Músico sueco esquenta noite de frio em SP com um show indie-folk cheio de emoção
Meu primeiro contato com o trabalho do músico argentino-radicado-na-Suécia José González aconteceu em meados de 2013, quando Your Life Your Call, faixa de trabalho do segundo álbum do projeto Junip (banda que González fundou em 1998 e ainda mantém em parceria com os amigos de infância Tobias Winterkorn e Elias Araya), apareceu em algumas daquelas listinhas anuais do tipo “as 10 músicas mais importantes para se ouvir antes de morrer” ou algo do gênero.
Daí pra chamar minha atenção à discografia do CONJUNTO foi um instante – além desta, outras três faixas despontaram lá fora neste mesmo 2013: Ben Stiller usou as belas Far Away e Don’t Let It Pass em momentos emblemáticos de seu mais-ou-menos A Vida Secreta de Walter Mitty, enquanto a já clássica Line Of Fire ficou bastante conhecida ao servir de fundo para todas as peças promocionais de um dos eventos mais aguardados do ano, o episódio final de Breaking Bad.
Ainda assim, mesmo com uma carreira promissora, tanto o Junip quanto González são semidesconhecidos do grande público, lá fora e aqui também. Sempre que converso com alguém sobre o sujeito, recebo um “José Quem?” de volta. Por esta razão, foi com surpresa que absorvi a notícia de que González, em turnê de divulgação de seu terceiro álbum solo, Vestiges & Claws, faria uma rápida passagem pelo Brasil para dois shows, um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo (onde já esteve, há alguns anos, em um festival de música sueca).
E mais surpreso ainda fiquei ao chegar na porta do Audio Club, em São Paulo, e descobrir que a casa estava BEM cheia – vamos lá, só o fã de verdade se dispõe a sair de casa tarde da noite em um típico domingo gelado de outono para um show desta ESTIRPE. Por sinal, o próprio músico demonstrou durante sua apresentação não fazer ideia do tamanho de seu público brasileiro.
Talvez o melhor resumo tenha saído de um camarada ao meu lado no evento, um desses amigos-descartáveis-de-shows que me contou que “fez questão de discutir com sua noiva porque no dia do casamento inventou de querer tocar Heartbeats na entrada da Igreja, mas quando aconteceu, percebeu que ninguém conhecia aquela música e se frustrou”. Tá na hora de trocar de amigos e de família, hein? :)
Enfim, o estranhamento é justificável. O indie folk, gênero explorado pelo músico em grande parte de suas canções, não é tão popular assim aqui no Brasil. Tanto pior que González é daquele tipo de instrumentista que não se prende a convenções: o sujeito se permite “brincar” com seu repertório quando dá na telha e mistura influências bizarras (que vão desde o classicão cubano Silvio Rodriguez, ou “o Aprendiz”, até o folk nórdico e cru do saudoso Nick Drake e bandas punk como Misfits, todos presentes na sua vitrolinha nos anos em que a família refugiou-se na Suécia para fugir da ditadura) para chegar a um som único e inconfundível, que torna-se ainda mais particular por conta de sua voz marcante.
Este último álbum, Vestiges & Claws, é uma prova de seu desprendimento à fórmula de se fazer música, já que o clima é tão intimista que não raro ouvimos, em várias faixas, sons de fundo comuns ao ambiente onde foram gravadas, como se fizéssemos parte daquela coisa toda, assim meio caseira (o álbum foi, em parte, gravado em sua casa, em Gotemburgo).
As letras minimalistas também ajudam a transformar a música de González em algo como “pensamentos em um quarto escuro”; para se contemplar, se absorver. Ou seja, faixas não para se ouvir, pular e cantar junto, mas sim para se RECEBER, se sentir. Baladinhas perfeitas para aqueles momentos em que você está só, pensando nos rumos que sua vida tomou, ou naqueles momentos em que você está no meio da estrada, lembrando com certa melancolia do que você possivelmente deixou para trás, a centenas de quilômetros de distância. Papo de quem viaja muito em pensamentos, mas afinal, esse é o grande lance da música em geral, não é mesmo? ;)
Claro que há outros (grandes) artistas que seguem por este caminho, e posso citar vários incríveis aqui, como o próprio Nick Drake – um dos precursores do gênero -, o saudoso Elliott Smith, Alexi Murdoch, Father John Misty, o maluco que usa a alcunha Iron & Wine (outro que recentemente esteve em São Paulo e responde por um dos shows mais divertidos e imprevisíveis do gênero, mas isso é um outro assunto)... Há algo em González, entretanto, que o destaca dos demais, que o aponta como alguém com muito domínio daquilo que faz. O som de José González, sobretudo em seus trabalhos solo, definitivamente não é o tipo de som que esperamos ver nos gloriosos Top 10 das rádios ou da MTV. Não à toa, alguns críticos costumam apontar seu gênero como “inclassificável”.
Talvez exatamente por esta razão o show de José González tenha sido tão especial, tão marcante e tão cheio de surpresas para aquele público presente naquela casa de espetáculos pequena, de palco baixo, conhecida por suas características intimistas, propícias a eventos em que a aproximação entre o espectador e a figura seja estimulada. Com um repertório de 17 canções que abrangeu seus maiores sucessos dos três álbuns já lançados mais alguns covers do Junip em versão acústica, González subiu ao palco exatamente às 21h30 com expressão meio tímida e aquele sorriso de “nossa, o que TODOS vocês estão fazendo aqui?”. Os espectadores, em sua maioria, responderam rapidamente a esta pergunta, tão logo González iniciou os primeiros acordes da música de abertura, a sensacional Crosses (interpretada em um arranjo totalmente diferente da versão em estúdio).
A partir daí, foram pouquíssimos intervalos para interação com a plateia. González, nitidamente introspectivo, limitou-se a agradecer o retorno do público a cada canção, estivesse sozinho no palco (como em Heartbeats, uma das mais esperadas da noite) ou na companhia de seus músicos de apoio (como na ótima What Will, de uma sonoridade tipicamente brasileira), que se revezavam entre instrumentos tão aparentemente desconexos como teclado e atabaque – e que no final faziam TODO O SENTIDO DO MUNDO.
Claro que a falta de interação com a plateia não significa falta de educação, seu estilo musical sequer exige essa espécie de interação; González não é o tipo de artista que vai berrar um OUBRIGADOU SANPÁOULOU AMOU BRAZIL a cada música, nem mesmo dar aqueles saltinhos e rodopios esquisitos ao estilo Coldplay (!). A plateia, compreendendo este aspecto, era a primeira a exigir silêncio quando algum engraçadinho se atrevia a conversar em tom um pouco mais alto durante sua apresentação.
Foram mais ou menos uma hora e quinze de canções repletas de reflexão e significados, quase todas entoadas silenciosamente pelo público, com uma organização técnica impecável. A fidelidade do material executado em comparação às gravações de estúdio foi tão notável que achar, por alguns momentos, que estava rolando um playback só não era possível porque González é um daqueles camaradas que curtem improvisar e ocasionalmente troca uma letra aqui, uma nota acolá... Maior barato que um ou outro erro de acorde, como na versão acústica de Line of Fire executada no esperado ENCORE, foi praticamente ignorado pela plateia, que se comportou como se fossem íntimos em uma reuniãozinha de amigos.
E certamente esse sentimento deve ter sido perceptível para o próprio González que, mais tarde, após os trabalhos, apareceu na rua para tomar um ar fresco e bater um papinho sincero com os poucos sortudos que estavam por lá bebendo uma cervejinha antes de pegar o caminho da roça. :)
Na verdade, não há um outro termo para resumir o som e o show de José González: com canções rústicas, de pouca extravagância e caráter absurdamente subjetivo, com características indefectíveis de seu criador mas também tão diferentes entre si (tente ouvir Every Age e Walking Lighty na sequência para entender o que falo, por sinal duas faixas tocadas nesta ordem), a sensação que se teve naquele domingo de outono era justamente a de que cada canção apresentada tinha uma carga extra de CALOR HUMANO, absorvida, compreendida e aproveitada por cada um daqueles elementos que se dispuseram a enfrentar o frio e o provável cansaço de segunda-feira de manhã para receber de braços abertos aquele semidesconhecido que toca meio esquisito, mas tem muito a dizer.
E se você ainda é da turma do “José Quem?”, vai logo ouvir esse cara, pra entender o que você perdeu. :D