Voz que você deveria ouvir neste Dia do Rock (ou qualquer outro): Jorn Lande | JUDAO.com.br

Com um timbre que mistura um pouco de Ronnie James Dio com uma pitada de David Coverdale, o vocalista norueguês é uma das vozes mais vigorosas e interessantes da música pesada contemporânea

“Maluco, você que manja destas paradas de metal, me fala quem era aquele cantor loiro? Um meio nórdico, com cara de demônio e voz do próprio Satanás? Achei muito foda!”. Esta pergunta veio diretamente de um amigo que esteve, em agosto do ano passado, no Allianz Parque, em SP, para a final do CBLoL, o campeonato brasileiro de League of Legends. O vocalista ao qual ele se referia é o norueguês Jorn Lande, convidado pela Riot Games para dar voz à banda fictícia Pentakill, baseada nos conceitos e temas da história e dos personagens de LOL. E, sim, ele estava certíssimo, porque Jorn Lande é muito foda.

Aliás, como o Jorn é, de longe, uma das vozes roqueiras que mais tenho curtido ouvir nos últimos anos, logo me empolguei com a pergunta do camarada e mandei para ele uma playlist enorme. Porque, afinal, além de sua carreira-solo, o sujeito se envolveu (e ainda se envolve, vamos combinar) com dezenas de bandas/projetos diferentes, seja como vocalista convidado, seja como coautor, enfim. O que não falta é chance de conhecer um pouco mais do trabalho do cara.

Aos 48 anos, nascido na pequena cidade norueguesa de Rjukan (que, com seus pouco mais de 3.500 habitantes, ficou famosa por construir seu próprio sol feito de espelhos), Lande vem sendo descrito pela crítica especializada – aka Blabbermouth, por exemplo — como “o principal produto musical de exportação da Noruega desde o a-ha”. Exageros à parte, ele conta em entrevista ao Ytsejam, que grande parte de sua influência roqueira começou com seu pai. “Lembro de quando ele chegou em casa, em 1973, com o disco Ballroom Blitz (do Sweet) e eu ficava tocando aquele single repetidas vezes, sem parar”, diz.

“Enquanto meus amigos escutavam músicas de contos de fadas ou coisas da Disney, eu estava ouvindo Uriah Heep”, conta ele. Logo, aos 9 anos de idade, o pequeno Jorn tentaria enfiar as caras em sua primeira banda, ao lado de um monte de moleques com seus 14/15 anos. “Tentei cantar coisas do Jethro Tull, Deep Purple. Fizemos alguns shows. Mas eu era jovem demais para ter uma carreira ali”. TALVEZ fosse mesmo... :P

O fato é que a carreira dele começou a decolar DE FATO por volta do começo da década de 1990, quando se tornou parte do Vagabond, banda que reunia alguns integrantes da lendária banda de hard rock local TNT. Apesar do grupo ter durado pouco, apenas dois álbuns antes da dissolução causada justamente pelo retorno do TNT em 1996, sua presença ao lado dos caras lhe deu visibilidade o bastante para ser escolhido como cantor de Alt for Norge (Todos pela Noruega), música-tema da seleção norueguesa de futebol durante a Copa do Mundo de 1994.

Antes de chegar aos 30, Jorn já tinha então passado por outras duas bandas: The Snakes, junto com dois ex-integrantes do Whitesnake, os guitarristas Micky Moody e Bernie Marsden, e na qual cantavam...covers do Whitesnake (algo que se tornaria recorrente em sua vida, aliás, graças ao tom semelhante do do Coverdale); e a banda de metal sinfônico Mundanus Imperium. Ambas soltaram disco, mas Jorn não duraria nem um pouco em nenhuma das duas. O primeiro ápice de sua trajetória se daria em 1999, com a estreia autointitulada do Ark, excelente banda de metal progressivo que formou ao lado de Tore Østby (guitarra) e John Macaluso (bateria). Foi neste momento que o mundinho do metal passou a prestar atenção de verdade no talento de Jorn, que sabia alternar com maestria momentos melódicos e outros mais agressivos.

Também foi graças ao Ark que o cantor gravou os vocais para o Millenium, banda norte-americana de hard rock do guitarrista Ralph Santolla, e acabou recebendo a indicação, vinda do próprio colega Macaluso, para ser o cantor da turnê de ninguém menos do que o cultuado guitarrista Yngwie Malmsteen na Europa.

O caso é que Malmsteen, como os fãs bem sabem, é sujeito de personalidade forte, cabeça-quente e brigão. Assim que topou de frente com Jorn Lande, outro esquentadinho por natureza, os santos não bateram e a treta começou. Do lado de Jorn, “pagamentos atrasados, comportamento inadequado da família de Malmsteen nos bastidores, brigas que quase foram pra agressão física”. Yngwie nega tudo, diz que Jorn não foi profissional, que se comprometeu com a turnê toda mas já tinha outros compromissos em mente. Resultado? O vocalista abandonou a série de shows na metade e, desde então, ambos não perdem a chance de cutucar um ao outro em declarações pela imprensa.

Também no ano 2000, Jorn inauguraria uma bem-sucedida carreira solo: seu primeiro disco, Starfire, é uma amostra perfeita do que se pode encontrar em seus outros sete vindouros álbuns de estúdio, com um hard geralmente flertando com o metal mais melódico e, claro, as suas já conhecidas versões. O camarada ama um cover — e faz isso como ninguém, seja inspirado em uma banda que ama do universo do rock (como o próprio Whitesnake, o Deep Purple, o Black Sabbath, a trajetória solo de Ronnie James Dio), seja dando uma “metalizada” em faixas mais pop, o resultado é quase sempre uma delícia.

Basta ouvir o recém-lançado Heavy Rock Radio, no qual ele faz suas juras de amor a nomes como Kate Bush (Running Up That Hill), Rev On The Red Line (Foreigner), Journey (Don’t Stop Believin’), Queen (Killer Queen) e The Eagles (Hotel California, claro), entre outros. Um dos meus discos favoritos de 2016 até agora. <3

A grande chance da vida de Jorn, mais até do que sua passagem breve pelos palcos com o superstar Malmsteen, rolaria em 2002, quando foi convidado para se juntar ao Masterplan, banda de power metal forjada por Roland Grapow (guitarrista) e Uli Kusch (baterista), ambos saídos do Helloween. O grupo se tornou uma espécie de sensação na época e fez uma série de apresentações, solo e em festivais, ao redor do mundo. O nome de Jorn Lande estava definitivamente lançado globalmente. Os dois primeiros discos, o autointitulado de 2003 e Aeronautics, de 2005, são produções impecáveis para quem curte o tal do metal melódico, com hits de refrão fácil e guitarras cantantes. E foi aí que o bicho pegou.

Quatro anos depois, Lande queria que a sonoridade do Masterplan seguisse nesta pegada, enquanto o restante dos caras queria um lance mais pesado. Lande estava fora. Eles até ensaiaram um retorno às boas em 2010, quando Jorn voltou para ser o cantor do disco Time to Be King, mas alguma coisa ali não deu liga, o resultado ficou bem abaixo do esperado (para não dizer “ruim pra porra”) e ele sairia da formação mais uma vez, reza a lenda que agora em definitivo.

Além de sua carreira solo, é possível ouvir Jorn Lande em dois projetos recorrentes. O primeiro deles, uma invenção do presidente da gravadora Frontiers Records, é o Allen-Lande, no qual divide os vocais com o igualmente talentoso Russell Allen, do Symphony X. Numa pegada de metal mais tradicional (sintam a ironia, Masterplan) só que dando uma namorada com o progressivo, o álbum mais recente, The Great Divide (2014), traz canções escritas pelo finlandês Timo Tolkki, o pirado ex-guitarrista do Stratovarius, que entra no lugar de Magnus Karlsson – o sueco atualmente trabalhando com o Primal Fear e responsável pela trilogia de sucesso The Battle, The Revenge e The Showdown.

Outro lugar no qual é comum escutar Lande cantando é nos discos do Avantasia. Convidado por Tobias Sammet desde o obrigatório The Scarecrow, de 2008, no qual simplesmente roubou a cena, o cantor vem se tornando presença quase que obrigatória, tanto quanto o próprio Michael Kiske, não apenas nas gravações de estúdio mas também nas turnês ao vivo. Aliás, o norueguês parece ter ficado tão empolgado com o conceito de metal opera do amigo alemão que, ano passado, soltou o excelente álbum conceitual Swing Of Death, sua parceria com o guitarrista Trond Holter (Wig Wam) para contar a história do vampiro Drácula.

Esta coisa de participar de um monte de projetos e estar em 385 bandas diferentes fez com que ele ganhasse, da galera da Radio Metal, o apelido de “nômade”. Mas ele nega que as muitas mudanças, inclusive na formação de sua banda solo, sejam por ser um sujeito difícil de trabalhar. “Não, nada disso. Pergunte pras pessoas com quem eu trabalho e já trabalhei, para ver o que elas dizem”.

Pra ele, é assim: estava funcionando, parou de funcionar, não tinha mais química, não tinha porque diabos forçar a barra. Porque, para Jorn, trabalho tem a ver com amor. E não dá pra perder tempo com algo que não se ama. “Acho que é isso que estou fazendo: vivendo uma boa vida fazendo música. Você tem seus sonhos, você tem coisas que quer fazer da vida e o tempo passa. Você chega nos 40 e logo saca que, em duas décadas, terá 60. O tempo está passando e você percebe que quer continuar fazendo só o que você ama. Você faz planos e encontra uma estratégia para fazê-los acontecer”.