Gigante do e-commerce começa a vender livros físicos no Brasil – e já vai sentindo como é tentar se virar na SELVA que é por aqui
Mais uma barreira caiu. A Amazon começou hoje (21) a vender livros físicos na versão brasileira do site. Apesar de ter atracado oficialmente no País há mais de um ano e meio, apenas e-books eram vendidos pela loja – até ontem. Agora, de forma oficial, a Amazon vai passar a sentir na PELE o que é se aventurar nessa selva que é o mercado brasileiro. Pois é.
Nos EUA e na Europa, a Amazon é famosa por praticar preços realmente menores que os concorrentes, além de ter boas promoções. Tanto é que a empresa mudou a dinâmica desses mercados, pressionando concorrentes para cobrarem ainda menos e diminuírem as margens de lucro. A esperança dos brasileiros é, claro, que aconteça a mesma coisa por aqui. Tanto é que, de acordo com uma matéria publicada hoje no jornal O Estado de S.Paulo, a empresa informou que trabalhará com preços mais baixos que os concorrentes. Pela impressão causada por esse primeiro dia, dá pra dizer que eles conseguiram alcançar e não alcançar esses objetivos – ao mesmo tempo.
Tanto lá fora quanto aqui há jogos de interesses no relacionamento entre editoras e lojistas. Preços são sugeridos, margens de lucro são pré-definidas e por aí vai. Nos EUA, inclusive, a própria Amazon está em uma disputa com a Hachette, uma das maiores publishers do mundo, por conta dos preços de livros e e-books. Basicamente, a loja online quer vender tudo por US$ 9,99, enquanto a editora quer cobrar valores diferentes para cada obra, variando pelo autor, tema, etc. São jogos de interesse que existem também por aqui, e os gringos estão descolados para lidar com isso.
Porém, o Brasil traz outros problemas, muitos relacionados ao comportamento do consumidor final. Uma rápida olhada na Amazon BR fará você perceber que a loja está sim praticando valores ligeiramente menores que os concorrentes diretos, algo como R$ 1, 2 ou 3 a menos. A Culpa é das Estrelas, por exemplo, sai hoje por R$ 17,90 na Amazon, enquanto é vendido por R$ 20,93 na Cultura, R$ 20,27 no Extra, R$ 22,40 na Saraiva e R$ 20,90 na Fnac – enquanto na editora o preço sugerido é de R$ 29,90.
Porém, esse não é o menor preço de nenhuma dessas lojas.
Quem compra algo, hoje, sem pesquisar? Todo mundo vai nesses Buscapés da vida pra ter uma noção de quanto uma coisa custa em cada loja. Legal, né? Sim, e os lojistas sabem disso. Por isso há um monitoramento dos preços praticados lá dentro entre os principais produtos e os maiores e-commerces fazem o chamado “dumping”, ou seja, abaixam artificialmente os valores cobrados, aniquilando lucro e quem sabe até trazendo prejuízo – só pra fazer você entrar lá e comprar o produto ao invés de ir ao concorrente.
Assim, o mesmo A Culpa é das Estrelas sai hoje R$ 15,90 no Extra, quando pesquisado via Buscapé. Na Fnac? R$ 17,90. No final das contas, se você não dança a dança dos seus concorrentes, fica parecendo que seus preços são mais caros – mas, na realidade, os outros são artificialmente baratos.
Outro exemplo: A Guerra dos Tronos, o primeiro volume das Crônicas de Gelo e Fogo. Na Amazon BR custa R$ 25,27, enquanto é vendido por R$ 26,55 no Ponto Frio, R$ 26,70 na Saraiva e R$ 34,93 na Cultura. Porém, os preços via Buscapé são R$ 24,38 pro Ponto Frio e R$ 25,27 pra Saraiva. O valor de tabela original? R$ 49,90.
Não acaba aí. Os lojistas também gastam muito dinheiro com compra de mídia, de publicidade. Usando RTB, cookies e outras ferramentas de publicidade, eles sabem que você visitou aquele livro específico (ou até abandonou o carrinho com ele lá) e podem te oferecer no Facebook o mesmo produto por um preço ainda menor.
São detalhes e nuances de mercado que a Amazon precisa se ligar. Eles podem jogar o mesmo jogo, ou ainda vender os livros AINDA mais baratos logo de cara, estratégia que é a mais justa. Porém, o que fica hoje pro cara que usa o Buscapé é que a Amazon não é a mais barata do nosso mercado, mesmo que, para conseguir isso, os concorrentes estejam utilizando caminhos que não são os mais corretos.
Mas, pelo menos em relação aos livros, a Amazon demonstrou uma vantagem imensa que pode aliviar esses centavos ou poucos reais artificiais: mais de 14.000 livros do catálogo estão disponíveis com o “Leia Enquanto Enviamos”, um esquema que permite que você comece a ler a versão digital do livro físico assim que realiza a compra.
Isso já acontece lá fora com CDs e filmes — você compra a versão física mas já pode ir ouvindo ou assistindo ao filme enquanto espera chegar — e é uma novidade NO MÍNIMO interessante no mercado, especialmente porque você não precisa mais ficar naquelas de comprar o físico porque é mais barato (ou vale mais) que o digital. Compra um, leva o outro.
Outra questão que, nesse momento, está na cabeça dos executivos da Amazon é o pagamento. Brasileiros, diferentemente dos estadunidenses, tem o costume de parcelar “sem juros” uma compra no cartão de crédito, comportamento ligado ao nosso histórico de juros altos, inflação galopante e falta de organização financeira. A venda de livros físicos da Amazon BR chega justamente sem opções de parcelamento – disponível apenas na compra de dispositivos Kindle. Também não há, ainda, a opção de compra por boleto bancário ou do débito em conta. Afinal, diferentemente dos EUA, nem todo mundo aqui tem cartão de crédito. É algo que os gringos vão precisar se adequar se quiserem dominar o mercado daqui, não tem como escapar.
Isso tudo e nem chegamos naqueles velhos problemas brasileiros: dimensões continentais, estradas problemáticas (o que influenciam no custo do frete e no prazo de entrega), a grande quantidade de tributos e impostos, os direitos trabalhistas (que encarecem a mão de obra) e por aí vai... Mas a Amazon sabe se virar, claro – e já está fazendo isso. Começaram oferecendo frete grátis a partir de R$ 69 (num mercado que, cada vez mais, os e-commerces estão abandonando a prática, principalmente fora do Sudeste) e prazo de retorno de 30 dias, caso você não goste do que comprou (no Código de Defesa do Consumidor, o prazo é de 7 dias).
Há muita coisa para aprender com o “jeitinho brasileiro” e o caminho pra Amazon não é fácil, tanto é que Sérgio Herz, presidente da Livraria Cultura, chegou a dizer numa entrevista para o Estadão: “Venha para o inferno conosco, Amazon”.
Bom, já que a loja tem esse nome tão sugestivo... Bem-vinda à selva, Amazon. “We take it day by day. If you want it you’re gonna bleed, but it’s the price you pay”.