A edição deste ano do maior festival de animação das Américas e um dos mais importantes do mundo, instituição cultural brasileira que existe há quase três décadas, perde o principal patrocínio e agora corre o risco de não existir — a não ser que a galera do financiamento coletivo se anime
A palavra “desmanche” pode estar relacionada a muitas coisas quando a gente fala sobre este ~governo atualmente em atividade na nossa terrinha — e uma das áreas já diretamente afetadas é justamente a cultura. Além de cumprir uma promessa de campanha e extinguir o Ministério da Cultura (Minc), o digníssimo mandatário passou a tesoura no patrocínio de 13 projetos culturais que a Petrobras apoiava historicamente. E a gente não tá falando de coisa pouca, não, estamos falando de iniciativas como Festival do Rio, Mostra de Cinema de São Paulo e o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, só pra ficar na Sétima Arte.
“A Petrobras está revisando sua política de patrocínios para readequar seu orçamento e em alinhamento ao posicionamento de marca da empresa, com intenção de maior foco nos segmentos de ciência, tecnologia e educação, principalmente infantil”, afirmou o comunicado oficial da estatal. Se não ficou claro pra você, tudo bem, depois o tio desenha e explica direitinho, tá?
Mas por falar em “desenho”, aliás, um dos projetos estrangulados foi justamente o Anima Mundi, festival internacional de animação que é o maior das Américas e um dos mais importantes do cenário cinematográfico mundial. Patrocinado via Petrobras Cultural desde 1997, o evento que costuma acontecer anualmente em São Paulo e no Rio de Janeiro traz sempre um panorama com o que há de melhor na produção do gênero, privilegiando a diversidade e pluralidade de temáticas, técnicas e narrativas e dando espaço não apenas para profissionais mas também para iniciantes.
É mais do que só uma mostra de desenhos animados, mas também uma referência no setor e combustível para toda uma indústria, revelando para o mercado nomes como os hoje consagrados Carlos Saldanha (criador da franquia A Era do Gelo) e Alê Abreu (do indicado ao Oscar O Menino e o Mundo).
E agora, para a edição 2019 acontecer, o Anima Mundi pede socorro. Aliás, não, socorro não: pede ajuda. “Todo grande movimento vem da paixão e da união coletiva de interesses. Foi assim que o Anima Mundi nasceu – da paixão pela animação e da possibilidade de espalhar a Alma do Mundo pelo Brasil, unindo todos que admiram a capacidade ilimitada do ser humano de contar histórias, recriando a nossa realidade com beleza e movimento”, dizem os organizadores na apresentação de seu projeto de financiamento coletivo.
Com a campanha no site Benfeitoria, permitindo colaborar com valores que variam entre R$ 20 e R$ 20.000 (vai que...?), eles têm uma meta inicial de R$ 400.000 para garantir que a mostra possa continuar tendo suas edições paulista e carioca, cinco dias cada uma. O ponto é que faltam menos de 20 dias pra campanha acabar e eles ainda não conseguiram chegar nem na metade da meta... :(
A ideia original dos organizadores aqui é ter aproximadamente 300 filmes nacionais e internacionais sendo exibidos sempre a preços populares, entre curtas e longas metragens, todos selecionados pelos diretores/curadores do Festival e dividido em categorias competitivas ou não competitivas.
Se chegarem a R$ 600.000, então, eles querem realizar também edições do chamado Papo Animado, trazendo conceituadas personalidades do mundo da animação para apresentar pessoalmente suas obras e então ter a chance de discutir com o público em sessões especiais. Mas se chegarem então a R$ 800.000, então SP vai receber o Anima Forum, focado no fomento e na profissionalização da animação, que funciona como ponto de convergência entre profissionais do setor brasileiros e estrangeiros, trazendo palestras, rodadas de negócios, masterclasses, mesas redondas, conversas...
“Você sabia que o Festival Anima Mundi tem uma operação de janeiro a janeiro?”, fazem questão de explicar eles na página do financiamento. “Trabalhamos o ano inteiro para realizar essa grande festa da animação! Começamos nosso processo de inscrições em novembro, nossa curadoria vai de março a maio e a nossa produção é de janeiro a janeiro”. Quem trabalha com cultura, sabe, também tá trabalhando, né?
Criado lá em 1993 pelo quarteto Aída Queiroz, Cesar Coelho, Lea Zagury e Marcos Magalhães ironicamente em um cenário cultural árido no país devido ao fim dos incentivos à produção audiovisual graças à extinção da Embrafilme pelo Governo Collor (ora, ora, ora), o primeiro Anima Mundi, ainda com o nome de Festival Internacional de Animação do Brasil, teve exibições em duas pequenas salas com no máximo 90 lugares.
Mas desde a edição inaugural, o festival também se focou em algo ainda maior e mais amplo do que mostrar os filmes ao público, mas também mostrar COMO os filmes eram feitos para as hoje mais de 50.000 pessoas que passam por sua programação. Tudo graças às oficinas abertas e gratuitas do chamado Estúdio Aberto. Nestas atividades, tanto adultos quanto crianças podem experimentar criar imagens animadas, trabalhando com fotografia quadro a quadro, animação de massinha ou ainda vendo pela primeira vez, em pessoa, um zootrópio — no caso, o clássico cilindro giratório perfurado em cujo interior temos diversas figuras em sequência e que, quando vistas através de uma série de fendas, dão a nítida impressão de animação.
Além disso, importante ressaltar aqui também, o Anima Mundi realiza o Anima Escola, projeto itinerante que busca levar a linguagem da animação como ferramenta pedagógica para a sala de aula. Até o momento, já capacitou mais de 12 mil professores para trabalhar animação em sala de aula junto a cerca de 2.500 estudantes.
Isso é mais do que diversão. Isso é CULTURA. E a gente sabe bem onde quer chegar um governo que demonstra pouca importância para a cultura, não é mesmo?