A maior demonstração de força do sistema hollywoodiano ou o maior exemplo de realização coletiva e produção independente? Star Wars é as duas coisas. E muito mais que isso.
A franquia criada por George Lucas, que ganhou o mundo — o universo? — em 1977, é um fenomenal objeto de estudo. Poucos produtos culturais possuem a aura mítica que a saga espacial desenvolveu ao longo desses 38 anos.
Um panorama minucioso e detalhado desse processo é dado pelo jornalista Chris Taylor no livro How Star Wars Conquered the Universe, que tem edição brasileira prometida pela editora Aleph para novembro desse ano. O livro se apresenta como uma biografia da obra máxima de Lucas, partindo da infância do criador até a venda da LucasFilm para a Disney em 2012 e o posterior anúncio dos novos filmes da franquia.
Taylor apresenta uma pesquisa sem precedentes na história de Star Wars. Ainda que escrito sem a colaboração de Lucas ou algum envolvimento oficial da produtora, o jornalista que hoje atua na Mashable cria uma narrativa que se aprofunda no processo criativo que levou à criação desse fenômeno cultural.
O livro é feliz por equilibrar dois lados que, como Jedis e Siths, precisam coexistir para o universo de Star Wars fazer sentido. Ainda que de forma turbulenta.
Estou falando, é claro, de produto e fãs.
Em seu primeiro capítulo, “How Star Wars…” começa narrando a busca do autor por uma pessoa no planeta que nunca tenha sido exposta a qualquer informação sobre os filmes. Alguém que não sabia quem é Darth Vader, não reconheça um sabre de luz ou não faça ideia do que seja um wookie.
A busca o leva até o território Navajo, nos Estados Unidos, onde uma exibição do primeiro filme dublada na língua dos nativos norte-americanos está sendo preparada. Taylor chega até um ancião que, aparentemente, seria virgem em se tratando de Star Wars. Infelizmente, um pouco de conversa com o velho índio mostra que a presença da mitologia da série na cultura popular é mais extensa do que pensamos.
Ao longo do livro, capítulos inteiros são dedicados à conturbada relação dos fãs com seu objeto de adoração. Assim temos contato com figuras fascinantes.
Um exemplo são os membros da 501st Legion, grupo que se dedica a se caracterizar como stormtroopers e que possui “regimentos” espalhados por vários países. Outro é o Steve Sansweet, dono do Rancho Obi Wan e detentor da maior coleção de artefatos e memorabilia relacionada a Star Wars no mundo.
É também delicioso o capítulo sobre o grupo de fãs que ficou meses na fila de um cinema de San Francisco para assistir à primeira exibição do Episódio I em 1999. Um esforço coletivo que não seria exatamente recompensado quando as luzes da sala de cinema de apagaram.
Se Star Wars é uma marca tão reconhecida hoje, isso só aconteceu graças a pessoas como Sansweet, os membros da 501st e os malucos que acamparam na porta do cinema. Foram os fãs que pegaram a semente plantada por Lucas e a expandiram em um universo que hoje tem mais de 17 mil personagens espalhados por milhares de produtos como livros, jogos de tabuleiros e de videogame, RPGs, quadrinhos, séries de TV e — óbvio — filmes.
O chamado universo expandido, hoje retirado do cânone graças à nova política instaurada após a compra da LucasFilm pela Disney, foi o responsável por manter Star Wars no imaginário popular. E, além disso, elevar a marca a uma condição quase religiosa. Essa verdadeira adoração acabou por ser tanto uma benção quanto uma maldição para o criador.
A relação dos fãs com a primeira trilogia possui uma estrutura bastante complexa. Os filmes lançados entre 1977 e 1983 foram uma quebra de paradigmas que acertou em cheio o coração de uma geração de garotos e garotas. Eles são mais que filmes. São lembranças de uma época única da vida daquelas pessoas. Décadas de adoração contribuíram para transformar três filmes de aventura escapista em produtos culturais que nunca poderão ser superados. Sequer igualados.
Isso explicaria, em partes, a decepção causada pela chamada nova trilogia (hoje nem tão nova assim). Claro que a falta de aptidão de Lucas como diretor contribuiu muito para o fracasso emocional dos episódios I, II e III. Aliás, esse é um assunto exaustivamente abordado em How Star Wars…, que mostra como o foco de Lucas estava no lugar errado quando produziu os novos filmes. Mas a expectativa em torno desses longas era impossível de ser alcançada. Fosse qual fosse o resultado.
Aliás, fica a dica para o Episódio VII, a estrear no final desse ano: baixar a expectativa você deve, para se decepcionar você conseguir evitar, meu pequeno Padawan.
Um retrato preciso sobre a relação dos fãs com Star Wars foi escrito há alguns anos por um cara chamado Andrey Summers. O relato mostra o quanto os fãs são apaixonados por uma franquia que existe de forma idealizada em suas cabeças e corações, mas não na vida real.
Se você encontrar alguém que diz que acha a franquia bem agradável, que gostou muito tanto dos originais quando das prequências, que ainda tem tudo em DVD, alguns dos livros, esses impostor não é um Fã de Star Wars. Fãs de Star Wars odeiam Star Wars.
Acontece que George Lucas, mesmo que ocupe o papel de criador, é também um nerd fã de aventuras espaciais. E também tem a sua versão idealizada da saga na sua cabeça. O resultado disso é o que pudemos observar nos Episódios I, II e III. Se gostamos ou não dessa versão, isso é um problema nosso.
Agora, se Lucas tem um grande mérito, é emprestar sua caixinha de brinquedos para mais gente brincar. E, ao longo de todos esses anos, sempre esteve atento para o que fãs estavam fazendo. Não são raros os casos de fãs que se envolveram com a LucasFilm de uma forma ou de outra.
A galera da 501st, por exemplo, vive fazendo figuração em eventos relacionados a Star Wars. Steve Samsweet, dono do rancho Obi Wan, chefiou o departamento de relacionamento com fãs da Lucasfilm. Dave Filoni, showrunner de Star Wars Clone Wars e Star Wars Rebels, era fã da série antes de assumir o cargo, além de notório jogador de World of Warcraft.
Mas o maior caso da sinergia entre Star Wars e seus fãs é Pablo Hidalgo. De membro fundador da Star Wars Fanboy Association, ele se tornou primeiro gerente de conteúdo da Lucas Online. Graças ao seu conhecimento sobrenatural das entranhas da saga, conquistado quando trabalhou compilando informações para o Star Wars Index, ele hoje chefia o Lucasfilm Story Group. É ele o responsável por garantir a coerência dos novos filmes, em um dos cargos mais importantes dentro do novo sistema de produção instalado sob a gerência da Disney.
Eu comecei esse post dizendo que Star Wars é um fenomenal objeto de estudo. Gostaria de repetir. Não existe na cultura popular um caso semelhante a essa franquia que começou com um pequeno filme desacreditado em 1977. How Star Wars… é o melhor guia que você pode encontrar para começar a entender melhor essa história.
Outras Obras do Acaso você encontra em medium.com/obras-do-acaso. ;)