Com os heróis da DC tomando os cinemas pra no futuro formar a Liga da Justiça, hora então de relembrar o primeiro grande sucesso da equipe fora dos quadrinhos: os Superamigos – que, aliás, vão voltar em uma nova encarnação
Por gerações e mais gerações, o primeiro contato com Batman, Superman, Mulher-Maravilha e toda a Liga da Justiça não foi por meio dos gibis, de séries animadas com roteiros elaborados ou muito menos pelo cinema. Foi por conta de uma modesta série animada, produzida pela Hanna-Barbera e que foi reprisada à exaustão: Super Friends, conhecida aqui no Brasil como Superamigos.
Pois é. Você aí pensando em Jason Momoa, Henry Cavill, Ben Affleck, Gal Gadot... Mas quem mudou MESMO o jogo foi um bando de heróis que se autointitulavam SUPERAMIGOS – que, por ser uma marca tão forte, vão voltar pro mundo da animação ainda este ano, só que agora baseados em uma linha de brinquedos infantis e com episódios com três minutos de duração.
O engraçado é quando lembramos que tudo isso começou com o SCOOBY-DOO! Bora voltar um pouco no tempo.
Bill Hanna e Joe Barbera haviam feito muito sucesso com as animações de Tom & Jerry produzidas para o cinema pela MGM. Quando a TV surgiu, aquilo começou a ser reprisado quase que eternamente na nova mídia – gerando assim a demanda por novos produtos. Os dois viram esse potencial, criaram a Hanna-Barbera e, como ninguém naquela época, conseguiram unir qualidade com o baixo recurso inerente a uma produção de televisão, realidade bem diferente do cinema.
Já no final dos anos 60, os super-heróis tiveram um boom na TV. O Batman estrelou aquela série camp que todo mundo conhece e a Filmation começou a produzir alguns desenhos do Batman, Aquaman e do Superman – incluindo a estreia da Liga da Justiça na tela pequena. Só que a qualidade era bem precácia...
Lembra que a National Periodical Publications – o então nome da DC Comics naqueles tempos – era uma confusão e não tinha um esforço concentrado na adaptação para outras mídias? Então. Já no começo dos anos 70, a Hanna-Barbera abordou a editora, querendo também adaptar a Liga da Justiça.
Pra testar o apelo dos personagens e aproveitar ainda o gás da série da década anterior, a H-B tratou de enfiar Batman e Robin num episódio de Os Novos Filmes do Scooby-Doo, que foi ao ar em 1972. Pode parecer bem estranho, mas fazia sentido, já que essa série tinha episódios de uma hora de duração e tinha como foco justamente o encontro do Scooby com personagens famosos, fossem eles reais ou não. Pra você ter uma ideia, o cachorrão contracenou com gente como Os Três Patetas, Sonny & Cher, Harlem Globetrotters e Josie e as Gatinhas. Não tô zoando. :)
Depois de ter gostado do resultado das duas participações da Dupla Dinâmica no Scooby, a Hanna-Barbera começou a tocar a produção de Super Friends para o canal aberto ABC. Chamaram o hoje mítico Alex Toth, que contribuía com os gibis da DC desde os anos 40 e havia feito o design do Space Ghost, para justamente fazer os designs e story boards da nova série da Liga.
A estreia veio em 1973 e, bom, o nome “Superamigos” deixava tudo bem claro. Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Aquaman, Robin e os personagens especialmente criados, o “trio sem poderes” Wendy, Marvin e o Marvel, o Supercão — meio que justamente num ~esquema Scooby-Doo –, não saíam na porrada contra os grandes vilões dos gibis, mas sim enfrentavam problemas ~corriqueiros, aliens...
(Ok, parece estranho um cachorro chamado MARVEL numa série da DC. Bola fora da dublagem, já que o nome original era Wonder Dog).
Essa primeira série durou até 1974. Só que aí entrou aquilo que marcaria os Superamigos nos anos seguintes: se reinventar. Com o sucesso de séries de TV como da Mulher-Maravilha e do Homem de Seis Milhões de Dólares, a H-B produziu uma nova versão do programa, que foi relançado em 1977 como The All-New Super Friends Hour – ou simplesmente Superamigos, como continuaria sendo chamado no Brasil 4ever. A abertura é, com toda a certeza, a mais conhecida entre todas as encarnações, principalmente por ter o Aquaman VOANDO. NO ESPAÇO.
Ao menos ele não tá ~conversando com os golfinhos espaciais, né?
Entre outras coisas, a nova versão introduziu os Super-Gêmeos (sim, aqueles do “Super-Gêmeos, ativar! Forma de um BALDE DE GELO”, como se isso fosse bem útil pra fazer algo além de molhar uma celebridade em troca de dinheiro) com a ideia de manterem uma identificação com o telespectador, ao mesmo tempo que ajudavam os protagonistas.
Outros heróis, como Eléktron, Lanterna Verde e Flash passaram a aparecer de forma mais constante, assim como personagens totalmente novos, como Chefe Apache e Samurai. “Eles foram criados pelo pessoal da emissora parcialmente pelo desejo de trazer diversidade racial meio que num jeito estereotipado para o programa, e parcialmente como uma reação à ‘corrida de raças’ da Filmation com produções como Young Sentinels, que tinha uma heroína negra e um herói asiático como protagonistas”, contou Darrell McNeil, que trabalhou com animador do desenho, ao blog Noblemania.
O formato da série também mudou, com cada episódio de uma hora dividido em quatro segmentos e o tom ficou levemente mais sério, apesar deles ainda se chamarem Superamigos – eventualmente, alguém soltava um “Liga da Justiça da América”, ou era possível ver o logo da JLA nos comunicadores. O movimento se tornou mais forte no ano seguinte, quando a Hanna-Barbera lançou uma nova encarnação da série: Challenge of Super Friends.
A nova série, que também tinha episódios de uma hora, passou a ter dois segmentos: o primeiro com a Legião do Mal como os grandes caras malvados. A equipe, que tinha uma base num pântano AND totalmente baseada no capacete do Darth Vader, trazia em sua formação os maiores vilões da DC, incluindo nomes como Lex Luthor, Sinestro, Brainiac, Espantalho, Gorila Grodd... Já o segundo segmento era bem no esquema da série anterior.
Apesar do tom bobo pro público de hoje, Challenge foi responsável por trazer o primeiro grande confronto entre superequipes e por mostrar que dava pra seguir algo próximo dos gibis na TV. Só que QUASE foi ainda melhor. A ideia dos produtores era incluir o Capitão Marvel na Liga da Justiça e ter um time de vilões com Dr. Silvana, Coringa, Pinguim e Mulher-Gato – mas lembra quando eu disse que a DC era uma confusão em relação aos direitos? Então. Todos esses personagens estavam impedidos, já que estavam no ar em séries da Filmation. “Acabou que isso fez funcionar para melhor, porque outros arqui-inimigos puderam ser usados. Sem Coringa? Usa o Charada. Sem Sr. Frio? Use o Capitão Frio. Sem Mulher-Gato? Use a Mulher-Leopardo”, contou McNeil.
Um passo pra frente, dois pra trás. Depois de Challenge, a Hanna-Barbera resolveu retomar o formato anterior. Em 1979 foi lançado The World’s Gratest Superfriends (com o Superfriends escrito assim, como uma única palavra), que, apesar das aparições de alguns vilões clássicos, investia mais na influência dos contos de fada e até de Senhor dos Anéis pra compor os roteiros.
Retroagindo ainda mais, em 1980 a série passou a novamente se chamar Super Friends, deixou de lado os episódios de meia hora e passou a investir em segmentos de sete minutos. Foi nessa época que introduziram o El Dorado, outro herói especialmente criado pela H-B e que nada mais era do que uma versão caricata dos latinos. Tudo pela ~diversidade, não é? “Ele não era o estereótipo de um mexicano. Era meio que a combinação de várias culturas espanholas”, defende-se o criador do herói, David Villaire, também em entrevista ao Noblemania.
A abertura dessa fase é uma atualização da versão de 1977, deixando claro essa coisa de “back to the basics”.
Ao menos a série de 1980 trazia bastante a presença dos vilões conhecidos, explorava conceitos como a Zona Fantasma, Ilha Paraíso e teve até o retorno (rápido) da Legião do Mal. Só que, em 1982, o canal aberto ABC cancelou o programa, tudo porque a H-B estava vendendo as encarnações anteriores no esquema “syndication” (ou seja, pra canais menores exibirem como bem quisessem) e o pessoal da American Broadcasting Company resolveu não competir contra esses canais que tinham o mesmo produto que eles...
Não demorou muito pra própria ABC rever a decisão e passar a reprisar Super Friends nas manhãs de sábado. Isso abriria o caminho para uma das melhores fases dos Superamigos.
O mundo já estava em 1984 e a indústria de produtos infantis estava a todo vapor. Tudo e qualquer coisa poderia virar boneco. É só ver o exemplo da Mattel, que teve a ideia de fazer uma linha de action figures do Conan – o que acabou dando ao mundo o He-Man.
Assim, em 1984, era lançado Super Friends: The Legendary Super Powers Show, que vinha acompanhado da linha de bonecos Super Powers, da Kenner. A animação evoluiu, apesar de manter clara ligação com os designs do Alex Toth, e os roteiros eram mais elaborados. Os Super-Gêmeos, Aquaman, Flash e Homem-Gavião perderam espaço e quase não apareceram – por outro lado, introduziram o herói teen Nuclear, que tinha bastante sucesso nos gibis naqueles tempos e que foi chamado de Tempestade na dublagem brasileira. Não, ele não tinha cabelos brancos.
Só que a grande sacada foi a introdução do vilão Darkseid. Um dos maiores vilões da DC e cria do genial Jack Kirby, o Senhor de Apokolips passou a representar o mais perigoso inimigo em toda a existência dos Superamigos. No Brasil, o personagem era dublado por Silvio Navas, o mesmo cara que deu a voz ao Munn-Ra de ThunderCats e ao Darth Vader na dublagem original de Star Wars (no caso, Guerra nas Estrelas).
Outra bem-vinda novidade é que o Batman passou a ser dublado por Adam West, aquele mesmo da série dos anos 60, na versão original. West já havia feito a voz do Morcegoman nas séries da Filmation na década anterior, mas aquele era o primeiro trabalho dele com a H-B.
O conceito foi polido ainda mais e, em 1985, foi lançado The Super Powers Team: Galactic Guardians. O desenho passou a ter um novo estilo de animação, mais moderno, e deixou de lado (quase) todos aqueles personagens criados especialmente para a TV. A nova versão dos Superamigos passou a contar com Superman, Mulher-Maravilha, Batman, Robin, Aquaman, Nuclear, Gavião Negro, Lanterna Verde, Flash (que só aparece uma vez), Samurai (também com apenas uma aparição – e sem falas!), Nuclear e o novato Ciborgue, que fazia sucesso nas HQs como integrante dos Novos Titãs.
Entre outras coisas, The Super Powers Team foi a primeira produção fora dos quadrinhos a contar a origem do Batman, com a noite na qual Thomas e Martha Wayne são mortos. O tom era também bem mais sério, lembrando mais os quadrinhos da época. Outro detalhe é que foi nessa série que finalmente o Coringa e o Pinguim fizeram suas primeiras aparições enfrentando os Superamigos. Afinal, aqueeeele acordo da DC com a Filmation já era coisa do passado.
Apesar de ser o ápice criativo da série, a ABC cansou da brincadeira e mandou cancelar a produção após apenas oito episódios. O último a ir ao ar foi The Death of Superman, em 6 de novembro de 1985. Além de representar o final da própria série, esse episódio ainda previu o futuro – o Azulão só morreria nos quadrinhos em 1992.
Com 9 temporadas e 103 episódios, os Superamigos se tornaram um verdadeiro produto-coringa nas mãos da Hanna-Barbera. A Taft, dona da H-B na época, tinha diversos canais espalhados pelos EUA, além da série ter sido vendida para outros tantos. Em 1991, a Hanna-Barbera foi vendida para a Turner, que já tinha o catálogo de animações clássicas da MGM e (parte) da Warner. Foi com todo esse vasto material que a empresa lançou, em 1992, o Cartoon Network – perpetuando os Superamigos no imaginário das gerações que vieram depois.
No Brasil, os Superamigos também foram figuras comuns nos programas infantis nos anos 80 e 90. Os episódios, quase sempre exibidos fora de ordem, fizeram a Liga da Justiça ser conhecida por aqui, por mais que não fosse exatamente por esse nome.
Atualmente, Superamigos (assim como todo o catálogo da Turner) está nas mãos da Warner. A série aparece pouco na TV, apesar de estar disponível lá fora em home video. Ainda assim, Super Friends continuou como uma marca forte – tão forte que, recentemente, a Fisher Price lançou uma linha de heróis da DC com o nome. Num processo de retroalimentação e no inverso do que aconteceu com a linha Super Powers, a DC anunciou na última semana que a Warner Animation irá produzir uma série de 15 episódios com três minutos baseada nos brinquedos. O lançamento será ainda este ano.
Pois é. Independente do que a WB fizer nos cinemas, o legado dos Superamigos ainda viverá por muito, muito tempo. ;)