Vamos parar de nos rasgar de raiva nas redes sociais e prestar só um pouquinho de atenção?
Ano que vem tem Rock in Rio. E bastou a organização confirmar oficialmente a sua primeira convidada internacional – no caso, a multicolorida cantora Katy Perry – para os fãs de rock afiarem as garras e dispararem aquelas mesmas frases manjadas que a gente ouve, pelo menos, desde a edição de 2011, quando Twitter, Facebook e seus congêneres já eram bem comuns (em 2001, sem redes sociais, quem reclamava eram os blogueiros da moda, entrincheirados em seus feudos próprios).
Eu fiz questão de calçar minhas botas, colocar as minhas luvas e enfiar até os cotovelos em terreno pantanoso para discutir algumas destas frases e ver o quanto elas fazem, de fato, algum sentido. Em tempo, antes que alguém levante a lebre, já aviso: não, não tem ninguém pagando a gente para escrever isso. Não somos destes. Nós o fizemos apenas porque, conforme esperamos que tenhas lido por aqui, prezamos pela diversidade de opiniões – a nossa e a sua. Ler mais e reclamar um pouco menos já é um bom começo.
Partiu? :)
8 Mas como isso pode ser ROCK in Rio se tem artistas que não são rock?
Então, vamos te contar uma coisa que pode te chocar. Pode mudar a sua vida. PREPARE-SE. Porque lá vai: o Rock in Rio nunca foi apenas um evento de rock. Nunca. Desde a primeira edição, em 1985.
Sabe aquela memorável noite, até hoje cantada como um dos momentos mais destacados da história do rock clássico, quando tivemos Iron Maiden e Queen? Pois é. Quem abriu a noite foram Ney Matogrosso, Erasmo Carlos e o casal Pepeu Gomes e Baby Consuelo (atual Baby do Brasil). Não vou entrar no mérito de tentar te convencer que 1) Erasmo Carlos foi um dos precursores do rock por aqui, ao lado de Roberto Carlos e 2) Pepeu Gomes é tão rock que fez teste para ser guitarrista do Megadeth (é sério). Mas pense em como as sonoridades eram diferentes. No dia do AC/DC e dos Scorpions, quem subiu ao palco primeiro foram Eduardo Dusek e o Kid Abelha. Moraes Moreira abriu os trabalhos na noite de Ozzy Osbourne e Rod Stewart. E Alceu Valença e Elba Ramalho esquentaram o público para o Yes.
A segunda edição do evento, em 1991, não fugiu disso. Tinha Sepultura, Megadeth, Guns ‘n Roses e Faith No More. E também tinha New Kids on The Block, A-Ha, Information Society, George Michael e até a bateria da Mangueira, que tocou com o Lobão. Mistura misturada o bastante pra você?
7 Eles não deveriam usar o termo “rock” no nome!
O tio explica. Isso pode parecer absurdo para você, jovem leitor do alto de seus 20 e poucos anos de idade, mas em pleno 1985, quando aconteceu o primeiro Rock in Rio, o Brasil estava muito, mas muito longe, de ser considerado parada obrigatória de turnês gringas. Os grandes artistas internacionais, de qualquer que fosse o gênero, passavam longe do nosso país. Aquelas belas apresentações de palcos brilhantes e milionários só estavam acessíveis para nós nas capas de revistas especializadas em música. Salvo raras exceções como Alice Cooper e o próprio Queen, os caras tinham medo de se arriscar. O quê, vou marcar um show no meio da selva e quantos índios vão ter dinheiro pra poder me pagar?
Quando o empresário Roberto Medina, criador do Rock in Rio, idealizou o evento, ele pensou em transformá-lo em uma verdadeira experiência. Um festival monstruoso que reunisse estrelas que a gente só conhecia das rádios em um palco grandioso, explosivo, com a cara dos grandes shows de rock de arena – que, na época, eram um tipo de experiência muito mais ligada aos grupos de rock do que aos artistas pop (que, hoje, dominam esta arte como ninguém). O resultado? Vamos chamar esta parada de “Rock in Rio”, então. Sejamos honestos: foi um sacada de marketing genial. Os fãs brasileiros de rock, sedentos por um pouco de atenção, comprariam a ideia de qualquer coisa com “rock” no nome. Então, foi isso que o Medina fez. :)
6 Eles deveriam mudar este nome, então!
Sério, gente. De verdade. Parem e pensem só um minuto. O Rock in Rio se tornou mais do que um evento. Se tornou uma franquia. É mais do que alguns dias de shows. É marca de camiseta, chinelo, chiclete, a porra toda. E outra: como marca, trata-se de uma que já dura trinta anos (a edição do ano que vem será comemorativa). Em que mundo vocês vivem no qual um empresário pega a principal marca de seus empreendimentos e simplesmente muda por que “ah, não é apenas rock, é rock + pop + blues + sertanejo + jazz + axé”. Rock in Rio hoje é um simbolismo maior do que “um evento de rock que acontece no Rio”. Isso nos leva imediatamente para a próxima frase...
5 Mas como isso pode ser Rock in Rio se faz edições em Madrid, Lisboa, Las Vegas...?
Esta não é, de fato, das mais fáceis de rebater. Mas a resposta acima já dá a entender um pouco do que pretendo dizer aqui. Quando Medina resolveu migrar o Rock in Rio para outras paisagens, houve quem achasse que ele simplesmente optaria por Rock in Lisboa ou Rock in Madrid. Mas ele me veio com aquele batismo macarrônico de Rock in Rio Lisboa e Rock in Rio Madrid (o próximo será o Rock in Rio Las Vegas). Claro, eu entendo o lado do empresário, vá. A marca Rock in Rio é maior e mais forte do que um Rock in Lisboa. Talvez as pessoas não ligassem uma coisa à outra – que o padrão de qualidade daquele festival seria o mesmo dos lendários festivais na Cidade Maravilhosa.
O conceito do Medina é um pouco o mesmo que norteia a decisão de batizar a convenção nerd que vai rolar aqui no Brasil de “Comic Con Experience”. O nome fala direto ao coração, mas o que eles estão querendo dizer é que não é a Comic-Con, mas sim a experiência que a cerca, para trazer o clima da Comic-Con pra cá. A Comic-Con original, só em San Diego. Mas aqui você pode ter a experiência, a Comic Con Experience. A ideia é a mesma. Rock in Rio, você sabe, só no Rio de Janeiro. Mas em Madrid, você pode ter algo próximo disso, o Rock in Rio Madrid.
Medina, se liga, talvez um “Rock in Rio Experience – Lisboa” funcionasse melhor, hein? Se quiser usar, vê se me dá os devidos créditos.
4 Eles convidam sempre as mesmas bandas...
Tá legal, volta e meia eles metem um Iron Maiden, um Metallica, um Guns ‘n Roses, tudo de novo. São praticamente sócios. Mas sabe qual é o lance? É que estas bandas continuam enchendo estádios. São sempre os headliners, a banda principal da noite, porque atraem público. E um festival do tamanho do Rock in Rio não vive só de meia-dúzia de fãs fieis. Vive de escala, de magnitude. Um festival como o Rock in Rio, infelizmente, não tem lá muito espaço para arriscar. Precisa falar com a massa. Se quer um line-up um pouco mais ousado e progressista, porra, o Lollapalooza tá aí, inteirinho pra você, use e abuse.
Preciso dizer, no entanto, que a organização do Rock in Rio tomou decisões que, de fato, me surpreenderam em 2013. O Palco Sunset e suas inesperadas misturas é absolutamente bem-vindo (Sepultura e Zé Ramalho, é tudo que temos a dizer). Em um dos dias do metal, colocaram os suecos mascarados do Ghost, que estão longe de ser uma unanimidade entre os cabeludos, em pleno palco principal. O mesmo vale para as jovens sensações do Avenged Sevenfold, odiados pelos fãs mais velhos e xiitas, no mesmo dia em que os veteranos britânicos do Iron Maiden. Apesar de seu show acachapante, uau, colocaram Bruce Springsteen como headliner – sendo que sua apresentação solo em São Paulo, por exemplo, esteve aquém do que se esperava em termos de público?
Isso é outra coisa, aliás. Os brasileiros estão entre os povos do mundo que, musicalmente, mais são avessos à experimentações. Poucas vezes saem da zona de conforto para se sentirem provocados, para conhecerem algo novo. Preferem o bom e velho Judas Priest de sempre ao invés de mergulharem na experiência sonora de um Mastodon, de um Opeth – que são tão metal quanto, mas de um jeito que a gente mal ouve. Você ouve sempre a mesma rádio de classic rock e ainda teria coragem de culpar o Medina por investir naquelas mesmas bandas?
3 Eu não quero ir num festival deste pra ficar vendo estas porcarias brasileiras...
Ih, amigão. Num festival do tamanho do Rock in Rio, com inspiração totalmente mainstream, só mesmo sendo maluco para achar que só vai tocar gringo. As bandas brasileiras vendem bem mais que as gringas por aqui, minha gente. É fato. E, por mais que os números não sejam mais os mesmos de outora, estamos diante de um mercado, o musical, ainda bastante ativo e representativo. Na edição de 2001, o grupo O Rappa entrou em desavença com a organização por causa do horário de seu show e das “regalias que os gringos recebiam e a falta de respeito com a qual eram tratados os brasileiros” e liderou um boicote ao evento, apoiado por Skank, Raimundos, Cidade Negra, Charlie Brown Jr. e Jota Quest. Nenhum deles subiu ao palco, forçando o Rock in Rio a encontrar substitutos às pressas.
Esta performance de vendas das estrelas tupiniquins justifica, portanto, que eles me inventem de convidar nomes como Ivete Sangalo e Cláudia Leitte. Porque não tem Miley Cyrus que bata as duas quando o assunto é CD/DVD vendido. E é disso que se trata o Rock in Rio: business. Achei até estranho que, na edição de 2013, não tenhamos visto nenhum representante do funk. Faria total sentido, ainda mais no caso de artistas com uma veia muito mais pop, como Naldo e Anitta. Não duvido que eles estejam na mira do departamento artístico do Rock in Rio neste exato momento.
2 É um absurdo: eu não quero pagar pra ver estas porcarias!
Olha só, meu povo, eis aí a magia da coisa – desde a edição de 2001 que...você não precisa pagar para ver nada que não queira. Ou quase. A organização vem trabalhando com dias fechados em estilos mais ou menos similares. O dia do metal é presença garantida – e, ano passado, na falta de um, tivemos DOIS dias dedicados exclusivamente ao gênero musical dos filhinhos do Deus Metal.
Tá bom, em 2001 ainda rolou uma escorregada do tipo Carlinhos Brown no dia do Guns ‘n Roses (qualquer um com metade do cérebro sabia que ia dar merda). Mas que acham da edição de 2013, a mais recente? Teve um dia mais indie (Muse + Florence and The Machine), o dia das divas dançantes (Beyoncé e Ivetão), o dia do pop (Justin Timberlake)... Tem para todos os gostos. Você escolhe o que você quiser. Ninguém tá te forçando, senhor metaleiro true from hell, a ver a Katy Perry (embora eu, que sou fã de heavy metal, não consiga pensar em uma única razão para não se derreter com um show dela). Compre ingressos para os dias do metal e seja feliz. Simples e fácil.
A não ser, claro, que você seja um fã tradicionalista de Slayer que se recusa a ver o Avenged Sevenfold porque o vocalista faz chapinha no cabelo. Este tipo de conflito entre diferentes gerações, rapaz, não dá pra tentar resolver nem em festivais de nicho.
1 O rock está mesmo morrendo!
Se você diz isso apenas porque o diacho da Katy Perry foi convocada para um evento que se chama Rock in Rio, cara, então você está pior do que eu imaginava. Tá pior do que o Gene Simmons, do Kiss, que soltou mais uma de suas frases polêmicas ao afirmar que o gênero tinha sido assassinado pela música digital. Então, darei primeiro a palavra a Dee Snider, um dos meus ídolos pessoais, conhecido por ser o vocalista do Twisted Sister. “Sim, o modelo de rock que ajudou o Kiss (e minha banda também, por acaso) a alcançar fama e fortuna está certamente morto e enterrado, mas o rock está vivo e saudável, prosperando nas mídias sociais, nas ruas, nos clubes e casas de shows ao redor do mundo. E as bandas tocando são ainda mais genuínas e com mais sentimentos, porque estão lá por uma única razão, o amor ao rock. Passe algum tempo vendo e ouvindo estas incríveis novas bandas e seus ferozes fãs e você vai saber que o rock está mais vivo do que nunca. Não é o mesmo que era pelos seus primeiros 50 anos de existência, mas o fogo definitivamente ainda está queimando”.
Se Snider não te convenceu, eu então convoco o Deus do Metal, o todo-poderoso Rob Halford, a voz trovejante do Judas Priest, que também tem algo a dizer: “Eu acho que estamos rodeados constantemente por novos talentos e um novo entusiasmo que surge de novas bandas de todos os tipos, que mantém o rock vivo e bem forte, e eu acho que sempre foi dessa forma. (...) É um mundo diferente agora, claro, em termos da forma que o lado da indústria do negócio funciona. Há uma nova perspectiva comparada ao que tínhamos vinte anos atrás, com o advento da internet, isso criou uma grande mudança nesse sentido. Isso afetou todos de uma grande forma. Então, o que estou dizendo, é o que o rock não está morto. Está vivo, prosperando e totalmente animador”.
Rapazes e raparigas, se estes caras disseram isso, quem sou eu para discordar, não é mesmo? :)