A cidade que mudou o mundo, sempre mudando, mudou também a maneira como eu enxergo o mundo
Durante uns 40 dias, entre Abril e Maio de 2014, eu abandonei o JUDÃO e saí viajando pelo Mundo. Doeu no coração, mas era uma daquelas oportunidades de vida — profissional e pessoal — que surgem uma vez a cada trinta anos ou menos. Fui pra Argentina, EUA, Espanha, Alemanha, Inglaterra, Qatar, Hong Kong, Austrália e Chile e, agora, vou tentar dividir com vocês um pouco de tudo o que conheci, ouvi, vi e senti — tirando essa maldita dor no joelho que me acompanha até agora. :D
A parada #4 foi na Alemanha.
Eu já falei isso aqui: uma das coisas que mais gosto de fazer quando viajo é entrar de cabeça na cultura local — e a língua faz parte disso. Mas na Alemanha, putaquemepariu, que língua difícil tem esse país. Me pareceu inteligente na hora de formar palavras — eu juro que consegui ler um anúncio de aulas de defesa pessoal, no metrô — mas é pra deixar a cabeça doendo na hora de tentar entender ou falar. A sorte é que, pelo menos em Berlin, todos falam inglês.
Quer dizer, não é que todos faaaalam inglês tranquilamente, mas todos entendem o NECESSÁRIO. Toda vez que eu dizia um “english please” uma fadinha morria, eu sei disso. Pelo menos eu ter conseguido começar com o “Hallo”, o “oi” deles, e terminar com “Danke”, obrigado, já demonstra que pelo menos você se preocupa com isso e facilita um bom tanto as coisas, fazendo com que os Berliners sejam um pouco mais simpáticos com você. Não que não sejam normalmente, mas... Sabe? Um vendedor de milk shakes, no parque de diversões montado atrás do Brandenburger Tor (ou Portão de Brandemburgo, se preferir), até ensinou a dizer que tava gostoso... Mas eu não faço a menor ideia de onde é que essa informação foi parar dentro do meu cérebro.
Uma vez, uma amiga que morou um tempo por lá me disse que Berlin é ainda superior ao “english please”, contando a história de um amigo dela que, só pra provar um ponto, entrou num lugar, pediu uma baguete com sei lá o quê, tudo em português, e foi devidamente atendido.
Eu preferi não arriscar, mas é fato que, se eu morasse por lá, abriria uma HAMBURGUERIA ali na frente do TOR e chamaria de Brandemburger. Só porque sim... ;D
Além do jeito de se comunicar e da capacidade de conseguir enxergar ao máximo aquele lugar como um local enxerga, a comida talvez seja a maior UNIDADE cultural dos lugares. Na Argentina é o churrasco (com destaque pra Pizza!), nos EUA é o hambúrguer, na Espanha são as “tapas” e na Alemanha é o famooooso salsichão. Na realidade, eles são muito de comida de porco em geral, inclusive o joelho do bicho, mas o tal salsichão, servido de diversas maneiras... Cara, que COISA GOSTOSA. :D
Numa feirinha, perto de Alexanderplatz, experimentei o hotdog deles — que é com um pão mais crocante e uma salsicha que caberia em mais outros dois pães, delicioso; no jantar, naquele mesmo dia, mas num bar do centro, experimentei o famoso Currywurst, que é um salsichão com molho curry e batatas fritas. Mas não as batatas que você tá acostumado. AS batatas fritas. :D
O joelho de porco ficou pra quando eu voltar (eu, em minha auto-preservação estomacal durante uma viagem de 40+ dias, evitei), mas não foi a última coisa do bicho que comi. No dia seguinte, a Renata Xu, brasileira leitora do JUDÃO que mora em Berlin há uns dois anos, me levou no Markthalle Neun, que fica em Kreuzberg, um bairro que está se tornando o ~POINT DA JUVENTUDE (e que eu, ao escrever isso, perdi oficialmente o direito de frequentar).
É um lugar que quase só moradores da região conhecem e frequentam. É mais ou menos como um Mercadão ou uma enorme praça de alimentação onde você pode comprar cerveja num canto (e levar o copo por €1, ou devolver e receber esse valor de volta), um doce em outro e, o que eu fiz, um lanche de carne de porco desfiada com rúcula.
RAPAZ... :D
Depois, a Xu me levou até o Spreepark, que fica dentro de um outro parque, o Treptower Park (park, parque, park), a uma LONGA caminhada de distância. O Spreepark (park, parque, park, park) é um parque (park, parque, park, park, parque) de diversões que foi aberto nos anos 60, recebeu muitos visitantes... Mas, com a unificação das Alemanhas, acabou ficando esquecido, esquecido... Até que foi fechado. Como até 2061, naquele lugar, só pode existir parque (cansei) e não há a opção de construir um prédio, um shopping, ou sei lá, os donos simplesmente abandonaram do jeito que estava.
O mato tomou conta, o tempo fez o seu trabalho... E o Spreepark se tornou um lugar bizarramente bonito. Hoje em dia eles exploram com um trenzinho, que dá uma volta por todo o parque, custando €2, e alguns bares e até uma área com coisas pra crianças. Mas não é sempre que está aberto e, especialmente no frio, o lugar ganha ares assustadores, com tanto silêncio e barulhos que o vento faz. E quem me disse isso foi a própria Xu, que teve sua primeira experiência lá dentro pulando o alambrado, num dia de MUITO frio.
Eu não conseguiria pular alambrado e agradeci muito o trenzinho depois de toda aquela caminhada, mas e a masoquista vontade de voltar lá só pra isso? :D
O Spreepark também é um sinal do que é Berlin. Um bom resumo: uma cidade que foi o centro de tanta coisa ruim e faz questão de esfregar na própria cara esse passado pra poder seguir em frente.
Por exemplo, o Topography of Terror, um museu a céu aberto num lugar que junta um pedaço do Muro de Berlin praticamente intacto e bunkers usados pela Gestapo pra contar toda a história — e o Terror — do Partido Nazista, o período que Hitler esteve no poder, a Guerra e a separação da cidade e do país. É muito, muito triste. Ao mesmo tempo, lindo ver como eles fazem questão de não esquecer nada pra se tornarem um povo melhor.
Outro exemplo é o relógio da Biblioteca da Humboldt Universitaet, parado, pra lembrar do horário exato em que os Nazistas começaram a queimar livros por lá e em tantas outras universidades. Tem também a fachada de uma estação de trem bombardeada, bem perto do meu hotel e na frente da estação Anhalter Bahnhof — de lá saíam “deportados” pra Auschwitz...
Para onde quer que você olhe, em Berlim, você enxerga esse senso de comunidade, que é MUITO forte na cidade. De comunidade e liberdade.
Em Berlin, a rua é da galera. Grafite em todo e qualquer muro, bem como stickers e pôsteres de shows e... e até os próprios shows. Em várias estações de metrô tinha lá, uma banda ou uma pessoa, com uma mala aberta cheia de CDs sendo vendidos, um microfone, violão e amplificador, tocando. A polícia, nesse caso, até pode impedir os shows, que são tranquilamente encerrados — e reiniciados em outro lugar. A Alice, por exemplo, encontrei tocando na estação perto do Spreepark e depois, mais tranquila, no East-Side Gallery (você já viu vários dos murais... E se for lá talvez encontre meu nome...), na beira do rio Spree. Era um sábado, fim de tarde...
<3
O metrô não tem catracas — e todos compram seus ingressos normal e honestamente; não há escadas rolantes e nem nada que te faça ficar parado (o que, confesso, gostei mais na teoria); não há um horário limite para as coisas terminarem — há festas começando às 5 da manhã e durando dias; pessoal pode comprar cerveja no metrô e beber pela rua, como se fosse um copo d’água; nos restaurantes geralmente existem mesas e bancos enormes, pra todo mundo sentar junto (e, se quiser, conhecer pessoas de todos os lugares do mundo); nos restaurantes, aliás, você invariavelmente encontra cachorros, quietinhos, enquanto seus donos comem e bebem; os parques, sempre recheados de gente, parecem absurdamente silenciosos, provando o respeito de cada um com o outro; nada por lá é muito caro... E por aí vai. Os exemplos estão em todos os lados. A cidade não esconde tudo de ruim pelo que passou e enfrenta de cabeça erguida.
Sete a um não foi nada.
Se Madrid me surpreendeu por ser um mundo completamente novo, Berlin se mostrou o mundo IDEAL. Eu não sei como é o país politicamente, e não é o que me interessa agora. Mas Berlin me fez enxergar coisas que eu jamais pensava que existiriam.
Essa cidade mudou e agora, um ano depois, continua me fazendo repensar (e muito) a minha vida. Vielen danke, Berlin.