Uma das maiores potências do metal nacional se reinventa com novo disco, Secret Garden, depois de mais um momento traumático em sua história
O ano era 1993. Cinco garotos cabeludos, excelentes músicos, todos com sangue nos olhos para fazer um som similar ao power metal que se tornava uma febre na Europa, resolvem formar uma banda. Com o nome de Angra, eles lançariam seu disco de estreia, o elogiado Angels Cry – e três anos depois, em 1996, viria aquele que pode ser considerado seu ápice criativo, Holy Land. Sucesso no Brasil, na Europa, no Japão, o lançamento catapultou o nome do Angra ao topo da cena metálica.
No entanto, depois de um próximo disco questionado e questionável (Fireworks, de 1998), o grupo seria varrido por uma crise. Questionamentos sobre o gerenciamento do empresário provocaram um racha. Três integrantes se foram (incluindo o cultuado vocalista André Matos), deixando apenas os guitarristas Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt para trás. Era preciso começar de novo. Era preciso renascer.
O ano era 2001. Com o objetivo de injetar sangue novo em sua carreira, o Angra decide continuar e recruta três novos músicos. Esta nova formação lançaria seu primeiro disco, o elogiado Rebirth – e três anos depois, em 2004, viria aquele que pode ser considerado seu ápice criativo, Temple of Shadows. Sucesso no Brasil, na Europa, no Japão, o lançamento catapultou mais uma vez o nome do Angra ao topo da cena metálica.
No entanto, depois de dois discos questionados e questionáveis (Aurora Consurgens, de 2006, e Aqua, 2010), o grupo seria varrido por outra crise. Um show tenebroso em pleno Rock in Rio. O baterista Aquiles Priester que se afasta de forma tempestuosa. O vocalista Edu Falaschi, com a voz fragilizada, se desliga para cuidar da saúde e se dedicar ao seu próprio projeto. Além do baixista Felipe Andreoli, novamente ficam apenas os guitarristas Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt para trás. Era preciso começar de novo. Era preciso renascer mais uma vez.
Pois é. Agora estamos em 2014. E tentando mais uma vez sacudir a poeira e dar a volta por cima, aqui está o Angra novamente. Com este novo álbum, Secret Garden, vem também uma nova formação mas que não precisou chegar ao segundo disco para mostrar todo o seu potencial. De maneira surpreendente, o disco é o melhor da carreira dos caras desde Temple of Shadows. E dá para dizer que, ao lado de TOS e de Holy Land, ocupa o Top 3 da discografia do quinteto.
O Angra não apenas renasceu. Mas se renovou. O power metal/metal melódico de outrora, veloz e técnico, está no disco – Black Hearted Soul, por exemplo, é Angra puro, assim como Perfect Symmetry. É o DNA dos caras, claro. Assim como um pouco (embora menos do que em Holy Land) da identidade étcnica brasileira, dos batuques, como na batida da cozinha que abre a boa Upper Levels. Mas ele vem mesclado de maneira inteligente com momentos de maior agressividade, de força, de intensidade. Flerta aqui com o progressivo – vide Newborn Me e seu jeitão meio Dream Theater, mas sem o pedantismo de “mamãe, olha quantos acordes eu faço por minuto” – acolá até mesmo com o jazz, aproveitando o background do jovem baterista Bruno Valverde (que, se não é monstruoso e virtuoso como o Aquiles, dá conta do recado direitinho).
Se é possível comparar a banda com alguma outra em atividade, poderia ser com os norte-americanos do Kamelot. Escute Final Light e vai entender o que estou querendo dizer. É power metal, obviamente, mas é moderno, dinâmico, experimental, até. E usa e abusa de um tipo de performance vocal que se baseia menos em jogar a voz lá em cima e mais em fazer uma espécie de interpretação, quase como num musical teatral, mais emocional e emocionante.
Além disso, o Angra se reconstruiu também, como banda, mudando a dinâmica clássica. A sonoridade de Secret Garden não depende de um vocalista. Apesar do ótimo Rebirth e do excelente Temple of Shadows, a segunda formação do Angra se destacava por um luta constante para que Falaschi, de alguma forma, continuasse soando como André Matos, um gogó operístico privilegiado, jogando seus agudos lá em cima, como que desejando cobrir uma lacuna. Falaschi não cantava em sua zona de conforto, se forçava além dos limites. Aqui não é o caso. As composições são inteligentes o suficiente para aproveitar o alcance vocal do italiano Fabio Lione (do grupo italiano Rhapsody of Fire) sem exageros, sem firulas, entregando uma performance melhor até do que a que pode ser ouvida nos recentes lançamentos de sua banda original – que, sejamos sinceros, vêm beirando o vergonhoso. Mas isso é assunto pra outra hora.
E, vejam, Lione pode ser uma nova voz para o Angra – mas não é a única. Há quem diga até que ele nem é, de fato, o novo vocalista do grupo, mas apenas uma voz convidada e que pode ser tranquilamente substituída. Do jeito que Secret Garden é montado, faria total sentido. Porque os holofotes não estão centrados nele, mas sim na melodia. E em alguém que, enfim, assumiu em disco um papel que vinha começando a se desenhar nos palcos e que faz total sentido para este novo direcionamento do Angra: Rafael Bittencourt. Em Secret Garden, ele não apenas é o guitarrista, mas também faz as vezes de um co-frontman, um segundo vocalista, assumindo sozinho algumas canções.
Pois é, Rafael melhorou consideravelmente neste ofício de cantar, meio na vibe do Zakk Wylde nos mais recentes discos da Black Label Society. E se Lione está bem, Rafael está excelente neste papel quase Kamelot, se entregando às canções com uma paixão perceptível, sem a necessidade de virtuosismo. Repare na levada mais sombria e densa de Violet Sky ou então na delicadeza da balada Silent Call, que encerra a bolacha. O dueto entre ele e a musa Doro Pesch na climática Crushing Room funciona que é uma beleza – e não teria tido metade de graça se, ao invés do Rafael, tivessem pensado no Lione para dividir os vocais com a moça. Bola dentro.
Se Secret Garden tem um pecado, ele é o de não ter justamente mais músicas que tragam Fabio e Rafael cantando juntos. Afinal, Storm of Emotions é uma experimentação que consegue, facilmente, ganhar o título de melhor música do álbum. Deveriam ter investido muito mais neste tipo de composição.
Este é um novo Rafael para um novo Angra. Lione pode continuar, Lione pode sair, tanto faz. Se o Rafael se mantiver, assim como neste disco, no papel de pedra fundamental, sem problema nenhum, o senso de ruptura não vai se repetir. Carismático e bem-humorado, equilibrado e sem rodeios, ele é agora o líder do grupo, seu porta-voz direto. Uma função que o Edu, por mais talentoso que fosse, não conseguia desempenhar da mesma maneira que o André fez um dia. Ao seu lado, claro, está um guitar hero excepcional e, segundo consta, um tanto temperamental como Kiko. Que, veja, é tão chefe da parada quanto o Rafael. Mas um dos dois precisava se posicionar desta forma. E depois do que se pôde ouvir no projeto paralelo Bittencourt Project, a escolha por deixar que a posição fosse tomada por Rafael foi a mais inteligente. Com certeza o próprio Kiko sabe disso.
Se depois de Angels Cry veio Holy Land e depois de Rebirth veio Temple of Shadows, confesso que estou ansioso para saber o que vem depois de Secret Garden.
A terceira era começou. Depois de gritar para dizer que estava vivo, depois de anunciar aos quatro ventos que renasceu, parece que o anjo agora está em paz consigo mesmo. Tomara que dure.