Sim, um dos X-Men originais saiu do armário :) | JUDAO.com.br

Revelação feita em All-New X-Men #40 faz todo o sentido para a história que Brian Michael Bendis está contando — e, claro, para o mundo em que vivemos

SPOILER! All-New X-Men #40, gibi que sai essa semana nos EUA, vai encerrar a ótima passagem de Brian Michael Bendis como roteirista dos títulos mutantes. Algumas páginas acabaram indo parar nas internets na tarde desta terça-feira (21), no entanto, e obviamente criou-se mais uma daquelas inflamadas polêmicas entre os fãs. Todo mundo querendo dar sua opinião, os leitores das antigas levantando placas de protesto dizendo que a Marvel não é mais a mesma...

Se você acompanha esta fase dos All-New X-Men, depois que o Fera fez a burrada de trazer os cinco X-Men originais do passado – incluindo a sua própria versão mais jovem – não deve se surpreender com o fato de um dos heróis, em específico, sair do armário. Pense nos cinco membros fundadores dos X-Men e em como eles foram retratados por Bendis recentemente neste lance de viagem no tempo. É, isso mesmo. Viu como você já sabia?

Sim. Bobby Drake, o Homem de Gelo, é gay.

A revelação rola depois que este Bobby, ainda um adolescente, faz mais um de seus comentários sobre como uma de suas colegas de equipe/professoras é gostosona — neste caso em particular, Magia, a irmã de Colossus. Jean Grey, incomodada, chama o colega num canto e dá uma prensa nele. Afinal, não é a primeira vez. Bobby vive fazendo piadinhas exageradas sobre os atributos físicos das meninas, querendo chamar atenção, dando em cima de toda mulher que vê pela frente, sempre com gracejos, sendo um enorme babaca. Sempre aos berros, sempre buscando ser notado, sempre tentando supercompensar alguma coisa. Uma estranha timidez quando a mulher finalmente encara, algum tipo de segredo que guarda pra si mesmo. Ela tenta dar a dica de que sabe. Ele finge que não entende. Então, Jean diz na cara dura: “você é gay”.

X-Men

Bobby fica puto, diz que ela é maluca, não quer conversar a respeito. Mas o grande problema com esta Jean Grey é que ela desenvolveu seus poderes rápido demais e agora que aprendeu a ler os pensamentos dos outros, ela faz isso o tempo todo. Sem ninguém pedir. E ela leu a mente do amigo e descobriu o segredo que ele guardava. Os dois discutem, argumentam, soltam farpas. Até que finalmente ele admite. E fica reconfortado por saber que alguém está ao seu lado e o apoia, ainda que tenha consciência das implicações desta revelação, caso outras pessoas saibam. Jean, bastante coerente, explica que eles não estão mais nos anos 60 (lembre-se, os X-Men surgiram em 1963) e que é algo muito mais fácil de se aceitar e discutir nos dias de hoje.

Bendis sabe o que faz (ainda que não tenha agradado, pela maneira como fez, os bissexuais — o que ele já comentou, em seu tumblr). É o tipo de coisa que está plenamente de acordo com o desenvolvimento dos personagens que ele vem conduzindo ao longo dos quarenta números em que atuou como roteirista. Em nossa linha temporal, estes X-Men do passado tiveram a chance de começar a se tornar personagens diferentes das versões que conhecemos.

Jean Grey sabe que se tornou a Fênix, sabe de seu relacionamento com o Ciclope e começa a questionar todas as decisões que seu finado eu futuro tomou – e além de desenvolver suas habilidades bem mais rapidamente, ainda descobre um novo poder, que a deixa recoberta de energia psíquica, quase como numa armadura mental, disparando rajadas cor de rosa, enfim. O Anjo descobre que pode ser mais rebelde do que imaginava e começa a discordar dos amigos. O jovem Ciclope não está confortável no papel de líder e ainda se descobre atraído pela X-23 (clone adolescente e feminino do Wolverine). O Fera revela sua paixonite aguda pela Jean. E o Homem de Gelo, bom... ele descobre que é gay. Ok até aí? ;)

São os mesmos personagens que conhecemos. Só que arrancados de sua linha temporal e expostos a situações que eles só viveriam, de fato, décadas depois, muito mais maduros. Não faz sentido que eles se tornem pessoas diferentes, que assumam papéis diferenciados neste jogo? As variáveis são diferentes. “Existem milhares, para não dizer milhões, de histórias de pessoas que, pelas mais diferentes razões, sentiram a necessidade de esconder a sua sexualidade”, explica o próprio Bendis, em comunicado oficial. “Os X-Men, com este conceito todo de viagem no tempo, nos permitem uma plataforma fascinante para examinar estas jornadas pessoais. Este é apenas o primeiro capítulo de uma jornada maior a ser contada”.

Axel Alonso, editor-chefe da Marvel, garantiu, em entrevista para o site da MTV gringa, que o assunto não será definidor sobre quem Bobby Drake é — “ah, ele é gay, então este é o nosso personagem gay, vejam como ele é gay”. A intenção é que esta seja apenas mais uma de suas facetas. “Pessoalmente, acho que isso ajuda a dar profundidade ao personagem, a humanizá-lo ainda mais. (...) Se você era fã de Bobby Drake antes, se você se importava com ele, você vai se sentir mais próximo do cara, e não se afastar dele”. E sim, obviamente, esta é uma mudança que vai ter reflexos em quem a versão adulta de Bobby (até o momento, heterossexual) é e vai ser no futuro. “Seríamos idiotas em não lidar com isso. Esta foi a segunda parte da minha conversa com Brian. Agora que a versão jovem se aceitou como é, que ramificações isso traz para a contraparte adulta? Posso garantir que vamos tratar deste assunto nas histórias”.

Afirmando que as reações, até o momento, foram bastante positivas, Alonso lembra que a história continua a ser contada em Uncanny X-Men #600, “de uma forma bastante sensível e emocionante. Creio que as pessoas responderão bem a isso”. No fim das contas, Alonso tem uma definição que cabe bem com o argumento que quero discutir aqui: “Ele tinha uma boa história para contar. E achamos que valia a pena contar”.

Uma das capas de Uncanny X-Men #600, que sai em Julho

Uma das capas de Uncanny X-Men #600, que sai em Julho

Uma das questões que muita gente levantou hoje foi de que “a Marvel adora criar estes gimmicks/factóides para chamar atenção e depois tudo volta ao normal”. A Marvel, a DC e algumas outras editoras tradicionais do mercado norte-americano também. Aliás... não só lá. Ou a edição da Turma da Mônica Jovem na qual o Cebolinha e a Mônica se casam não tem rigorosamente este tipo de pensamento envolvido? É uma forma de fazer os quadrinhos se tornarem notícia em outras mídias que não aquelas de sempre, que atingem apenas o nicho cada vez mais restrito dos velhos fãs de quadrinhos caucasianos e classe média, por volta dos 30/40 anos de idade. Como mídia, as HQs precisam se rejuvenescer, precisam atrair novos públicos, novos fãs, falar com pessoas diferentes.

Nos últimos anos, os factóides da Marvel, em particular, tem envolvido essencialmente a questão da diversidade. O que eu acho ótimo. Mas o que mais me chama atenção, em qualquer caso como este, é o seguinte: se você não gosta da história de que agora uma mulher é a responsável por carregar a alcunha de Thor, levando o Mjolnir por aí, que tal ler a revista antes de dizer que te desagrada? Porque, meu amigo, o trabalho que o Jason Aaron está fazendo é genial. Agora temos uma mulher como Thor? Temos. Pode ser que, a exemplo do Thor Sapo e do Thor Alienígena com cara de cavalo (Bill, te amo, seu lindo!), isso seja passageiro e em breve Odinson volte a ser digno do posto? Que seja. Mas se este factóide ajudar a tornar os gibis mais diversos, com mais mulheres, negros e latinos como protagonistas, escrevendo, desenhando e LENDO – e tudo isso ainda, putz, embalado com uma história bem escrita, estou reclamando DO QUÊ?

É o melhor dos mundos! :D

O Justiceiro transformado em anjo e/ou tendo a pele cirurgicamente alterada para se tornar negro, cara, aquilo era ruim demais. E era um factóide. Mas e quanto ao Falcão assumindo o papel de Capitão América no lugar de Steve Rogers? É tão de interesse dos principais veículos de comunicação mainstream quanto. Com o acréscimo de que, bingo, temos um bom roteiro por trás.

Bendis vem fazendo um ótimo trabalho com estes X-Men, um trabalho que me fez seguí-lo depois de sua saída dos Vingadores e me fez voltar a ler regularmente os gibis dos mutantes depois de anos de afastamento. Não teria motivos para duvidar de que a ideia de fazer Bobby Drake se assumir funcionaria bem dentro daquele contexto.

O mesmo Bendis vem fazendo um trabalho primoroso com o Miles Morales, o jovem Homem-Aranha Ultimate negro e latino. Até o Obama falou disso, não? Virou notícia, um monte de gente se interessou. E o gibi ainda é bom pra caramba! Não é lindo ter cada vez mais gente se sentindo representada nos quadrinhos, se sentindo parte viva de algo que ama, se sentindo interessada e querendo curtir o seu hobby junto com você? Cabe todo mundo, gente. Não é exclusivo. É inclusivo.

Por falar nisso, inferno, “inclusão” não é o tema dos X-Men desde, sei lá... SEMPRE?

Quando a HQ foi criada pela dupla Stan Lee e Jack Kirby, a inspiração não era a luta dos grupos negros contra o preconceito, Martin Luther King como Professor Xavier, Malcolm X como Magneto? A metáfora da discriminação e da segregação de raças agora é algo muito maior. O elemento da discussão sobre orientações sexuais está presente nos títulos X há décadas. O exemplo do Estrela Polar é emblemático, a Marvel até casou o cara com outro cara, foi BEM legal; mas vejam o caso da Mística, que em Dias de Um Futuro Esquecido, o gibi original, quase foi não a mãe, mas sim o PAI de Noturno. Sim, ela seria tratada como transexual, já que pode mudar livremente de forma. A mãe seria a clarividente conhecida como Sina. Percebe que este título, que esta franquia de personagens, em particular, tem potencial ilimitado para discutir este tipo de situação?

“Pombas, agora vão transformar todos os personagens dos gibis em gays, é isso?”. Foi uma que tive que ler, pasmem. Não amigos, não vão transformar nada. Só vão começar a refletir melhor a realidade ao nosso redor, aqui, lá nos EUA, na Europa, na Ásia, em qualquer lugar. Estamos não apenas cercados de brancos de olhos claros com altas taxas de testosterona e um séquito de gatas saradas com peitão/bundão a seguí-los. Levanta da cadeira e sai na rua. Vai ver a vida fora da segurança do seu condomínio.

Isso ajuda bastante.

Estrela Polar e Kyle se casam

O casamento do Estrela Polar e Kyle

Quando a Marvel foi vendida pra Disney, em 2009, falou-se que a sua biblioteca de personagens girava em torno de uns 5.000 personagens, por aí. E quantos deles são negros? Agora tente pensar na porcentagem de quantos deles são gays? Um número ínfimo, não? Além do Estrela Polar, dá pra lembrar de nomes como o mutante de pele escamada Anole; a fundadora dos Novos Mutantes, Karma; o Phat e o Vivisector, dos X-Statix; o casal Hulkling e Wiccano; a skrull transexual Xavin, dos Runaways.

Quem mais?

Só como exemplo: hoje, somos no Brasil 204 milhões de pessoas, de acordo com a estimativa mais recente do IBGE. Uma pesquisa estima que a população gay do nosso país é de 18 milhões de pessoas — levando em consideração apenas aqueles que se declaram abertamente gays, claro. Fazendo aí um cálculo de padaria, estamos falando de quase 9% da população. Usando esse critério, teríamos cerca de 400 personagens gays no mundinho Marvel. Mas se a gente consegue chegar em 20, incluindo aí os coadjuvantes sem poderes, parentes e chefes dos alter-egos, talvez alguns poucos vilões, rapaz, já tá no lucro.

Ainda é pouco, não?

No fundo, acho que sei porque esta situação do Homem de Gelo parece ter incomodado tanta gente. Pode até ser pelo fato de que eles acham que o Bobby vai passar a andar por aí de peruca verde, plumas e paetês, fazendo a diva invernal, transformando gelo em purpurina, no estereótipo babaca que se tem do gay (eu ia achar o máximo). Mas não é só isso.

O que incomoda é que Bobby é um personagem principal. É um dos fundadores dos X-Men. Deixar o Estrela Polar ser gay, legal, ele é um personagem coadjuvante, lá da Tropa Alfa, ninguém dá muita bola, né? Tá escondidinho, não chama atenção. Mas o Homem de Gelo? Ele é da elite dos X-Men, linha de frente, virou até personagem dos filmes e tudo mais. Não pode...

Vou contar uma coisa pra vocês. Segredinho aqui, ao pé do ouvido, algo que nunca dissemos no JUDÃO antes: gostem vocês ou não, os tempos mudaram. E isso vai mudar até mesmo o jeito que os seus hobbies são consumidos – e quem passa a fazer parte daquilo que outrora era um “clubinho exclusivo”.

Pra mim? Manda mais diversidade. Mas manda mais que AINDA TÁ É POUCO.