Vai ser impossível esquecer Alan Rickman | JUDAO.com.br

O ator inglês, que morreu nessa quinta (14), fez o que precisava fazer pra que todos se lembrassem dele pra sempre

“Gente, o Snape morreu!”. Pra muita gente nas redes sociais, ao longo dessa quinta (14), foi assim que se anunciou a morte do ator britânico Alan Rickman, também aos 69 anos como Bowie, também vítima de um câncer, como Bowie. Rolaram algumas variações aí, trocando “Snape” por “Hans Gruber”, por “Metatron” ou por “Alexander Dane”. É comum se referir a um ator pelo nome do personagem, mas poucos conseguem ser lembrados por tantos nomes e papeis diferentes.

Nascido em Hammersmith, no Reino Unido, em meio a uma família de operários católicos, já na escola mostrou aptidão para a arte – mas começou, inicialmente, focando-se nas artes gráficas, em especial a aquarela. Começou a trabalhar com design gráfico em um jornal, mas já tinha sido PICADO PELO BICHINHO DO TEATRO na escola. No entanto, com seus 18 anos, tinha receio de se envolver com o ofício de ator, que não considerava lá um porto dos mais seguros. Mas ao sair da universidade, depois de montar uma empresa de sucesso com os amigos, pensou: “cara, se eu quero mesmo ser ator, se quero saber se teria uma chance, a hora é agora”. Mandou uma carta para a Royal Academy of Dramatic Art e pediu uma audição. Era a sua chance. E ele conseguiu. E mergulhou de cabeça nela. Ao longo de seus estudos, ganhou uma série de prêmios na RADA e quando se formou, em 1974, teve certeza de que tinha feito a escolha certa.

Sua vida artística começou no teatro, de onde nunca quis sair mesmo depois de ser descoberto pelo cinema: passou por algumas companhias experimentais e chegou até a fazer parte da prestigiada Royal Shakespeare Company. Foi com o grupo, inclusive, que participou de uma bem-sucedida montagem de Ligações Perigosas, em 1985. Dois anos depois, quando a peça foi parar no circuito da Broadway, Rickman foi indicado ao Tony Awards – e foi neste palco que Joel Silver, produtor hollywoodiano consagrado, o encontrou e descobriu nele o vilão que precisava para encarar Bruce Willis em Duro de Matar. Em entrevista ao jornal The Guardian, ele contou que por muito pouco não negou a proposta. Aos 41 anos de idade, ele se sentia relativamente bem com o que vinha fazendo até o momento. “Eu não sabia nada sobre Los Angeles. Não entendia esta indústria de cinema. Nunca tinha feito um filme na vida, mas meus honorários eram bem baratos. Depois de ler o roteiro, pensei: mas que diabos é isso? Eu não vou fazer um filme de ação”.

Alan Rickman

Mas ele foi. E se deu bem na indústria que pouco entendia. Muita gente se lembra essencialmente de Rickman como um vilão, em especial pela expressão séria e sisuda e pela voz profunda. Só que ele mesmo dizia que não enxergava aqueles papéis – como o excelente Xerife de Nottingham do Robin Hood de 1991, com Kevin Costner, ou o Juiz Turpin da versão de Sweeney Todd dirigida por Tim Burton – como “más pessoas”, mas sim como “personagens interessantes”. Seu objetivo sempre foi explorar a ambiguidade da vilania, como fez com o Snape de Harry Potter. Se bobear, até o Harry, de Simplesmente Amor, se encaixa aí.

Mesmo assim, Rickman tinha um baita timing cômico e se dava bem em comédias. Era dele a voz de Marvin, o robô depressivo de O Guia do Mochileiro das Galáxias, representação máxima de um dos melhores personagens dos livros de Douglas Adams. Ele ainda foi Metatron, a voz de Deus (no caso, de Alanis Morissette) em Dogma e roubou a cena em Galaxy Quest, uma piada com Jornada nas Estrelas que por aqui ganhou o título de Heróis Fora de Órbita. Ele era o fleumático e mal-humorado Alexander Dane, um ator inglês com imensa reputação nos teatros mas que acabava sendo muito mais lembrado por interpretar uma espécie de Spock em uma série de TV de ficção científica cultuada por nerds no mundo todo. Dane fez Shakespeare e tinha que ganhar a vida vendendo autógrafos nas Comic Cons da vida, até que uma raça alienígena de verdade vem atrás dele e dos colegas de elenco, achando que aquelas aventuras aconteceram MESMO.

Houve quem sugerisse que Rickman encerrou a vida um pouco como o próprio Dane: um ator renomado, que fez a vida no teatro, que encarou alguns dos papeis mais difíceis da dramaturgia clássica, mas que era o tempo todo associado a um personagem marcante de uma franquia pop blockbuster. Uma carta de despedida escrita para a revista Empire, depois de terminar suas obrigações em Harry Potter e as Relíquias da Morte, prova o contrário: “Três crianças se tornaram adultas desde que um telefonema de Jo Rowling, revelando uma pequena pista, me convenceu de que havia mais em Snape que o figurino imutável e de que, embora apenas três dos livros tivessem sido publicados àquela altura, ela tinha toda a imensa e delicada narrativa em suas mãos. Ser contado em história é uma necessidade antiga. Mas a história precisa de um grande narrador. Obrigado por tudo, Jo”.

O fato é que, nesta quinta-feira cinzenta, não é apenas Hogwarts que está em luto. As duas máscaras do teatro estão tristes hoje.