Todos os Dias a Cerveja Salva Minha Vida, das Velhas Virgens: bom disco, mas faltou uma generosa dose de sacanagem | JUDAO.com.br

E justamente no álbum que foi financiado pelos próprios fãs? Aí, não, né?

Chega a ser, no mínimo, um contrassenso que o mais recente disco das Velhas Virgens, Todos os Dias a Cerveja Salva Minha Vida, seja justamente o mais irregular desde que a banda iniciou uma nova fase com o ótimo Cubanajarra, de 2006. Afinal, ele foi inteiramente financiado por seus fãs, via crowdfunding. Era de se supor que um disco feito com a ajuda dos fãs fosse totalmente dedicado ao que os fãs esperam da banda. Mas, infelizmente, não foi o que aconteceu.

Embora não seja, claro, um álbum metido a certinho e comportado como o fraco Com A Cabeça No Lugar (2003), ele também está anos-luz longe do poderio de Ninguém Beija Como As Lésbicas (2009), o lançamento anterior, melhor peça da sua discografia e cristalização do modus operandi do grupo.

Tá bom, a bolacha abre com a faixa-título, uma rendição ao personagem Charlie Harper, o boêmio bagaceiro e inveterado vivido por Charlie Sheen na série Two and a Half Men. Legal, começamos bem. Logo depois, vem o refrão contagiante e pouco sutil de Pau no meu Cu, questionamento sobre um relacionamento falido com uma mulher insuportável. Legal, estamos indo bem. Mas, eis que na sequência, a coisa começa a desandar, entre altos e baixos.

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Antes, falemos dos altos. Em Matadora de Aluguel, de sotaque quase mexicano, Juju ganha mais uma música só sua, na qual apresenta a letal mulher vingativa que será a sua persona de palco. O mesmo vale para Kid Marreta, apresentação do novo personagem de Paulão em tom de poesia de cordel, com melodia tipicamente nordestina, a jornada de um boxeador que se mete com a pessoa errada e acaba se dando mal. Uma espécie de Faroeste Caboclo pessoal das Velhas, guardadas as devidas proporções.

Vale menção ainda a ótima O que seria do rock, um ode das Velhas ao glam rock, à androginia, a nomes como David Bowie, Gary Glitter, Elton John ou o brasileiro Cornélius Lúcifer, numa pegada absolutamente contrária ao preconceito. Perfeito.

O grande problema? O nível não se mantém. E justamente porque as Velhas parecem querer insistir, nas canções menos inspiradas, num mesmo tema: o coração. Seja o camarada de Eu era mais feliz quando era triste, que teve o amor correspondido e não encontrou o que queria; seja o artista sofredor da balada rasgada Uma lágrima no rosto; seja no dueto de Sexy Hot, revelando um casal repleto de mentiras. Esta última até que é engraçadinha, mas em dado momento acaba perdendo a mão, justamente quando recai nos estereótipos domésticos de todo casal. Nenhuma delas consegue entregar o que promete.

Em Todos os Dias a Cerveja Salva Minha Vida, quando as Velhas resolvem que vão falar sobre o coração, parece que não conseguem encontrar o tom certo, como foi na sensacional Não vale nada, até hoje um de seus hinos e grande momento de suas apresentações. É mais do que ser romântico. É ser um romântico mais sujo, menos óbvio, mais centro da cidade e menos Vila Madalena.

No geral, faltou um pouco mais de sacanagem, de fuleiragem, do sabor politicamente incorreto que é a cara da banda, que caracteriza o tipo de música que se espera que só as Velhas consigam fazer e cantar. Em termos de sonoridade, senti um pouco de falta dos flertes com aquele blues mais sujo, meio velhaco. O blues-rock Meus problemas com a bebida até que é gostoso, mas resvala novamente neste tom de coração alquebrado, de reclamação, do homem insatisfeito com a dona patroa. O mesmo vale para Você foi feita para mim, outro blues, uma declaração rasgada de um sujeito disposto a se jogar na lama, a se ajoelhar e se tornar alguém diferente apenas para ter o amor de uma mulher. Genérica. Caberia no repertório de qualquer banda. Mas o lance é que as Velhas não são, nem de longe, uma banda qualquer.

Em 2013, como parte de seu projeto Carnavelhas, eles lançaram Bebadoriso, terceiro álbum que mistura rock `n roll com marchinhas de Carnaval. Em cada uma das faixas, dedicada a homenagear um ícone clássico do humor na televisão (dos Trapalhões a Catifunda, passando pela Velha Surda e pelo mestre Zé Bonitinho, perigote das mulheres), é possível sentir claramente o espírito das Velhas que se esperava ouvir em Todos os Dias a Cerveja Salva Minha Vida. Bebadoriso, uma espécie de projeto-paralelo, é muito mais Velhas do que o novo disco da carreira “oficial” das Velhas.

Afinal, como diz a letra de Hino da Eterna Bebedeira: Tem gente que faz música pra falar de amor / Tem gente que faz música pra tentar mudar o mundo / Tem gente que faz música porque dormiu na praça / A gente montou a banda pra transar e beber de graça.

Sacou? :)