Suspiria: falta história para tanta introdução | JUDAO.com.br

Preocupado em manter sua própria visão de uma história que claramente ama, Luca Guadagnino não abre espaço para o Suspiria ser algo além do que apenas o que idealizou…

Provavelmente o filme mais famoso da carreira do diretor Dario Argento, Suspiria é parcialmente baseado no ensaio Suspiria de Profundis, escrito por Thomas de Quincey em 1845. Lançada em 1977, a película é a primeira parte de uma trilogia de Argento chamada La Tre Sorelle – ou As Três Irmãs – e completada por Inferno (1980) e O Retorno da Maldição – A Mãe das Lágrimas (2007). Nenhum dos filmes que se seguiram, porém, conseguiram alcançar o sucesso visual e narrativo da produção original.

Co-escrito por Argento e Daria Nicolodi, o filme conta a história de uma estudante de balé norte-americana que se transfere para uma prestigiosa academia de dança na Alemanha e descobre que poderosas forças sobrenaturais comandam a escola. A refilmagem de Suspiria segue esse mesmo caminho... mas as semelhanças não vão muito além disso.

O filme original ficou conhecido por apresentar um design de produção impressionante e uma cinematografia com bastante ênfase nas cores marcantes dos ambientes. É praticamente impossível esquecer como Argento seguiu o caminho contrário das histórias de terror, preferindo colocar todo o espaço, luz e cor possível em imagens grotescas do que relegá-las para ambientes pequenos e escuros. O italiano não teve medo de enfatizar todos os pontos extremos do seu filme, e isso é o que torna Suspiria tão inesquecível.

Abraçando escolhas técnicas diferentes, o diretor da nova versão, Luca Guadagnino, dança entre close-ups intensos e ângulos, além de espelhos e lentes para colocar o espectador em uma viagem vertiginosa mais intimista.

Essa mudança gritante no visual dos dois filmes é culpa da forma como Guadagnino e o roteirista David Kajganich decidiram abordar e ambientar sua história. Enquanto Argento escolheu evitar temas políticos da época para focar em uma narrativa mais sobrenatural e intensa, Guadagnino explora uma Berlim mais real, recheada de questões em uma Alemanha dividida entre sequestros e ataques constantes. Com esse tom mais realista, o diretor abriu mão das imagens ultra coloridas do filme original para criar uma cidade mais escura e severa. Assim, a refilmagem perde uma importante característica em relação à obra original, mas a principal mudança está no excesso de narrativas abraçadas por essa versão.

Desde sempre, histórias sobre bruxas são frequentemente relacionadas à forma como as mulheres escolhem usar seu poder feminino. Esses seres sempre são relacionados com mulheres sozinhas que decidem viver suas vidas de forma diferente do status quo existente no momento. Enquanto bruxos são vistos como seres poderosos e respeitados, bruxas devem ser temidas e derrotadas porque inspiram desconfiança e medo. Não mexa com um bruxo, mas detenha uma bruxa com fogo, de preferência.

Usando essa premissa simples, Argento escolheu trilhar o caminho do medo, colocando mulheres solteiras mais velhas como ameaças à uma jovem inocente. Guadagnino segue por aí, mas coloca sua protagonista como alguém INTERESSADA em seguir esse caminho. Mas ao mesmo tempo em que a narrativa coloca Susie na posição de alguém que fez uma escolha consciente, a subversão da tradicional imagem da bruxa maligna não aconteceu.

Da mesma forma como acontece em outras histórias sobre a exploração da liberdade feminina, as personagens dessa história descobrem que isso não vem sem um preço. Mas o Suspiria de Guadagnino nunca nos mostra exatamente QUANDO elas pagam esse preço. Para tornar uma história verdadeiramente feminina, uma produção precisa de mais do que apenas um elenco feminino.

Existe um excesso de camadas narrativas no novo Suspiria que atrapalha o entendimento sobre o que essa história realmente quer falar. Enquanto seguimos Susie em sua introdução à academia, a descoberta da liberdade e dos seus dons como bailarina e mulher, o filme ainda tem espaço para um enredo sobre uma briga política entre forças diferentes dentro da academia, uma narrativa sobre uma aluna desaparecida e a procura de seu psicoterapeuta por ela, além de uma trama pessoal sobre ele, o clima político da Alemanha nos anos 70 e questões remanescentes do nazismo e da Segunda Guerra Mundial.

Afinal, sobre o que o novo Suspiria queria falar? Sobre política? Poder Feminino? Consequências da Segunda Guerra Mundial? Ou tudo isso?

Se o filme peca em uma narrativa principal bem desenvolvida e subtramas para contextualizar essa história, Guadagnino soube criar uma sensação permanente de tensão. Logo no primeiro terço de Suspiria, o diretor nos entrega uma cena extremamente pesada e difícil de assistir na qual uma aluna tem seu corpo retorcido durante uma dança de Susie. A cena é tão chocante que você espera que qualquer coisa possa acontecer a partir daí.

Mas, infelizmente, Suspiria criou apenas UM momento marcante e não conseguiu explorar uma história verdadeiramente feminina com sua protagonista, uma mulher odiada pela mãe criada em uma comunidade rígida no meio-oeste americano, e explorar seus traumas.

No fim, mais uma oportunidade perdida.