Conversamos com Anthony Russo, um dos diretores de Capitão América: Guerra Civil, e Bryan Burk, produtor de Star Wars: O Despertar da Força, sobre essa onda de trailers que contam muito da história e spoilers que vazam antes da estreia
Um garoto de 14 anos estava na fila do cinema, em Los Angeles, esperando uma pré-estreia. O filme era O Retorno de Jedi, a conclusão da épica trilogia de Star Wars. Foram três anos aguardando aquele filme, desde O Império Contra-Ataca. Seis desde o primeiro longa-metragem da série. A curiosidade e a vontade de saber o que finalmente ia acontecer era muito grande. Nas mãos, o garoto tinha a adaptação oficial do filme, feita pela Marvel. Enquanto esperava, ele foi lendo o gibi. Momento antes de entrar, chegou na parte final da história. Leu. “Peraí, Luke e Leia são IRMÃOS? WHATAFUCK!?”.
A experiência dele estava arruinada.
Essa história é real e o protagonista dela não é qualquer um. O garoto do primeiro parágrafo atende pelo nome de Bryan Burk, produtor parceiro do diretor JJ Abrams em diversos projetos – inclusive Star Wars – O Despertar da Força, que estreia no próximo dia 17 no Brasil. Burk lembrou desse momento curioso num papo com o JUDÃO que rolou no último fim de semana, na CCXP, em São Paulo. O motivo? Uma pergunta sobre trailers e spoilers, claro, e sobre como o novo filme produzido pelo cara está tendo seus segredos bem guardados.
Hollywood é uma grande fábrica de ótimos trailers, diversas vezes superando a qualidade do filme em si. Só que com tantos blockbusters estreando anualmente e os estúdios ávidos por faturar mais alto com a empolgação dos fãs, tais trailers passaram a cada vez mais a entregar cenas e elementos das histórias dos filmes.
Vingadores – Era de Ultron sofreu com isso. As cenas mais empolgantes, as sequências mais memoráveis, acabaram sendo vistas antes da estreia. O mesmo aconteceu com O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro que, entre trailers e TV spots, entregou tanta coisa que só faltava saber se a Gwen Stacy sobrevivia à queda ou não. Agora, isso tá se repetindo em Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, que colocou o Apocalypse – vilão que provavelmente aparece no último ano da história – logo no segundo trailer.
Tem também aquelas coisas que ninguém vê pronto, mas vazam antes da hora em furos de alguns veículos. Um caso recente é a identidade do pai do Peter Quill em Guardiões da Galáxia vol.2, ou mesmo a presença do Apocalypse em Batman vs. Superman. No primeiro exemplo, inclusive, as gravações só começam em fevereiro.
“Normalmente, nas coisas que fazemos — seja em Lost ou qualquer outra coisa — na maioria das vezes a razão pra manter as coisas em segredo foi apenas porque ainda estamos trabalhando nisso”, explicou Burk. “Você não quer dividir com o mundo até ter certeza. As coisas vão mudar! Talvez aquele personagem que escrevemos como sendo um homem vai acabar realmente sendo uma mulher, então você não quer as pessoas palpitando até ficar pronto, é sempre um processo”.
Por tudo isso, no caso de Star Wars, os segredos começaram de forma orgânica – o “mystery box” tão amado por JJ Abrams não foi citado pelo produtor, mas ele continua existindo. Só que não é de uma forma tão forçada como rolou em Além da Escuridão – Star Trek, quando deliberadamente esconderam que o vilão era o Khan e até deram um outro nome para o personagem. “Desta vez foi isso, foi algo como ‘vamos continuar desta forma e não falar sobre isso até terminar’”.
Porém, de nada adianta manter os segredos do filme num grupo pequeno se, depois, tudo é revelado em alguma peça de divulgação ou nos trailers – como aconteceu com O Exterminador do Futuro: Gênesis, que entregou que John Connor era transformado num Exterminador antes da data de estreia. Como nos contou, também durante a CCXP, o diretor (ao lado do irmão Joe) de Capitão América: Guerra Civil, Anthony Russo, o processo de criação dessas verdadeiras “peças publicitárias” cabe ao departamento de marketing – e, aí, é importante haver colaboração.
“O que acontece é que nos encontramos com Kevin Feige e a equipe de marketing na Disney, e é a equipe de marketing que desenvolve os trailers. O que fazemos é que bem no começo, antes de começar a gravar, lemos o roteiro e começamos a falar sobre o filme com eles. Conversar sobre qual é a nossa visão para o filme”, relata Anthony Russo, explicando como acontece nos filmes da Marvel Studios. “Então eles começam a desenvolver um entendimento do que o filme é, não apenas em relação ao que tá no roteiro, mas também sobre a nossa paixão como diretores, nossa paixão pelos personagens na história, etc. É muito um diálogo...”.
“É uma colaboração, como tudo é.”
Apesar de não ser um departamento do filme – e nem, no final das contas, uma parte do estúdio, mas sim do grupo – o diretor comenta que o relacionamento com o pessoal do marketing é parecido com o resto da equipe de produção. “É uma colaboração, como tudo é. É como conversar com um designer de produção, com um fotógrafo, com um ator. É a mesma coisa quando falamos com o departamento de marketing sobre o que é o filme criativamente. Então vem o dia a dia, que eles acompanham, a montagem, etc. Vai indo e voltando, falando sobre o filme, e eles começam a nos mostrar coisas. ‘Ok, nós tivemos essa ideia de trailer, o que é...’, nos mostram...”.
Pra exemplificar todo esse processo, Anthony Russo usou justamente o primeiro trailer de Guerra Civil. “Eles nos mostraram um trailer que é muito bom, muito fincado na definição das bases do que o filme é: um passo seguinte de O Soldado Invernal, mas sem se perder em mostrar muito da história. Foi muito inteligente eles fazerem isso, essa foi uma ideia deles”. Só que lembra que esse é um processo colaborativo, né? Isso porque os diretores fazem sugestões e dão pitacos, também. “Nós devolvemos com algumas notas: ‘Ok, por que não usar essa tomada ou aquela tomada?’, coisas assim, como se fosse um editor. É um processo legal, eles são muito bons nisso”.
Isso explica, por exemplo, o fato do primeiro teaser de Guerra Civil começar justamente no Soldado Invernal, afinal o filme anterior da franquia do Bandeiroso girou em volta do Bucky. A partir daí vão se jogando alguns elementos, trechos do enredo, mostrando que fatos vão se juntando e criando um conflito entre os super-heróis, com grande espaço para o Homem de Ferro. É pra isso que o trailer foi feito, e não explicar totalmente a história cinco meses antes da estreia.
O resultado agradou bastante o diretor: “Eles são incríveis. São muito bons no que fazem. Temos que dar todo o crédito para eles por esses trailers”.
“Incrível”. Ou, em inglês, “amazing”. Foi o mesmo adjetivo usado por Burk para o marketing da Disney, que teve um processo bem parecido na produção dos trailers de O Despertar da Força. “É uma equipe dedicada em não só fazer as pessoas irem ver o filme, mas também não arruinarem o filme. Eles são apaixonados por divulgar o filme da mesma forma que nós somos apaixonados em fazer o filme. Tem sido uma colaboração incrível”.
“Normalmente, quando você vai ao cinema, você vê trailers que te contam todo o filme antes que você o veja. E a Disney não fez isso. Eles fizeram o oposto. Eles foram mais restritos, te contando apenas um pouco”, relata o produtor. “As pessoas ficaram animadas por não verem muito. Quando o trailer seguinte saiu, eles fizeram a mesma coisa. Agora, percebemos que, menos de três semanas antes da estreia, saíram apenas cinco minutos de cenas de um filme de quase 2h20”.
Ninguém deu muitos detalhes, por exemplo, dos protagonistas Rey (Daisy Ridley) e Finn (John Boyega), ou contou onde DIABOS está Luke Skywalker. Nem no pôster ele aparece — e isso, claro, deve ser resultado do acompanhamento da produção e dos contatos com o diretor, relatados pelo Anthony Russo.
Pro Burk, hoje em dia é muito fácil saber ou descobrir o que vai acontecer num filme, mas toda essa história da falta de detalhes sobre o novo Star Wars antes da estreia criou uma atmosfera incrível, na qual a maioria das pessoas querem ser surpreendidos ao assistirem ao filme completo.
“Todo mundo faz parte dessa experiência. Não é mais sobre nós, é sobre o público”
“Quando eu era criança, antes das redes sociais, você via um trailer ou acontecia de você ver na TV e, a menos que você conhecesse um milhão de pessoas pra poder telefonar, você não poderia compartilhar informações da mesma forma. A ideia é que tem um novo filme chegando e as pessoas não sabem as respostas. Sim, tem algumas pessoas por aí que querem saber os spoilers, contar pra todo mundo, mas a verdade é que, neste ponto, a maioria das pessoas querem apenas a experiência de ir ver o filme e não saber o que acontece”. Ele completa: “Quantas vezes você vai ao cinema e não sabe tudo? É uma experiência rara!”.
Uma experiência rara que, faltando 10 dias pra estreia, está perto de acontecer com O Despertar da Força. E, se ninguém pisar na bola, também vai acontecer com Guerra Civil. Uma lição que o pessoal do marketing do Mickey aprendeu duramente com Era de Ultron. E que também nós aqui, jornalistas (inclusive os do JUDÃO), vamos aprendendo.
No final, Bryan Burk define tudo: “Todo mundo faz parte dessa experiência. Não é mais sobre nós, é sobre o público”. Até porque todos nós somos o público, indo desde aquele garoto de 14 anos na fila do cinema em 1983 ao cara que tá aqui, terminando de escrever esta matéria.
Que o cinema, então, seja maior que os trailers. E os spoilers. ;)