Adaptação do SÉTIMO livro de uma série policial norueguesa escrita por Jo Nesbø não funciona nem como suspense do Supercine…
Sabe aquele tipo de filme que, ao terminar, você gostaria de pedir na bilheteria as suas duas horas de vida de volta? Pois fique você sabendo desde já que é esse o caso de Boneco de Neve, baseado no best-seller homônimo do escritor Jo Nesbø, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira.
Com um serial killer que mata mulheres esquartejando seus corpos, um detetive alcoólatra resignado que vive uma vida decadente, uma fotografia FODIDA das paisagens geladas da Noruega pelo ganhador do Oscar Dion Beebe, produção executiva de Martin Scorsese (que originalmente foi cotado para a direção), Michael Fassbender como protagonista de um elenco que ainda conta com Rebecca Ferguson, Charlotte Gainsbourg, J.K. Simmons, Toby Jones, James D’Arcy e Val Kilmer — todos eles, sem exceção, absolutamente mal aproveitados — e direção de Tomas Alfredson, o mesmo de um dos filmes da vida, Deixa Ela Entrar, Boneco de Neve tinha tudo pra ser um thriller incrível.
Como todos esses elementos potenciais juntos resultaram num dos suspenses mais canhestros dos últimos tempos, além da chegada tardia de Alfredson ao projeto, uma boa parte do roteiro sendo descartada e o período de gravações na Noruega encurtado para a produção se mover para Londres?
Boneco de Neve tem um roteiro fraquíssimo, soluções fáceis e óbvias, uma cambada de personagens descartáveis, Fassbender no automático, tudo construído sem atmosfera alguma, situações que geram risada involuntária de tão ridículas e um desfecho de terceiro ato dos mais patéticos da história da sétima arte — como um assassino metódico, cruel e calculista, que pareceu tão fodão durante toda a projeção, tem um final ridículo daqueles?
Também, atrapalha, e muito, o fato de Boneco de Neve ser adaptação do SÉTIMO de uma série policial de onze livros de sucesso escritos por Nesbø, protagonizada pelo policial Harry Hole, criação máxima do autor norueguês. Você dá de cara com um personagem com cara de saco cheio e cansado o tempo todo, tendo que conviver com as presepadas que fez na vida, do vício ao álcool – daqueles de acordar na valeta literalmente – passando pela decadência de uma brilhante carreira à separação da esposa e afilhado, sem nenhum background construído e conhecimento prévio de seus casos famosos, o modus operandi e o brilhantismo na profissão, que toda hora é citado e nunca sabemos de verdade o quanto o cara foi pica das galáxias na chefatura de polícia de Oslo.
Fassbender não consegue convencer sequer um segundo como sua contraparte literária e tampouco em seu drama humano, mantendo praticamente a mesma expressão azeda durante todo o filme em uma atuação pra lá de burocrática e de carisma igual a zero.
A trama, com seu tamanho potencial jogado fora — o jornal The Guardian considerou o livro mais ambicioso de Nesbø e o compara com O Silêncio dos Inocentes de Thomas Harris, só pra ilustrar — consiste na investigação de Hole com a novata recém-transferida Katrine Bratt (Ferguson) em busca do tal maníaco que rapta mulheres casadas e com filhos e as assassina quando cai a primeira neve na Noruega, deixando em frente de suas casas um singelo boneco de neve.
Nas idas e vindas do caso, nos deparamos com o assassino atraindo o inspetor para seu jogo, um monte de pistas falsas de uma investigação mirim; a tentativa de descobrir o psicopata ao melhor estilo whodunit? dos romances de Edgar Wallace; personagens que circundam o enredo em um subplot de traição, abortos clandestinos e exploração sexual que não levam a lugar nenhum; a personagem de Fergunson usando sua traquitana tecnológica que mais parece um Pense Bem pra lá e pra cá; a irritante cabacice da dupla e incapacidade ao usar armas; e um Val Kilmer que mal consegue abrir a boca paa falar e parece ter sido dublado por alguma voz cavernosa, muito mais grave que na época em que foi o Batman.
E eu já falei do final de dar vergonha alheia, né? E ainda rola um cliffhanger remetendo a investigação de Hole em seu próximo livro, O Leopardo. Mas a chance de sair do papel parece bastante pequena, já que a recepção de crítica e público ao filme lá fora foram mais frias que o inverno norueguês.
Boneco de Neve não serve nem como aqueles suspenses do Supercine, quanto mais para assistir numa sala de cinema e, provavelmente, vai deixar os fãs da série de Nesbø putos da vida, aumentando ainda mais o estigma dos americanos estragarem as obras escandinavas nas telas.