Violência simbólica, machismo e Red Dead Redemption 2 | JUDAO.com.br

Vídeos de homens espancando e matando mulheres feministas no jogo estão fazendo um sucesso estrondoso. Mas maior que essa merda toda, somos nós.

Red Dead Redemption 2 tá fazendo barulho desde que foi anunciado lááÁá em 2016. O jogo, que pode ser mais ou menos definido como um GTA no velho oeste, foi lançado no dia 26 de Outubro deste ano e PUTA QUE PARIU, que explosão. Foi o segundo maior final de semana de lançamento de um game, com 725 milhões de dólares faturados em TRÊS dias. Isso significa que tem muita gente jogando. E, bem, muita gente fazendo MERDA.

A história de Red Dead Redemption 2 se passa nos Estados Unidos de 1899. O movimento das sufragistas, mulheres que queriam o LOUCO direito de votar, já tinha se iniciado na Nova Zelândia alguns anos antes e essa onda tava tomando a cabeça de algumas ativistas americanas que sacaram que tava na hora de pedir para ter mais espaço e mais equidade nas atividades sociais, coisa que só chegaria 20 anos depois (!). Por isso, em alguns cenários do mapa de RDR2, essas senhoras e moças aparecem ao lado de cartazes pedindo pelo voto feminino e falando coisas tipo “abaixo à discriminação”. Mas como a masculinidade é um bagulho FRÁGIL DEMAIS, existem alguns jogadores que estão se divertindo horrores BATENDO, torturando e matando essas personagens.

Um YouTuber chamado Shirrako subiu um vídeo em seu canal chamado “Batendo na feminista chata”. Em uma certa missão, há uma dessas sufragistas gritando e protestando, o que foi considerado “chato”. Então, Shirrako faz seu personagem andar até ela e dá um soco em seu rosto, fazendo-a desmaiar. De acordo com a Vice, isso foi postado em 28 de outubro e contava com mais de 1,2 milhões de visualizações.

Também em entrevista à Vice, o cara afirmou que era só um “momento engraçado” de suas transmissões ao vivo. “Não sei se foi intencional, mas a Rockstar Games fez essa NPC ser bem irritante. Quando você tenta parar para comprar roupas no jogo, seu diálogo com o dono da loja fica sendo interrompido pelos gritos delas, e eu queria fazer compras em paz”. O canal do rapaz e todo o seu conteúdo foram retirados do ar pelo próprio YouTube recentemente, mas isso não significa que ZILHARES de outros canais não estejam replicando seus vídeos e ações. Feminista vagabunda chata ganha exatamente o que merece – um tributo a Shirrako, Usando uma feminista para alimentar um jacaré e Jogando uma feminista no inferno e matando o demônio são alguns exemplos dos reuploads existentes com milhares de visualizações.

Os comentários, então… Num desses vídeos, o usuário Ishaan Nidharia diz que poupou “essa mulher mais cedo, mas agora irei laçá-la e arrastá-la pelo mapa inteiro”. Outro, Whiskey2, diz “oh, ficaram bravos porque ele atirou em alguns pixels!”. Mas aí chega um terceiro, Gabriel Lopes, e prova todo o nosso ponto: “Eu faria isso na vida real”.

Eu faria isso na vida real

Talvez, agora, você esteja pensando sobre como é um monte de criança falando besteira na internet e que isso não é real o suficiente pra gerar preocupação. E se estiver mesmo, posso apostar que você é um homem.

A opção de resolver as coisas com violência na franquia Red Dead Redemption é antiga. No jogo, no entanto, quando você mata civis sem motivo, sua “honra” diminui, o que pode ser bem problemático dependendo do seu estilo de gameplay — a não ser que você mate membros da Ku Klux Klan. Mas, entenda: é um mundo feito para ser o MAIS realista possível, com consequências para ações que interferem na sua jornada. Talvez a opção de bater em mulheres não seja uma boa, mas a Rockstar, desenvolvedora do título, talvez tenha contado com o bom senso do pessoal.

Mas deveria ter visto essa chegando, sinceramente.

A gente já tá careca de saber dos problemas de machismo na comunidade gamer, de como esse ambiente é controlado por homens-bebê que não podem ver o seu mundo de privilégios ser abalado que chora, esperneia e tem ataques violentos; que não pode lidar com uma mulher gritando em um videogame; que não pode lidar com nada que tire seu posto de rei. Agressão às mulheres é um problema da vida real. Estupro, tortura física, psicológica, cerceamento de direitos, controle da vida financeira, tentativa de isolamento de mulheres de sua família e amigos… isso é de verdade. E isso acontecer no jogo é um REFLEXO. É pra extravasar. Pra por uma feminista “em seu lugar” ali, no conforto do seu sofá, sem ter que ouvir um “sermão” por estar sendo violento.

Mas adivinha só: INFELIZMENTE pra eles, felizmente pra nós, o feminismo não é uma modinha. Não é uma coisa feita para irritar ou fazer birra. É um movimento antigo de força, luta e união entre pessoas que se protegem e querem garantir direitos básicos. Querem poder andar na rua sem medo de qualquer tipo de violência. Que querem acabar com uma sociedade machista cheia de homens que acham que bater em uma mulher é só “um momento engraçado”. Que acham que podem nos intimidar. Que querem nos encolher, anular, reduzir. Que sejamos úteis pra eles, escravas, sempre jovens, magras e, claro, caladinhas.

Esse tempo já passou, meus amigos. E eu me delicio em dizer: nós não temos medo de brigar pra continuarmos vivas. E não temos medo de vocês. :)