X-Men: Quando a Fênix pirou | JUDAO.com.br

A Saga da Fênix Negra é republicada no Brasil e permite, numa tacada só, analisar um dos maiores clássicos dos X-Men e os recentes rumores sobre uma (nova) adaptação nos cinemas

É difícil imaginar o que seria da Marvel Comics hoje se, lá em 1975, não tivesse sido lançado o especial Giant Size X-Men #1, no qual, depois de anos de republicações, aquela que parecia a menos famosa criação de Stan Lee e Jack Kirby voltava como os All-New All-Different X-Men. Naquele recomeço, a equipe mutante contava com os roteiros de Chris Claremont e arte de Dave Cockrum. Depois, veio um jovem artista chamado John Byrne.

A partir daí, o mundo da cultura pop nunca mais foi o mesmo.

Um dos pontos altos da fase Claremont-Byrne nos X-Men é bem conhecido: A Saga da Fênix Negra, que está sendo agora republicado no Brasil pela Panini num encadernado de luxo, com capa dura com detalhes cromados, extras e tudo mais. E como é interessante poder (re)ler esse material, mais de 25 anos depois.

Ainda na fase ao lado de Cockrum, Claremont quis recriar uma das integrantes originais dos X-Men, Jean Grey, a Garota Marvel. A intenção do roteirista era fazer uma personagem superforte, um análogo do Thor e a primeira heroína cósmica da Marvel. Assim, na edição 100 da revista, Jean se sacrificou para salvar os antigos companheiros – e, na edição seguinte, reviveu com grandes poderes. Ela tinha se transformado na Fênix.

Com novo nome e uniforme, Jean passou a ser parte dos novos X-Men. Poucas edições depois, o time se envolveu em um IMBRÓLIO com o Império Shi’ar e o cristal M’Kraan, dando toda essa conotação galática para a heroína, que resolveu o conflito. Porém, algo foi ficando claro: a Fênix era extremamente poderosa quando comparada com os companheiros, uma personagem que pode resolver tudo sozinha, OVERPOWERED. Pra histórias em equipe, isso não funciona.

John Byrne foi quem chegou com a ideia de, inicialmente, tirar a Fênix da jogada. Quando A Saga da Fênix Negra começa, Jean acha (já há uns meses) que os outros X-Men estão mortos. Só que enquanto ela leva uma vida “normal”, os outros mutantes saem de um período na Terra Selvagem e continuam vivendo suas aventuras em Nova York. O mal-entendido só é resolvido quando o Fera, que também achava que os outros mutantes tinham perecido, vai visitar a antiga escola do Xavier pra “relembrar” os velhos tempos. Quando ele dá de cara com os ex-companheiros vivos, conta que a Jean tá muito bem, obrigado.

A essa altura o Fera era um Vingador. Ele não poderia ter visto os mutantes em ação em algum plantão na Mansão dos Vingadores? Ou, sei lá, na TV? E por que a Jean não descobriu algo antes? Fica difícil engolir como eles ficaram separados por tanto tempo...

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Bom, o que importa é que a Fênix retorna aos X-Men, tudo parte de um plano maior de Claremont e Byrne (que, nesse arco, passou a ser valorizado pelas contribuições à história e foi creditado como co-roteirista), que queriam aos poucos corromper a personagem. Se ela era muito forte para ser uma heroína, estava no ponto para ser a vilã.

Foi introduzido então o Círculo Interno do Clube do Inferno, um grupo de mutantes poderosos que usam formas escusas de continuar no poder. Mestre Mental, a mando deles, passa a mexer com a mente da Jean Grey, se colocando como um amado que a conhecia desde vidas passadas, mexendo com os instintos mais selvagens da mutante.

A ideia aí era que o Clube do Inferno estava procurando a Jean para tê-la como a sua Rainha Negra — só que isso eventualmente dá errado e ela se torna a Fênix Negra, uma vilã corrompida pelo poder e com um único objetivo: matar todo mundo. O planejamento era que, depois de uma épica batalha com os X-Men, ela perderia os super-poderes e parte das memórias. De certa forma, voltaria a ser a velha Garota Marvel. Assim, os roteiristas teriam uma história interessante pra contar e resolveriam o problema de vez.

É importante ter algo em mente: esqueça um pouco o que você sabe, hoje, sobre a Força Fênix, o envolvimento dela com a Jean Grey e tudo mais. O conceito do que era a personagem ainda não estava totalmente claro e, pro leitor, os quadrinistas apenas tinham turbinado os poderes psíquicos dela. Ok, tinha as chamas, rajadas superpoderosas e tudo mais, mas quem cobra lógica de HQs, né?

O que atrapalhou foi o fato de que Claremont e Byrne não se davam muito bem. A essa altura já rolava um atrito entre os dois e, no meio dessa confusão, muita coisa acabou passando. Na entrevista com roteiristas e editoras, feita em 1984 e que está no final da republicação da Panini, isso fica bem claro. Em certo trecho, Byrne diz que, pra ele, claramente a Fênix Negra não era a Jean Grey. “No entanto, quando você olha para aquilo, a coisa nunca foi apresentada dessa maneira, e é aí que reside o problema”, disse o co-roteirista numa cutucada ao Claremont, que era o responsável por escrever os diálogos e recordatórios (e onde claramente isso deveria ter sido explicado). De certa forma, Chris tinha dúvidas sobre esse rumo.

Fênix NegraPor isso, na parte final do arco, ele escreve no roteiro que a Fênix Negra deveria se alimentar de uma grande estrela, para renovar os poderes e voltar para a Terra depois de uma viagem pelo espaço. Porém, pro John Byrne aquela não era a Jean Grey, apenas a carcaça dela. Assim, ele foi além: desenhou uma página na qual a Fênix Negra, ao destruir o sol, leva junto todo um planeta cheio de seres inteligentes. “Eu a imaginava como uma inquilina, por isso não tive problema em fazê-la arrasar um planeta inteiro”, disse Byrne.

O fato é que Jim Shooter, então editor-chefe da Casa das Ideias, meio que sem querer pegou pra ler a última parte da Saga da Fênix Negra, a edição 137, e não gostou nada daquilo. Ele lembrou que a vilã tinha destruído o tal planeta antes, então não era justo que o problema fosse resolvido de forma simples, com ela apenas perdendo poderes e memórias no final de tudo. Ela precisava pagar pelo que fez. Ela precisava morrer. “Jean falava com uma só voz, e parecia certo que ela não estava possuída. Honestamente, até agora [na entrevista], nunca tinha me ocorrido que poderia ser possessão”, comentou Shooter.

O fato é que a Fênix Negra morreu – e, por vias tortas, foi o final feito em cima da hora que fez A Saga da Fênix Negra ser extremamente famosa, numa época em que os super-heróis quase nunca morriam. O final original, que também está no encadernado da Panini, é bem mais simplista e fraco.

Depois daquele papo de 1984, Jean Grey acabou voltando como parte da X-Factor – incluindo uma explicação que não só trazia de forma mais clara a existência da Força Fênix, como também que a tal força cósmica tinha trocado o corpo da ex-Garota Marvel e que aquela que destruiu o planeta e depois morreu nunca foi a verdadeira Jean. Confuso...

O peso da idade?

Se A Saga da Fênix Negra já tinha seus problemas na virada dos anos 1970 pros 80, ela acabou ganhando mais alguns outros depois de tanto tempo.

Um deles é o excesso de texto. Chris Claremont é um ótimo roteirista, mas ele escrevia muito, em excesso. Se já naquela época era meio chato, fica pior quando comparamos com as HQs atuais, nas quais o texto é apenas um complemento do que está na imagem.

Claremont era extremamente redundante, repetindo o que estava na história anterior, na página anterior ou até no mesmo quadro de forma incessante. Pra piorar, como Byrne se dava muita liberdade na hora de desenhar, o roteirista se via obrigado a escrever em recordatórios algumas ideias e passagens que NÃO tinham relação com a arte, apenas para encaixar o caminho que ele pretendia seguir.

A arte de John Byrne também é extremamente acadêmica, sem essas experimentações que vemos nos artistas de hoje, ou com as facilidades que os computadores trazem na hora de desenhar.

E no cinema?

A Saga da Fênix Negra serviu de base para o roteiro de X-Men: O Confronto Final, filme lançado em 2006. O longa não só omite toda a participação do Clube do Inferno e do Império Shi’ar, como também deixa de lado a existência da Força Fênix. Como na primeira interpretação dos poderes da mutante, a Fênix é apenas alguém que atingiu o ápice de suas capacidades – que são bem fodas. Só que, por diversos motivos, o filme não funcionou.

Fênix Negra

O longa era pra ter sido dirigido por Bryan Singer, mas ele resolveu trocar os mutantes por um certo herói que usa(va) cueca por cima da calça. De volta à Fox e preparando a estreia de X-Men: Apocalipse, o diretor disse em entrevista ao /Film que teremos algo da Fênix na nova produção. “Você nunca sabe, mas, sem entregar muita coisa, eu poderia dizer que isso absolutamente me interessa e você vai encontrar uma parte disso no filme”.

Porém, Singer deixa claro que não sabe, ainda, como iria abordar a história. “Eu teria que rexplorará-la”, disse o diretor, lembrando justamente que existem elementos inéditos na tela grande, como os Shi’ar e a luta final na Lua. Enquanto isso, a Jean Grey vai tendo bastante destaque na divulgação de Apocalipse...

Como houve toda aquela mudança cronológica depois dos eventos de X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido, até que dá pra contar essa história da Fênix Negra do jeito certo. Mas... Será que é necessário?

Bom, já sabemos que há uma grande diferença entre o que é necessário e o que o Bryan Singer quer, né? :D