Para vocês, deixo apenas duas palavras: “arqueiro” e “verde”.
O telespectador fiel do canal de TV por assinatura Warner Channel com certeza percebeu uma sutil mudança nos anúncios que a emissora vem fazendo para alardear os novos episódios de sua programação de séries e também suas estreias, que começam a ser exibidos a partir desta segunda-feira, dia 21. Os títulos das comédias, anteriormente tratados apenas na versão original em inglês, ganharam inesperadas traduções em português.
Um exemplo sintomático é o da série 2 Broke Girls, cuja terceira temporada enfim vai ganhar as telinhas do canal – o “enfim” tem motivo, já que esta temporada teve seu último episódio, de número 24, exibido no começo do mês de maio, lá nos EUA. Além da demora, as aventuras das garçonetes falidas Max e Caroline passaram a ser tratadas oficialmente como Duas Garotas em Apuros. Enquanto você fica aí pensando em como este título poderia ser mais clichê (Duas Garotas Numa Fria? Duas Garotas do Barulho? Duas Garotas Muito Loucas?), eu te explico que este é o mesmo nome de batismo que pode ser ouvido na versão dublada exibida pelo SBT.
Mas não parou aí: The Middle, por exemplo, ganhou o subtítulo “No Meio do Nada” (variação de “Uma Família no Meio do Nada”, na versão dublada que se pode ver nas madrugadas da TV aberta do Seu Silvio Santos) e duas novas séries passaram a ser mencionadas apenas e tão somente no nosso idioma pátrio. Ground Floor, nova criação de Bill Lawrence (Scrubs) passou a ser chamada de O Andar de Baixo, enquanto sua outra cria, Undateable, tornou-se Os Impegáveis – talvez um dos títulos mais esquisitos e difíceis de degustar que já vi nestes bons anos de mundo do entretenimento. E olha que os leitores do JUDÃO já sabem de meu passado como “batizador de títulos de filmes em português”. :)
Nada aconteceu, no entanto, com sucessos do calibre de Two and a Half Men e The Big Bang Theory. Até o momento. Mas a reação já pode ser vista nos comentários da página do canal no Facebook. “Por que a Warner começou a traduzir tudo agora?”, questiona Leonardo Marchiori. “Já tá ‘paia’ para dar subtítulos em português”, brinca Paulo W. Barbosa. E ao comentar num post a respeito de 2 Broke Girls, Isnael Jesus Coutinho levanta a bola que vem deixando grande parte dos fãs com uma pulga atrás da orelha: “não é dublada, hein, Warner? Esta mania de dublar as séries tá dose”.
Esta postura talvez signifique, sim, um passo do canal em direção ao mundo das séries forçosamente dubladas, postura que tem foco na popularização da TV por assinatura e que tanto desagrada aos fanáticos mais dedicados do mundo dos seriados. Até bem pouco tempo, o Warner Channel vinha sendo uma espécie de herói da resistência, fiel à descrição que usa em suas comunicações com a imprensa: todas as séries são transmitidas em seu idioma original (inglês) e com legendas em português, enquanto os filmes são transmitidos dublados ou em seu idioma original (dependendo da disponibilidade da operadora). É bom que se diga, no entanto, que o “vinha” deve ser usado, de fato, no passado.
Antes de passar para o controle da nova MTV, a série The Vampire Diaries vinha sendo alvo de uma experimentação, no período vespertino, com uma exibição dublada de sua temporada mais recente. O séquito de seguidores dos irmãos sugadores de sangue não gostou da notícia e protestou bastante. Mas a Warner Channel não parou de experimentar e, nos últimos meses, usou o horário das 13h para exibir versões dubladas das temporadas anteriores de séries como The Mentalist e Person of Interest. Só que, então, veio a notícia. Depois de um considerável atraso, finalmente o canal decidiu exibir a segunda temporada de Arrow, adaptação dos quadrinhos do Arqueiro Verde, herói da DC Comics. Os novos episódios também são parte do pacote que pode ser visto a partir do dia 21. E, sim, como você já deve suspeitar depois da longa introdução, teremos as aventuras de Oliver Queen dubladas.
Pausa dramática para você xingar à vontade.
“O perfil dos assinantes de TV por assinatura no Brasil tem passado por uma grande transformação nos últimos anos e, obviamente, temos visto o mesmo acontecer com nossos canais”, justificou-se, em nota oficial enviada ao JUDÃO, o Warner Channel. “Entendemos que é preciso que o nosso conteúdo converse de modo cada vez mais abrangente com esse novo público. Por isso, optamos por localizar os títulos das novas séries da Warner Channel em português para atender a essa nova demanda, sem que ocorra nenhum prejuízo a experiência de entretenimento dos espectadores que já acompanham o canal há mais tempo”.
Vale lembrar ainda o que disse em entrevista publicada há cerca de dois anos pelo jornal O Globo Anthony Doyle, vice-presidente da Turner no Brasil – no caso, a empresa que controla atualmente a programação do Warner Channel. “A TV paga já penetrou bem nas classes A e B. O potencial agora está na C e na D”. Ou seja, tudo indica que estejamos diante de uma tendência irrefreável. A Turner aposta em canais como a TNT e o Space, essencialmente dublados e que lutam frente à frente contra emissoras como Fox, Megapix e o Telecine Pipoca por um público interessado em ouvir as vozes dos personagens em português. O engraçado desta história é que, em 2011, o mesmo Doyle, desta vez em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, quis soar como uma voz dissonante: “A TV aberta é que tem de programar para todo mundo. Não adianta a TV paga pensar na mesma audiência, mesma classe, porque estaremos competindo pela mesma pessoa”. As coisas realmente mudam. :)
Desenvolvida pelo criador do site Ligado em Série e apoiada pela Sociedade dos Blogs de Séries, a campanha #DubladoSemOpcaoNao questiona este tipo de estratégia não por preconceito contra a dublagem, mas sim pela falta de liberdade de escolha. “Quando você compra ou aluga um DVD ou Blu-ray, é possível escolher se vai assistir ao conteúdo com áudio original e legendas ou dublado em português”, explica Bruno Carvalho, no texto do post dedicado a lançar a campanha. Logo, seguindo este raciocínio, era de esperar que os canais que decidem exibir as séries dubladas disponibilizassem também a opção legendada e com o áudio original. Mas não é o que acontece sempre, sabemos muito bem.
Uma matéria do Jornal do Comércio expõe a complexidade do assunto. “Tecnicamente disponibilizamos isso para todos, basta o programador mandar. Se os canais nos mandam a legenda e dois áudios, estamos prontos para oferecer as opções em 100% dos canais”, explica o então gerente de marketing da NET, Alessando Maluf. Mas, falando em nome dos canais, Alexandre Annenberg, presidente da ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura), tenta justificar, utilizando o argumento da capacidade dos satélites que transmitem o sinal. “Isso envolve custos adicionais que não são triviais, pois [legenda e áudio] passa a ocupar faixas diferentes da capacidade de transmissão. Se você simultaneamente estiver transmitindo dois filmes, um dublado e um legendado, ocupa um espaço que tem um custo, obviamente, então essas coisas precisam ser avaliadas de uma forma profunda”.
Uma lição, no entanto, precisa ficar de uma vez por todas para o Warner Channel: se você demora exatos NOVE meses para estrear uma série – como aconteceu com Arrow, cuja 2a temporada começou na terra do Tio Sam em outubro do ano passado – não faz qualquer diferença se a sua série é dublada ou legendada. Ela já começa sua carreira na TV sofrendo miseravelmente nas mãos da pirataria, muito mais do que qualquer outra de suas concorrentes. Perguntem pra HBO que eles ensinam para vocês como é que se faz.
#ficaadica