Uma viagem pelo rio sem fim do Pink Floyd | JUDAO.com.br

The Endless River não é uma coletânea de sobras – mas sim uma reunião de sensações. E paz de espírito.

Antes de qualquer coisa, este não é um novo álbum do Pink Floyd. A banda não se reuniu e não haverá turnê (não há nada confirmado ainda, pelo menos). Isto aqui trata-se de um apanhado de sobras que datam da época de The Division Bell, a saideira do grupo; o título The Endless River, inclusive, vem da letra de High Hopes, canção que encerra o disco lançado em 1992. A quantidade de faixas — 21, na edição deluxe — pode tanto intimidar quanto levantar a lebre da desconfiança: coletânea de vinhetas, talvez? Não. Definitivamente não. Ou vocês se esqueceram que, em 2010, o grupo processou a EMI por vender suas faixas separadas no iTunes? “Ou o álbum todo ou nada”, disseram.

Há que se levar em conta, também, que o Pink Floyd é um daqueles grupos cuja música dialoga tanto com nossas emoções mais afloradas quanto com nossos sentimentos mais ocultos; mesmo quando em formato instrumental — o que predomina no material de The Endless River —, os pelos da nuca se arrepiam, os olhos se fecham; você faz o air-guitar e imagina os dedos de David Gilmour sangrando a cada sofrida nota, seja ao violão ou empunhando uma das Stratocasters mais lendárias do rock.

Alternando entre personagem principal e coadjuvante estão as teclas elegantes do saudoso tecladista Rick Wright, morto em 2008, mas até hoje celebrado como um dos arquitetos do que se entende por rock progressivo. Sem dúvida, o cara encarava a música como uma expansão dos sentidos. A bateria de Nick Mason completa o power-trio floydiano com levadas suaves e toques certeiros; timbrada com a perícia de um mago, Mason atinge o meio-termo entre Charlie Watts e Ian Paice no que diz respeito a ser sutil e versátil fora do lugar comum.

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Ao apertar o play e ser contemplado por minutos — não vou dizer faixas porque, sem sacanagem, eu nem percebia quando mudava de uma para a outra — de pura ambiência que carregam no ventre o som característico do Pink Floyd, me senti apertando os cintos, prestes a decolar numa viagem; espécie de regressão, com a sensação de que há muito mais para ser descoberto... mais do que a audição enquanto mera fisiologia pode oferecer.

Em alguns momentos, a sensação era de flutuar no vazio; em outros, era de total introspecção. Fiz questão de não saber em que ponto do disco eu estava e sugiro que vocês façam o mesmo. Depois, sim, corram atrás de saber por qual nominho atende determinado trecho. Aos fãs, controlem a impulsividade sobretudo nas horas em que as vozes de Gilmour e de sua esposa, a também compositora Polly Samson, cantam sobre as profundezas do ser; o homem além da matéria; o ser humano enquanto condição e característica.

Haters dirão que dá sono e que não passa de um caça-níqueis, fundamentalistas usarão o álbum como argumento para a falácia de que música boa parou de ser feita há décadas. Eu digo, porém, que The Endless River me dera paz; pura e simplesmente paz, essa vibração tão escassa na correria do dia a dia, na incessante busca pelos meios ainda que sem ter a menor ideia de quais são os fins. Agradeço a Gilmour e Mason por terem aberto o gavetão das sobras e permitido a mim e ao mundo mais um pouco de Pink Floyd.

Depois de uma hora navegando, o rio sem fim, muito a contragosto, deságua na cruel realidade de que Rick Wright não está mais entre nós. Sua música, porém, é eterna, perene. Como deve ser um rio.