Em entrevista ao JUDAO.com.br, o autor falou de seu último lançamento, sobre criatividade, amor pelo terror e o sonho de ver uma de suas obras virar série
Imagine o seguinte cenário: você chega em casa depois do trabalho, um pouco cansado, querendo tomar um banho e talvez assistir a alguma coisa na TV. Abre a porta e, ao passar pela sala, vê uma senhora envolta em correntes, com olhos e boca costurados, parada ali em um dos cantos do cômodo. A seguir, você puxa seu celular, abre um aplicativo, reporta a presença daquela figura e vai tomar sua ducha, deixando a moça lá mesmo. Tranquilo, né? :D
É desse jeito MALUCO que vive a população de Black Spring no livro HEX, de Thomas Olde Heuvelt, recém-lançado no Brasil pela DarkSide Books. Lá mora Katherine, bruxa que foi condenada à fogueira há mais de 300 anos e que amaldiçoa a cidadezinha e seus habitantes. “Foi muito natural pra mim incorporá-la nesse cenário. Porque, bem, se tivéssemos uma bruxa, isso aconteceria!”, explica ele, falando um pouco sobre os desafios de usar um ícone tão clássico em um contexto moderno. “Nós teríamos um aplicativo para vigiar seus passos, jovens iam querer tirar selfies e gravar vídeos com ela pra postar no YouTube”.
Mas a existência dela é um segredo para o mundo que os moradores devem manter. Isso afeta ainda mais a vida dessa população, que tem e-mails monitorados e redes sociais proibidas por um conselho municipal bem conservador. “Existem também esses problemas para uma sociedade moderna vivendo em vigilância, numa ditadura”, completa.
Thomas sempre curtiu histórias de bruxaria, mas ao pensar em HEX, quis quebrar o padrão do desespero típico de quem encontra um ser mítico como esse. “Eu sou holandês, e nós somos pessoas bem pé-no-chão. Não temos lendas, não acreditamos em quase nada”, diz. Por isso, quem convive com ela não está NEM AÍ pra sua presença. Ela não passa despercebida, lógico, mas não causa espanto. “Todo mundo ali está acostumado, é como se ela fosse a ‘doida da cidade’. Então é normal chegar em casa, vê-la, colocar uma toalha em seu rosto e sentar com seu jornal”.
A única ameaça concreta é a de que moradores de Black Spring, quando se afastam da cidade, são invadidos por sussurros da bruxa que resultam em impulsos suicidas. E é claro que o pessoal tem medo, mas é de uma maneira bem diferente. Rola também uma incerteza sobre o quão malvada DE VERDADE ela pode ser, já que há muito tempo não ataca ninguém. “Ninguém sabe ao certo se ela é realmente tão ruim, já que boa parte da lenda é alimentada pelas pessoas”, explica o autor.
Aos 23 anos, Heuvelt já tinha dois romances publicados na Holanda. Ele foi apadrinhado por Jacques Post, escritor especialista em horror conhecido por lá e que trabalhava com a maior editora do país. Ele foi a primeira pessoa que leu HEX e sugeriu MILHARES de modificações. “Eu entrei em pânico quando vi todas aquelas correções. Perguntei pra ele ‘você gostou mesmo?’, e ele me disse que só estava fazendo tudo aquilo porque tinha adorado. Tive muita sorte e, quando o livro saiu internacionalmente, dediquei a ele”.
Stephen King é uma das suas inspirações, mas o jovem ainda aspirante a escritor demorou mais tempo do que gostaria para começar a ler as obras do Rei. “Durante muito tempo, eu ficava imaginando quais eram as histórias por trás dos títulos porque minha mãe não me deixava comprá-los, me achava novo demais. Até que, aos 11 anos, tirei notas tão altas na escola que ela resolveu me dar um. Escolhi O Cemitério, justamente a mais assustadora de todas! Me impactou muito”.
Bem, o tempo passou e Stephen efetivamente LEU HEX, curtiu e ainda comentou em seu Twitter. “Foi o melhor momento da minha carreira! Um ícone pop como ele comprando o meu livro, colocando em sua cabeceira e elogiando... Não dá pra ficar melhor do que isso”.
Afinal, o que ele aprendeu com seus mestre sobre o medo? Todo mundo que já consumiu uma obra de terror no cinema, na TV, nos livros, sabe BEM que, se não for bem conduzido, o negócio tem chances de sair dos trilhos e descambar pra mais pura bobagem. Por isso, Thomas acha que o medo DE VERDADE mora naquilo que transforma o nosso lugar comum. “Eu gosto de criar uma familiaridade. Um lugar seguro, que tenha coisas que conhecemos, como celulares, Facebook, McDonald’s nas esquinas... só para depois destruir tudo”, diz. “Katherine [a bruxa de HEX] é uma figura assustadora que entra na sua casa, pode aparecer ao lado da sua cama e perturbar aquele local que, pra você, era seguro”.
Thomas nos contou que vai trabalhar em mais livros, claro, diversas coisas inéditas — ainda existem muitas ideias em sua cabeça. Mas seu próximo passo mesmo vai ser acompanhar a adaptação de HEX para a telinha, com roteiros de Gary Dauberman (de filmes como It – A Coisa e Anabelle).
Ainda em pré-produção, o seriado não tem muuuuuuuita coisa definida, mas Thomas já sabe que, muito provavelmente, terá apenas uma temporada com narrativa fechada. “É um conto bem resolvido, não existe espaço pra uma sequência. E eu também não pretendo forçar uma segunda parte, gosto mais de histórias com volume único. Nunca tive paciência para ler grandes séries”. Ele ainda vai ler os primeiros roteiros no final do mês, mas já adianta a sua expectativa: “quero que seja uma mistura boa daquele ar rock’n’roll de True Blood com o humor de Stranger Things e a obscuridade realista de Dark“.
Thomas terminou nossa conversa dizendo que “se o meu leitor se arrepiou, ficou nervoso ou teve que acender mais luzes para continuar lendo em um lugar mais claro... então meu trabalho está feito. E eu adoro!”. Quando levantei da cadeira para tirarmos uma foto, comentei que “bem, depois dessa conversa, acho que terei dificuldades pra dormir hoje!” e isso o fez sorrir mais do que durante todo o papo.
Thomas Olde Heuvelt ama assustar os outros. E faz isso muito bem. ;)