Esqueça tudo que você leu nos anos 1990, ou não se preocupe mais com isso. O reboot da WildStorm entrega paranoia no lugar da ação sem limites, o que é ótimo
Lembro exatamente a primeira vez que comprei um gibi dos WildCATS. Havia lido a passagem de Jim Lee pelos X-Men e, guardadas as devidas proporções, aquele novo gibi entregava a mesma coisa: um bando de gente com músculos impossíveis que se metia em uma ação plástica e desenfreada. Roteiro? Hm. Isso não era tão importante. E eu – como qualquer garoto de 13 anos – achei tudo aquilo sensacional.
Passados quase 20 anos, aqueles personagens estão de volta. Depois de idas e vindas após da DC ter comprado o estúdio WildStorm (que foi um dos integrantes originais da Image), as criações de Jim Lee retornaram em The Wild Storm #1, publicado na semana passada. E, cara, quanta coisa mudou.
Esqueça as cenas de ação visualmente deslumbrantes e os uniformes coloridos. Quem assina esse início do retorno do selo é ninguém menos que Warren Ellis, mais conhecido por pegar aproximas super-heróis do nosso mundo; saem de cena todos aqueles vícios de Jim Lee e seus seguidores, entram no lugar enredos sobre agências governamentais, executivos corrompidos, aliens, transhumanismo e gente enchendo a cara. De certa forma, segue muito o que o quadrinista inglês fez em Planetary (já na segunda fase da WildStorm original) e em outros trabalhos.
“E então o Jim Lee me ligou”, contou Ellis em entrevista ao Vulture, relembrando do momento que rolou o convite para projetar as bases da nova WildStorm. “O que ele me pediu pra fazer foi basicamente um pouco do que você viu no preview – um reboot e reinventar, com a mão livre, criando quatro revistas no curso de dois anos de publicação. A minha resposta imediata foi pensar nas revistas originais, que eram na realidade sobre todas aquelas coisas que Jim e seus amigos estavam interessados na época – conspirações, inteligência alienígena, operações secretas – coisas realmente paranoicas”.
Ser paranoico tem tudo a ver também com o mundo de hoje, claro. Ellis diz que escreveu a história antes do Brexit, mas que muito desse sentimento que rola no mundo hoje está presente na HQ – assim como ele diz que “previu” a eleição do Donald Trump. De qualquer forma, o resultado de The Wild Storm #1 é algo que ecoa o que vemos todos os dias no noticiário, só que com gente com TRAQUITANAS eletrônicas de origem extraterrestre implantadas no corpo e coisas assim.
O resultado dessa mistura toda é uma história que em nada lembra o que era publicado nos anos 1990 e, se você não leu daquela época, pode ficar tranquilo. Não há nem referências ao que saia há poucos meses nos Novos 52, dentro do Universo DC. O LOOK AND FEEL é muito mais próximo do que é feito, hoje, na própria Image – algo que a DC não estava conseguindo fazer dentro de casa com sucesso nos últimos anos e que dá um belo resultado de crítica, vide os prêmios Eisner que a editora outrora cofundada por Jim Lee tem conseguido.
A WildStorm, enquanto o novo selo da DC, está tentando chegar na maturidade da Image atual
É difícil dizer se eles vão conseguir chegar no mesmo estágio dos concorrentes com apenas uma edição – afinal, o ritmo desse tipo de HQ é bem mais lento. Por outro lado, a editora sabe muito bem para onde o autor está indo e confia nele, tanto que já deram o sinal verde para o planejamento do segundo dos quatro gibis, que será Michael Cray, baseado em Deathblow.
“Eu tive que sentar e escrever a porra de uma cosmologia para esse projeto. Jim Lee me fez inventar 12 mil anos de história intergaláctica e eu nunca vou perdoá-lo”, disse Ellis durante o último DC All Access. Resumindo: ainda tem muita coisa para sair do chapéu do quadrinista, o que, se pensarmos no que ele fez com Authority, é uma ótima notícia.
Passados 25 anos do início da Image e da WildStorm, a cabeça tomou o lugar dos músculos. Ainda bem.