sempre mal-humorado, vive colocando um apavoro no Salsicha e no Scooby – que, eventualmente, vão até acabar aprendendo a cuspir fogo como o próprio ídolo.
Se você curte o Kiss, muito provavelmente se lembra que a combinação do grupo + cinema + parque de diversões já rendeu ao mundo o genial (daquele tipo que é tão ruim que acaba dando a volta) Kiss Meets the Phantom of the Park, filme de 1978 não por acaso co-dirigido por um certo Joe Barbera. Uma tosqueira da melhor (pior?) qualidade, mas que guarda um detalhe em comum com este encontro em forma de desenho animado: os caras do Kiss têm superpoderes sobrenaturais.
Quando eles exibem os seus poderes multicoloridos para combater a bruxa mascarada escarlate voadora (ou quase isso...), temos momentos de ação que lembram qualquer filme recente de super-herói – e com uma animação que está com uma qualidade bastante acima do normal para os padrões da Hanna Barbera, é bom que se diga. Mas, novamente: apenas por causa do Kiss. Só quando o Kiss está em cena.
É preciso que se diga que Scooby-Doo! and Kiss: Rock and Roll Mystery é até um pouco longo demais justamente por causa do Kiss (se o bônus fica pra eles, nada mais justo que o ônus também). Algumas sequências acabaram ficando imensas encheções de linguiça apenas para justificar que canções como Shout It Out Loud, I Was Made For Lovin’ You e Detroit Rock City fossem executadas na íntegra enquanto Salsicha e Scooby correm pra lá e pra cá. Tudo acaba ficando um pouco chato e se a tesoura da edição fosse mais impiedosa nestes momentos, era provável que a experiência fosse menos sonolenta...
Talvez a maior graça do filme, afinal, esteja justamente na música inédita que o Kiss gravou para ele. Mas o contexto é o mais legal: trata-se de Don’t Touch My Ascot, em clara referência ao lenço que Fred usa no pescoço. No filme, no entanto, a música não é do Kiss, mas sim da banda The Ascot Five, a favorita de Fred – lembram-se que eu falei que ele era o único que não gostava do Kiss? ;)
Exatamente por isso que o estilo da canção ficou tão diferente do que se esperaria de Paul Stanley e cia. Uma coisa meio coral masculino ianque dos anos 50, o tal do quarteto de barbearia que tanto vemos nos filmes deles...
Ah, sim, dica divertida: se você for assistir ao filme com as falas em inglês, além de ouvir as vozes originais dos quatro músicos do Kiss, vai poder conferir duas participações especiais logo no começo. Dois dos empregados do parque aterrorizados pelo monstrengo da vez na montanha-russa são interpretados pela dupla Jason Mewes e Kevin Smith — OU, se preferir, Jay & Silent Bob. :D
Um personagem recorrente no filme é Chip McGhoo, gerente de produtos licenciados do Kiss, que vive preocupado com o show que a banda tem agendado para dali alguns dias no parque e que, a cada cena, não perde a chance de anunciar um produto com a cara de banda, variando de algemas a assentos sanitários – todos sempre completados por um quadro que toma conta da tela, dando a ela momentaneamente a aparência de um daqueles canais de televendas típicos dos EUA.
Isso não é apenas a banda sabendo rir de si mesma – o que é ótimo. Mas também a banda admitindo que este filme é apenas mais um destes produtos, afinal. Tão nichados e reservados para os malucos do Kiss Army quanto, talvez, aqueles preservativos com a cara do Gene...
Resta saber apenas quem diabos compraria uma parada destas. :P