Enquanto o FX Brasil não se coça muito pra exibir à série, primeira temporada chegou ao fim nos EUA no último dia (05) e, olha… Que do caralho.
SPOILER! O último domingo (05), além da ~festa da democracia aqui no Brasil, foi o dia em que o season finale da série The Strain, baseada na série de livros escrita por Guillermo Del Toro e Chuck Hogan, foi ao ar no canal FX gringo (cuja versão nacional sequer começou a exibir e tem previsão para JANEIRO DE DOIS MIL E QUINZE).
Tudo que tem o nome de Del Toro no meio fatidicamente gera um hype tanto para os nerds, por conta de Hellboy e Círculo de Fogo, quanto para os fãs do terror e do fantástico, por conta de A Espinha do Diabo, O Labirinto do Fauno e pelo fato de estar envolvido no gênero como produtor executivo do excelente O Orfanato ou do execrável Mama, entre outros. Uma série sobre vampiros, ainda mais depois das pobres coitadas criaturas notívagas terem sido esculachadas nas duas últimas décadas em livros, séries e filmes para pré-adolescentes imbecis, e ainda com produção de Carlton Cuse (showrunner de Lost e Bates Motel), seria no mínimo, curiosa.
Eu sou um daqueles que leu os livros originais, Noturno, A Queda e Noite Eterna e garanto que, até por ter o nome de Del Toro envolvido, toda e qualquer sequência do texto é completamente cinematográfica, parte de um pacote já prontinho para ser roteirizado para uma mídia visual, como o cinema (que seria a ideia original) e a TV (o que acabou mostrando-se muito mais acertado). E sou aquele tipo de fã xiita, do nível que reclama MUITO nas redes sociais das “liberdades” de Game of Thrones, por exemplo, e que gosta das adaptações – mesmo sabendo que são mídias e públicos diferentes e blá, blá, blá – o mais fiéis possíveis. Então o veredicto nu e cru da primeira temporada de The Strain é que eu gostei pacas.
Logo o primeiro episódio, dirigido pelo próprio Del Toro, é uma aula de como se fazer um piloto de uma série. Independente de você conhecer a obra ou não, ele te prende já colocando praticamente todas as cartas possíveis na mesa, sem economizar nada, carregando no suspense e nos momentos de pura tensão, abrindo o leque para uma boa quantidade de mistérios que vão sendo resolvidos nos próximos doze capítulos (e temporadas, pois a série já foi renovada para sua segunda).
Um avião da Regis Air vindo de Berlim aterrissa no piloto automático no aeroporto JFK em Nova York, com todos os passageiros e tripulantes aparentemente mortos! Logo uma mistura de tramas clássicas a la Além da Imaginação e Arquivo X começa a se desenhar, quando o Dr. Ephrain ‘Eph’ Goodweather (Corey Stoll, de House of Cards), um prolífico médico do CDC, chefe do Projeto Canário – equipe que investiga ameaças biológicas – e sua equipe, formada pela Dra. Nora Martinez (Mia Maestro), mais que uma colega de trabalho, se você me entende, e por seu assistente traíra, Jim Kent (Sean Astin, o eterno Samwise Gamgee de O Senhor dos Anéis) são chamados para investigar um possível novo vírus que pode ter causado as mortes. Claro que usando aviões e Estados Unidos na mesma frase, a primeira suspeita é terrorismo.
Mal ele sabe que no compartimento de carga do avião havia um caixão trazendo para América uma antiga e poderosa entidade vampiresca de quase três metros de altura, conhecida como Mestre (todo desenvolvido em CG com a voz de Robin Atkin Downes), trazido com auxílio da fortuna e esquemas do bilionário Eldritch Palmer (Jonathan Hyde), dono da poderosa Corporação Stoneheart, que sofre de um problema renal e está quase comendo capim pela raiz, tendo que se submeter sucessivamente a diversos transplantes para viver mais um dia, regalia de um cara podre (RÁ!) de rico e que não precisa do SUS. Essa condição médica o leva a fazer um verdadeiro “pacto com o diabo” em troca de vida eterna, ajudando-o com recursos e contatos para que um engendrado plano de conspiração (em diversos escalões) tome forma, o Mestre atravesse o rio (vampiros não podem atravessar água corrente, lembra?) e a infecção vampírica comece a se espalhar.
Isso já abre espaço para uma variação na mitologia vampírica (pelo menos neste primeiro momento) tirando todo o aparato mítico/gótico/sedutor/aristocrático dos longos caninos cravados na jugular das donzelas incautas do vilarejo, para um vampiro viral, que nasce de um verme transmitido através do sangue, causando uma terrível mutação nos infectados, transformando-os biologicamente em criaturas acopladas com uma língua extensa alojada em uma bolsa na traqueia que é expelida para se alimentar do sangue humano e espalhar o verme (mais ou menos como Del Toro mesmo havia feito anteriormente em Blade II). Outro detalhe deveras interessante da mutação é a perda de órgãos que agora são inúteis para eles, como cabelos, nariz, orelha e até o aparelho reprodutor (ouch!).
A infecção se dá início com quatro sobreviventes do avião, dentre 206, o excêntrico roqueiro poser ao melhor estilo Marilyn Mason, Gabriel Bolívar (Jack Kesy), a advogada Joan Luss (Leslie Hope), a garotinha francesa Ann-Marie Barbour (Alex Paxton-Beesley) e o piloto do avião, Doyle Redfern (Nikolai Witschi), sendo liberados pelo CDC e pelo Departamento de Saúde – e é aqui que você começa a perceber os peões sendo movimentados – mesmo a contragosto de Eph. Eles voltam para seus entes queridos, pois essa é a premissa do mais básico instinto restante nas criaturas, buscar aqueles que amam para transformá-los também, sugam o sangue de algumas carótidas aqui e acolá e o pandemônio definitivo começa quando acontece um anunciado eclipse nos próximos dias (e que é terrivelmente mal aproveitado).
O único que realmente sabe a verdade sobre os vampiros e tenta alertar o Dr. Goodwather e sua equipe é o velho dono de uma loja de penhores chamado Abraham Setrakian (David Bradley, de Dr. Who – papel originalmente de John Hurt, que chegou a gravar um piloto, mas teve de desistir por problemas de agenda), que vem caçando o Mestre e seus Strigoi (termo do folclore romeno para os mortos que se levantam de seus túmulos) desde a Segunda Guerra Mundial, quando, judeu, foi levado para o campo de concentração de Treblinka, local usado pelo Mestre como fonte de alimento sem dar nenhuma pista.
Neste momento histórico pontuado em flashbacks também se desenha um entrevero entre Setrakian e um poderoso acólito do mestre, o comandante nazista Thomas Eichrost (Richard Sammel). Vale dizer que os grandes momentos da série são os diálogos entre os dois durante a guerra, a qual Setrakian sobrevive apenas por conta de seus dotes de artesão, obrigado a construir um caixão detalhadíssimo para o Mestre, aquele mesmo que veio para NY dentro do avião, ganhando o apelido de “Entalhador” pelo vilão (e chamado sadicamente todo momento pelo alemão com seu número de prisioneiro, A230385). Sobrevivendo ao holocausto, Setrakian dedicará sua vida a estudar o fenômeno, eliminar os Strigoi e caçar tanto o Mestre quanto Eichrost em busca de vingança que se tornará ainda mais pessoal.
Setrakian consegue convencer Eph a duras penas de que se trata de vampiros e não uma simples pandemia e o ensina as técnicas capazes de mata-los, como a luz do sol (ou luz ultravioleta) e a prata.
Juntam-se ao time futuramente o ucraniano durão Vasily Fet (Kevin Durand, de Lost – personagem criado por Del Toro com seu ator fetiche Ron Perlman em mente), que trabalha como exterminador de pragas e começa a fazer paralelo entre o comportamento das criaturas e os ratos, além de conhecer como ninguém possíveis esconderijos subterrâneos, e a hacker Dutch Velders (Ruta Gedmintas), criada exclusivamente para a série, não existindo nos livros, responsável por derrubar a Internet e as comunicações para Palmer, para que ninguém filme um ataque vampiro e meta no Instagram ou Youtube, mantendo o clima de cortina de fumaça. Mas depois a loira passa para o lado dos mocinhos com aquela baita dor na consciência quando a cidade começa a entrar em colapso e ainda leva umas cantadas de Fet (na indireta mais pedreira de toda a série). E claro que rapidamente todos irão se tornar exímios espadachins e atiradores, graduando-se com louvor na “Escola Setrakian de Caçadores de Vampiros”.
Ainda há uma trama paralela importantíssima envolvendo o filho de Eph, Zach (Ben Hyland) e sua ex-esposa, Kelly (Natalie Brown), na qual ambos estão em disputa pela guarda do garoto, depois de uma traumática separação levada pelo excesso de trabalho de Eph, falta de tempo para os dois e seu alcoolismo. Essa relação será importante para todo o desenvolvimento emocional da trama e principalmente, para as consequências vindouras das próximas temporadas, anote aí.
Outro personagem importante para o desenrolar dos acontecimentos é o descendente de mexicano Augustin ‘Gus’ Elizalde (Miguel Gómez), um criminoso mal encarado (mas que ama sua mãe) que chantageado por Eichrost, presta favores, assim como Jim Kent do CDC, mas depois percebe o descarrilar da situação com a infecção vampírica e aqueles monstros soltos nas ruas, e não terá outra solução a não ser combater a praga, numa reviravolta das mais interessantes no último capítulo da primeira temporada.
Mesclando elementos de terror, ficção, suspense e ação, The Strain agrada em cheio aos fãs de todos esses gêneros. E claro, aos fãs de vampiros que procuram uma abordagem diferente da criatura. O aumento da tensão é um ponto fundamental para a fluidez dos episódios, tornando-se cada vez mais assustador e sinistro conforme a epidemia e seu desenrolar avançam. Alguns momentos são sensacionais, como todo o mistério por trás do acontecido no avião sendo desvendado, as primeiras aparições dos vampiros, apesar do seu ar meio zumbi (principalmente na assustadora cena da pequena Ann-Marie voltando para seu ente querido ou quando os corpos no necrotério começam a se levantar), o momento em que todos os heróis estão cercados pelas criaturas dentro de uma loja de conveniência (no ótimo episódio Creatures of the Night – com toda sua pegada de sobrevivência de um típico filme de terror) e a primeira investida contra o Mestre e seus comparsas nos subterrâneos claustrofóbicos do antigo World Trade Center.
Falando em Mestre (o bebedor de homens!), sua feição é obviamente inspirada na figura do Nosferatu de Murnau, mas acaba sendo o ponto fraco da série com relação aos efeitos especiais, uma vez que ele foi todo gerado em computador e, sabe como é, orçamento de série de TV... Sua primeira aparição deveria causar um frisson, já que sempre víamos o monstro gigante embaixo de um manto com capuz, mas acaba criando um puta anticlímax, mas que no frigir dos ovos a gente até releva. Diferente dos demais vampiros que contam com ótima maquiagem. Doug Jones, que sempre fez personagens com movimentos capturados para os filmes de Del Toro (Abe Sapien em Hellboy e o Fauno em O Labirinto do Fauno, e ainda no campo nerd, o Surfista Prateado naquela sequência aberração de O Quarteto Fantástico) também faz uma ponta como um dos vampiros, hã, do bem, e um dos melhores elementos surpresa da série (a reação à sua aparição no final do episódio For Services Rendered é nada menos que chocante).
Em seu último episódio, já adiantando trechos do segundo livro, The Strain consegue amarrar as pontas soltas da primeira temporada e, como boa série que se preze, deixa novas abertas para a temporada vindoura, uma vez que certezas foram dissolvidas, nossos heróis se mostraram falhos, novas alianças foram construídas, e a expectativa de que o futuro da humanidade está fadado a dias (e noites) terríveis está escancarada. Apesar de algumas mudanças pontuais com relação à publicação e comidas de bolas em outros, mantém-se bastante fiel e o que é alterado torna-se positivo para a dinâmica e o seu desenrolar.
O que está por vir é uma boa oportunidade de explorar a entrada no campo místico e religioso em detrimento do tom científico abordado até então (que começa a se desenhar nas sequências envolvendo Gus neste último episódio), a origem do Mestre (até abordando a história de seu hospedeiro atual, Jusef Sardu, um romeno do século XIX portador de gigantismo que ainda não foi contada) e dos vampiros anciões que surgem se preparando para acordar de um longo sono e entrar de cabeça em uma guerra secreta que começará a se travar. Também espero que todos os envolvidos consigam consertar algumas grandes bobagens do último livro (quem leu sabe do que estou falando) e que não façam os fãs torcerem o nariz (aqueles que ainda têm o nariz e não perderam depois de sua mutação vampiresca).