Vamo deixar o Capitão América ser o Capitão América, por favor? | JUDAO.com.br

Enquanto as HQs fazem MAIS UMA modificação no herói que a gente sabe que nem deve durar, a versão dos cinemas tá lá, foda pra caralho, mais Capitão América do que nunca

SPOILER! Quando Rich Johnston, do Bleeding Cool, anunciou a tal mudança de status quo que o Sentinela da Liberdade sofreria na recém-lançada Captain America: Steve Rogers #1, ele foi categórico. “Este é o número em que teremos o momento Lição de Anatomia do [roteirista] Nick Spencer”. Bom, Lição de Anatomia é aquela história clássica do Monstro do Pântano escrita pelo Alan Moore e que inverteu de vez o que pensávamos sobre o personagem: ele não era Alec Holland transformado em um homem-planta. Ele era uma espécie de entidade vegetal que assumiu as memórias de Alec Holland. Isso mudou o personagem pra sempre e é parte do cânone da DC até hoje.

Olha só, tudo que eu tenho a dizer aqui é... menos, Rich. BEM menos. No máximo, ao ver Steve Rogers dizendo “Hail Hydra”, estamos diante de um momento “superior”. Sabe quando o Doutor Octopus trocou de corpo com o Peter Parker e virou o Homem-Aranha Superior? Lembra quando Tony Stark manteve os efeitos da troca de personalidade promovida pelo Caveira Vermelha, assumiu uma armadura prateada meio Apple, mudou pra São Francisco e fez a população ficar viciada no aplicativo Extremis, tornando-se o tal Homem de Ferro Superior? Pois é. Bem por aí.

Vejam, isso não é sequer um julgamento de valor. Quando Dan Slott veio com este conceito de “Sexta-Feira Muito Louca” e transformou Otto Octavius no Cabeça de Teia, inicialmente eu achei tudo um grande monte de bosta. Xinguei muito no twitter. Mas o meu problema era apenas conceitual. Porque os meses foram passando e Slott construiu uma trama tão, mas tão divertida, que acabei mordendo a língua. E fiquei vidrado naquela fase, que indico fortemente para quem quiser experimentar um bom gibi de heróis, aliás. Quem garante que o Spencer não vai desdobrar esta coisa de Captain America: Agent of HYDRA de uma maneira inteligente, criativa, surpreendente? Deem uma chance ao moço. Deixa o homem trabalhar.

Além disso, vamos ser honestos aqui: conforme Devin Faraci, do Birth.Movies.Death, bem fez questão de lembrar, os quadrinhos de super-heróis adoram fazer uso da tal “ilusão da mudança”. Faz parte do jogo. O Justiceiro já virou um anjo, um matador trabalhando para as tropas de Deus, além de já ter a pele trocada artificialmente para se tornar um homem negro. O Thor virou um sapo e chegou a ser substituído por um alienígena com cara de cavalo (ou quase isso). Até o Capitão América já se tornou, durante uma época, um lobisomem — é, ele virava lobo e saía uivando para a lua cheia. Mas sem deixar o escudo de lado. NUNCA. Sabe o que rolou em todos estes casos? Meses depois, no máximo um ano, tudo voltou ao normal.

Quantas vezes já não discutimos aqui retcons, reboots, resets? “Se este é um tipo de dinâmica que te incomoda, talvez você devesse pensar que os quadrinhos de heróis não são para você”, diz Faraci. E é isso mesmo. Provavelmente, vamos descobrir que não era bem assim, que Rogers estava apenas infiltrado, que tudo fazia parte de uma coisa maior.

No entanto, de fato tem UMA coisa que me incomoda aí nesta coisa toda de ser ou não ser Hydra. Nos gibis de hoje, pós-Ed Brubaker, a Marvel das HQs tá fazendo um Steve Rogers que é muuuuuuuuuuuuito menos interessante, muito menos Capitão América que o dos cinemas. A essência do personagem, não importando qual a cor da sua pele, qual o formato do seu escudo ou qual é o novo modelito do seu uniforme, vem se perdendo cada vez mais.

Recentemente, acompanhe comigo, o Steve Rogers morreu, sua alma se perdeu no tempo, ele ressuscitou, virou diretor da SHIELD, comandou uma equipe de Vingadores Secretos, voltou a ser o Capitão, foi jogado na dimensão de Arnim Zola, viveu anos por lá, adotou o filho de Zola, voltou para a Terra, lutou contra um ex-agente da SHIELD revoltado, descobriu que foi enganado pelos Illuminati, teve o soro do supersoldado arrancado de dentro de suas veias, envelheceu, deixou o Falcão como Capitão no seu lugar, passou pelas Guerras Secretas, rejuvenesceu mais uma vez, ganhou os poderes de volta, assumiu uma nova vestimenta e um novo escudo. Ufa. Tá louco. Um gimmick atrás do outro. Mas que saco.

Essencialmente, nos últimos dez anos, o personagem não tem conseguido experimentar um respiro, para ser o Capitão que é a chama de esperança de todo o Universo Marvel. Tome um diálogo bacana com o Bazuca sobre o que é patriotismo de verdade, sobre o que é ser um extremista... e lá vamos nós de novo para a mudança da vez.

Capitão América: Guerra Civil

Nos cinemas, Chris Evans está construindo um Capitão que é muito legal. Que tem muita personalidade. Que é um líder natural, nobre, honrado, que vale a pena ser seguido. Uma verdadeira inspiração. Ele tem defeitos, claro. Não é perfeito. Mas não baixa nunca a cabeça. Um Capitão que, inspirado justamente no herói da fase escrita por Ed Brubaker, representa os ideais de um país, de uma nação, e não de um governo. Um Capitão que se recusa a ser manipulado pelos políticos da vez. Alguns grandes amigos, que tinham bode do personagem justamente porque ele era um cara que andava por aí vestindo a bandeira dos EUA, vieram me dizer “uau, ele é bem mais foda do que eu imaginava”. Depois de assistir a um filme como Guerra Civil, dá gosto de dizer que a gente é #TeamCap, sabe?

Talvez a última vez em que vimos um Steve Rogers assim nos quadrinhos foi por volta de 2012, naquele momento Vingadores vs X-Men, tendo que encarar um Scott Summers em plena transformação de Martin Luther King em Malcolm X. O Capitão América percebeu o quanto vinha negligenciando a situação dos mutantes e entendeu que precisava mudar. E mudou.

Captain America

Quando o Steve Rogers envelheceu, então, a Marvel teve a brilhante ideia de começar a retratá-lo como um velho babaca e ranzinza. Ficou absolutamente insuportável. E no meio de um novo conflito com Tony Stark, em meio a uma crise global por conta das incursões entre dimensões, o Capitão América passou a se comportar como um reaça dos mais escrotos. No fim das contas, acho que é por isso que o Falcão como Capitão América funcionou tão bem: porque ele é o Capitão América. Mais do que o Steve Rogers dos gibis vem sendo. Sam Wilson tem a sua personalidade, é um cara diferente do amigo Steve, tem uma trajetória bem diferente. Mas, ainda assim, quando vestiu o manto e empunhou o escudo, ele passou, a seu modo, a representar um símbolo de liberdade e esperança que é a essência do herói.

Sam Wilson é o Capitão do Obama, dos Democratas. Steve Rogers começou a ser retratado como o Capitão do Trump. Os dois, de uma certa forma, representam a América. Pode até ser. Mas eu gostaria, de verdade, de poder ver nos gibis um Steve Rogers um pouco mais como o do cinema. Assim como, por mais que surjam clones, robôs, impostores e vilões disfarçados, em um determinado momento o Homem-Aranha que a gente conhece e ama sempre volta. E fica por aí pra gente curtir pelo menos por um tempinho, até inventarem o próximo golpe publicitário da vez.

No twitter, o próprio Chris Evans se questionou: “Hydra?”, usando a hashtag #sayitaintso. Olha só, Chris, é verdade sim. Pelo menos por enquanto. E pelo menos para este Capitão. Que o SEU Capitão América pelo menos seja aquele que possa dizer “Avante Vingadores!” com o peito aberto, como a gente espera toda vez.