Batemos um papo com Tarja Turunen, ex-vocalista do Nightwish que está voltando ao Brasil, sobre o equilíbrio que encontrou em sua carreira
A primeira vez que sentei pra conversar com a cantora finlandesa Tarja Turunen foi no ano 2000, quando o Nightwish trouxe o seu POWER METAL SINFÔNICO para o Brasil com a turnê do elogiado disco Wishmaster. Foi um papo bem estranho, admito. Ela estava lindíssima, mas um tanto superproduzida demais, vestidão e um lenço enorme no pescoço como se preparada para um ópera, um pouco tensa, olhar distante, expressão blasé, jeitão de diva, falando pouco e servindo quase de figuração para o líder e tecladista Tuomas Holopainen – que foi de fato quem mais falou.
Quando a moça aportou por aqui com um grupo de músicos clássicos de seu país para um projeto chamado Noites Escandinavas, em 2004, homenageando o compositor erudito finlandês Jean Sibelius, lá fui eu de novo conversar com ela – só que, desta vez, Tarja estava sozinha. E, uau, quanta diferença. De calça jeans e camiseta, sorriso largo no rosto, expansiva, gesticulando um bocado. Papo descontraído e bastante divertido. Menos de dois anos depois, numa espécie de tragédia anunciada, ela se desligaria da banda que a tornou famosa. Ou, no caso, seria desligada.
Pode ser que esta pequena história diga muito sobre os motivos de sua demissão do Nightwish, que se deu de maneira traumática e com trocas de farpas pela imprensa, sobrando até para o marido e empresário de Tarja, o argentino Marcelo Cabuli. Mas o fato é que a cantora que respondeu, em 2015, às perguntas do JUDÃO é, claramente, muito mais a segunda do que a primeira. Leve, tranquila, bem-humorada. Em paz.
Prestes a desembarcar por aqui para apresentações em Recife (17/10), Fortaleza (18/10), Belo Horizonte (21/10), Salvador (23/10), São Paulo (24/10), Curitiba (25/10) e Porto Alegre (28/10), ela comemora o fato de que vai poder visitar pela primeira vez cidades como a capital pernambucana, na qual nunca esteve nem como turista. “Sempre agradeço oportunidades como esta, de poder ver e explorar mais do seu país”, diz ela. E Tarja mantém a animação mesmo que já tenha passado por aqui há menos de um ano, divulgando seu mais recente disco de inéditas, Colours In The Dark (2013).
Ela promete, no entanto, um setlist diferente – que, inclusive, vai contar com algumas canções inéditas de seu próximo disco focado numa sonoridade mais rock, a ser lançado em 2016. “Na verdade, eu já estou mixando o disco com Tim Palmer [conceituado produtor musical responsável pelo clássico Ten, do Pearl Jam, e que recentemente trabalhou com a brasileira Pitty em Setevidas] e estou muito feliz com o resultado até o momento”, revela. “O lançamento deve ser na metade do ano que vem”.
Ainda sem título, o disco será o sucessor de Colours In The Dark apenas se pensarmos no lado mais rock de Tarja – porque, em 2014, a finlandesa colocou na rua Ave Maria – En Plein Air, mais uma de suas rendições à música clássica, que é, afinal de contas, sua formação musical original. “Sei que é difícil para as pessoas entenderem esta minha vida artística entre o rock e a música clássica, mas para mim nunca foi uma combinação difícil”, tenta explicar. “Estes dois estilos musicais estão em perfeita harmonia na minha vida atualmente. E eu nem quero colocar um deles em compasso de espera por causa do outro, já que trabalhei muito duro durante muito tempo para desfrutar da liberdade que tenho hoje. Eu amo o desafio de ser uma cantora nos dois estilos. Eles me completam”.
Tarja conta ainda que, assim que entrou no mundinho do rock, sempre foi muito honesta sobre seus muitos anos de treinamento erudito e nunca fingiu, em nenhum momento, que manjava muito de metal – mesmo quando Tuomas, um amigo de escola na época, a convidou para cantar em sua recém-formada banda. “Por causa disso, desta sinceridade, acho que ganhei muito do respeito de meus colegas homens e mesmo do público”, aposta. “Aliás, duvido que muitas outras mulheres no metal tenha tido a sorte que eu tive – e sei bem o quanto precisei ser forte para encarar os desafios de me enfiar num meio absurdamente masculino”. Tarja diz, aliás, que fica muito feliz ao ver a enorme quantidade de mulheres que hoje cantam em bandas de metal, dos estilos mais clássicos aos mais extremos. “Em geral, estas garotas são também muito fortes. E me orgulho de ser uma delas”.
Mas além de ter algo em comum com mulheres como Simone Simmons (Epica) e Alissa White-Glutz (Arch Enemy), Tarja também guarda semelhanças com ninguém menos do que CLAUDIA LEITTE: ambas são juradas do The Voice em seus respectivos países. “Foi uma das melhores experiências da minha vida até o momento e já estou confirmada na edição do ano que vem”, revela, sobre sua participação na televisão finlandesa, ao lado do rapper Redrama, do cantor/guitarrista Olli Lindholm (da banda Yö), e de ninguém menos do que Michael Monroe (da banda de glam rock Hanoi Rocks). “Foi maravilhoso ajudar os cantores e descobrir que meu conhecimento e experiência no campo da música me ensinaram muita coisa que pude compartilhar – finalmente, usei tudo isso por uma boa causa. Está sendo um aprendizado incrível”.
Embora com um pouquinho menos de entusiasmo, Tarja diz que não têm problemas também para falar sobre um outro assunto: o Nightwish. “O fato de que eu fui o rosto e a voz da banda por tantos anos nunca vai mudar. Então, eu aceitei que as pessoas sempre vão me perguntar algo a respeito. Mas eu nem penso mais sobre a coisa toda – e tampouco estou seguindo o que eles fazem hoje. Não estou interessada, sabe? Virei a página”. Mas agora que já tem três discos solo de estúdio, como foco no rock/metal, e está prestes a lançar o quarto, ela não considera tirar de vez as músicas de seu antigo grupo (como Wish I Had An Angel) do repertório? “Olha, enquanto eu me divertir cantando estas faixas, vou continuar fazendo. Mas não existem regras. Posso tocar na próxima turnê algumas que nunca cantei ao vivo com eles – ou simplesmente nenhuma da minha fase no Nightwish. O fato é que, como artista, eu nunca vou conseguir realizar os desejos de todo mundo e deixar todo mundo feliz. Posso no máximo tentar fazer a mim mesma feliz com minha arte”.
Desde que a sua sucessora direta, a sueca Anette Olzon, sofreu praticamente o mesmo destino que ela em 2012, muitos fãs têm cogitado um encontro musical entre as duas. Ainda mais que ambas são contratadas solo da mesma gravadora (a earMUSIC) – e quando Anette escreveu um resenha simpática sobre um dos discos de Tarja, logo a finlandesa responderia, em seu Facebook pessoal, que agradecia todo o carinho de Anette, que “teve um momento difícil em sua carreira por minha causa...mesmo que eu não tenha tido nada a ver com isso”.
“Infelizmente, a gente ainda não se conhece pessoalmente”, lamenta Tarja. “Mas isso é algo que pretendo corrigir um dia. E se isso acontecer, mas é claro que a gente vai ter um monte de coisas pra conversar. Mas um dueto... não, por enquanto, sem planos com relação a isso”.
E aí, claro, chegamos na atual frontwoman do Nightwish, Floor Jansen. Com quem Tarja, inclusive, já dividiu o palco em 2013, durante o Metal Female Voices Fest, cantando Over The Hills And Far Away, do guitarrista irlandês Gary Moore (um cover que ela fazia muito em sua época de Nightwish, aliás). “Na verdade, eu até já mandei uma mensagem para ela assim que Floor foi efetivada na banda, mas o conteúdo vai permanecer um segredo que só eu e ela conhecemos”, diz. “Tudo que desejo para ela é o melhor em sua carreira. Ela é uma fofa, uma pessoa muito querida”.
Enquanto você fica aí pensando se esta mensagem continha alguma espécie de aviso a respeito daquilo que foi comentado no começo deste texto, a gente deixa você aqui escutando as duas cantando juntas, num momento realmente incrível. ;)