Tobe Hooper descansa ao som de uma serra elétrica | JUDAO.com.br

Pai de Leatherface, diretor texano faleceu neste domingo aos 74 anos e nos mostrou muito da loucura e do macabro do cinema de terror

“Os eventos daquele dia levaram à descoberta de um dos mais bizarros crimes dos anais da história americana”. Parafraseando John Larroquette no monólogo de introdução de O Massacre da Serra Elétrica, o original de 1974, se substituirmos a palavra CRIMES por FILMES, resumimos bem o significado da contribuição de Tobe Hooper, que faleceu neste domingo (27), aos 74 anos, para o cinema.

Independente de sua irregular filmografia e conturbadíssima carreira, o diretor, roteirista e produtor partiu para o firmamento deixando nada menos do que um dos mais importantes, viscerais, seminais e indiscutíveis filmes de terror de todos os tempos, assim como a criação de um movie maniac ímpar: Leatherface.

Reza a lenda que Hooper estava no departamento de ferramentas de uma grande filial da loja Montgomery Ward, no Texas, próximo ao Natal, já emputecido com a multidão de consumidores das festas de final de ano, meditando sobre qual seria seu próximo filme, quando bateu o olho nas serras elétricas e veio à sua mente o quanto elas poderiam ser úteis para lidar com o problema daquele local lotado de gente e sair dali rapidamente. Foi assim que surgiu a semente para O Massacre da Serra Elétrica, que se manifestou por inteiro em apenas 30 segundos na cabeça do diretor.

Hooper e o produtor e roteirista Kim Henkel, durante aqueles anos 70 que marcavam o fim do sonho americano pós-Vietnã e o escândalo de Watergate, inspiraram-se em uma série de assassinatos violentos que aconteceram em Houston, cometidos por Elmer Wayen Henley, e claro, em Ed Gein (o famoso assassino que transformou crânios em tigelas de sopa e pele humana em estofamento de cadeiras, entre outras bizarrices) para dar vida ao Leatherface e à toda a infame família Serra (mais tarde batizada de Sawyer). É chover no molhado destrinchar ainda mais esse filme e sua importância para o gênero, uma vez que alguns o consideram – e com razão – o filme de terror definitivo.

Fato é que sua BENESSE para a carreira do texano também foi sua maldição ao longo dos anos.

Hooper despontou como filho de um cinema transgressor, cru, vil, com toques sádicos e tom quase documental e caseiro de filmagem. Em seus dois primeiros filmes, Massacre e Devorado Vivo (1976), quis escancarar a perversidade humana, levando a insanidade de seus vilões a níveis estratosféricos, sempre utilizando personagens atormentados dos rincões dos EUA abandonados e sem esperança (quase sempre de seu estado natal), sem o menor pudor e dilema moral em trucidar as suas vítimas, independente de cor, credo, raça, idade ou deficiência física. Foi assim com Leatherface, e depois com o redneck psicótico dono de um hotel de beira de estrada que cria um crocodilo africano em seu pântano e mata seus hóspedes para servi-los de jantar ao “animalzinho de estimação”.

Hooper conseguiu segurar a onda da expectativa depois de sua obra-prima e, quando então entregou na sequência mais um excelente e perturbado filme, deu a todo mundo a impressão de que realmente estávamos diante de um futuro gênio do horror. Dois anos depois, dirigiu a minissérie Os Vampiros de Salem, baseada no livro de Stephen King, para a poderosa CBS, tendo altos níveis de audiência na televisão americana e tornando-se um sucesso instantâneo, ajudando a pavimentar definitivamente o nome do escritor do Maine e a tornar suas adaptações de livros para as mídias audiovisuais uma verdadeira febre.

Em Pague para Entrar, Reze para Sair (1981), seu próximo filme e primeiro trabalho para a máquina hollywoodiana, já tendo de abdicar de total controle da obra por conta do corporativismo de estúdio, o diretor ainda estava em ótima forma. Essa bela homenagem ao cinema de horror como um todo ficou em uma espécie de limbo dentro do terror oitentista. É um clássico menor, cultuado pelos fãs, mas que foi um desastre de bilheteria e de crítica, muito devido à tal expectativa em torno de seu nome e sua frequente associação ao título de “mestre”, aquele que no final das contas nunca alcançou de verdade.

Até que entraram em sua vida Poltergeist – O Fenômeno e seus três filmes feitos para a picareta Cannon Films dos primos Golan e Globus.

Muito já se discutiu sobre a mística de Poltergeist e a respeito de quem de fato dirigiu o filme, se foi Hooper ou Spielberg. Independente da controversa peleja cinematográfica que já dura 35 anos, Hooper começou o degringolar de sua carreira bem ali, devido também a uma série de questões de ordem pessoal, com problemas nos sets de filmagem, discussões e brigas com Spielberg, uso excessivo de drogas e álcool e uma guerra de egos que só contribuiu para sua desmoralização na indústria e uma investigação do Director’s Guild of America sobre o filme, que ajudou a fomentar toda a DUBIEDADE de seu dedo na obra.

Arrumar uma treta com um tal de Steven Spielberg talvez seja a melhor forma de queimar o filme de sua carreira em Hollywood, mas digamos que a vida ainda foi generosa com Hooper, e a possível volta por cinema do diretor veio pelo convite da Cannon, junto à sedução de, dez anos depois, poder realizar a esperada sequência de O Massacre da Serra Elétrica.

Golan e Globus deram a ele um contrato de três filmes, carta branca e um tanto de dinheiro em suas mãos, que mostrou-se uma das muitas decisões mais equivocadas da vida empresarial dos israelenses. E os números não mentem: o execrável O Massacre da Serra Elétrica 2 (que a Cannon queria DESESPERADAMENTE produzir de qualquer jeito, mas ficaram pistola quando viram que lhes foi entregue uma comédia, representação cínica do que o gênero se tornara nos anos de 1980) custou quase cinco milhões de dólares e faturou pouco mais de oito milhões; a refilmagem Z de um sci-fi B dos anos 50, Invasores de Marte, gastou $12 milhões para não arrecadar nem cinco milhões e, por fim, teve Força Sinistra, que torrou um caminhão de dinheiro – 25 milhões deles, um dos maiores orçamentos da história da empresa – estourou o budget, o cronograma e teve que ser finalizado às pressas, rendendo parcos 11 milhões de dólares de volta aos cofres da Cannon. Isso sem contar o QUASE filme do Homem-Aranha que nunca saiu do papel durante anos, aquele que ele estava cotado para dirigir.

Resultados dessa parceria: crise financeira na Cannon, que pavimentaria seu caminho para a falência e sepultamento em definitivo da carreira de Hooper, que nos anos 90 teve em suas mãos apenas filmes menores e sem expressão como Noites de Terror, um segmento da antologia Trilogia do Terror de John Carpenter, e Mangler – Grito de Terror, aquele bisonho filme da máquina de passar roupa assassina, mais um baseado em Stephen King, e estrelado por Robert Englund.

Nada que não pudesse piorar nas décadas seguintes, com verdadeiras trasheiras do mais baixo calibre do naipe de Crocodilo, a refilmagem de Noites de Terror e Mortuária, além de se aventurar na carreira literária com a obra Midnight Movie. Seu último filme lançado foi Djinn, em 2013.

Apesar da carreira inconstante e da coleção de decepções, tomadas de decisão equivocadas, de seu gênio intempestivo, da falta de sorte e de uma quantidade absurda de filmes porcarias e outras produções e séries sem brilho dirigidas para a TV, Hooper tem seu lugar de direito na história da cultura pop por O Massacre da Serra Elétrica e o sem número de filmes, diretores e gerações que essa pedra angular do cinema de horror influenciou.

Descanse em paz ao barulho da serra, Tobe.