Vamos tentar analisar todos os lados da mais recente iniciativa da Microsoft – que, sim, pode ser também um duro golpe no acessório
A Microsoft anunciou nesta terça-feira (13) uma grande mudança estratégica para a divisão de games: o Xbox One não será mais vendido exclusivamente com o Kinect, característica que marca o console desde o lançamento. Uma versão sem o acessório passará a ser vendida por US$ 399 no dia 9 de junho — a versão original, completa, vai continuar disponível. Bastou o anúncio para muita gente ficar indignada por aí. Ou falar que a MS está, de alguma forma, desesperada.
Atualizado às 16h30
A Microsoft do Brasil também confirmou o lançamento de uma versão do Xbox One sem o Kinect por aqui. O console será vendido por R$ 2 mil, R$ 300 a menos que a versão com o sensor.
Bom, vamos tentar analisar cada ponto dessa mudança de rumos.
Quando o preço do Xone foi anunciado, a maioria (considerando o valor cobrado lá fora) achou caro. US$ 499, contra US$ 399 do principal concorrente, o PlayStation 4. Porém, a Microsoft alegou que o valor maior, entre outras coisas, se devia justamente à presença da nova versão do Kinect no pacote, algo que no Xbox 360 era opcional. No PS4, PlayStation Camera, que seria a tecnologia equivalente, também não está nessa versão de 400 doletas – apesar dele poder ser adquirido hoje por cerca de US$ 60.
Naquele primeiro momento, a atitude da MS fazia sentido. O Kinect era (e ainda é) o principal diferencial do novo Xbox, tanto para o uso nos games quanto para os menus e outras funcionalidades do console. Com a presença obrigatória do acessório, a empresa também dava mais um argumento para que as desenvolvedoras realmente pensassem em formas inovadoras de integrar o Kinect à experiência do jogador, indo além do combo “dança-esportes” que caracteriza o Kinect no Xbox 360.
Só que aí veio a realidade do mercado. Hoje, o PS4 vende mais que o Xone. Há diversos fenômenos que explicam isso. Sobre alguns, a Microsoft não tem controle. Outros, vai demorar muito para resolver. Porém, há um justamente que poderia ser resolvido com uma canetada: o preço. E pra diminuir isso, nesse atual momento, foi preciso cortar algo...
Sim, a Microsoft cobra um preço justo pelo Xbox One com Kinect, considerando o fato do PS4 sair por 100 dólares a menos sem algo do tipo. Você paga mais, leva mais. Simples assim. Só uma compra de um produto nesse valor, mesmo para os estadunidenses, já não é mais uma compra por impulso. O comprador precisa levar em conta o dinheiro que tem, as despesas, às pessoas em sua volta...
Aham, eu disse que tem outras pessoas envolvidas nessa decisão. Um gamer adolescente, bancado pelos pais, precisa convencê-los em pagar 100 doletas a mais em um console se o outro está mais barato. “Tem o Kinect, pai”, falaria um hipotético filho. “Ah, filho, você é um gordo cheio de espinhas e não vai usar isso pra dançar”, responderia o nada politicamente correto progenitor.
Se o interessado é mais velho, o problema é até pior. Precisa convencer a(o) companheira(o) que ele está certo em pagar mais caro. “Você precisa gastar esse dinheiro com calças novas”, ele vai ouvir. Ou “precisamos guardar dinheiro para a faculdade dos nossos filhos”. Enfim...
Assim, se o fator definidor da escolha for o preço, a pessoa leva o PS4. Simples assim. E deixa o Xone lá, com o seu Kinect, na prateleira. Com o lançamento de um kit sem o periférico, pelo preço do rival, esse fator cai por terra. Não que seja a solução de todos os problemas, mas repito: é algo que a Microsoft pode resolver com uma canetada – que já está dada.
Claro que o lançamento do Xbox One sem Kinect vai ter diversos efeitos. O primeiro é que, no final das contas, pode acabar sendo uma compra burra, no caso do kit do console sem o acessório. O gamer eventualmente pode acabar descobrindo que precisa do Kinect para jogar alguns dos títulos que gosta. Os US$ 100 economizados podem virar US$ 150 gastos depois.
(Ou pode acabar nem descobrindo essa necessidade. Titanfall, por exemplo, não existe o uso do sensor de movimentos).
Porém, relembro: normalmente o consumidor se preocupa com o ato da compra, não com o que vai acontecer depois. É parecido com quem compra o Xbox 360 de 4GB pra depois descobrir que vai precisar de um HD – e acaba pagando um valor mais caro do que a versão de 250 GB para ter esse espaço a mais. Só que para a MS é vantajoso: essa segunda compra vai render mais dinheiro do que a venda do kit completo.
O lado que mais deve ser prejudicado nessa mudança é sim o do desenvolvedor e da publisher. Antes, havia a garantia de que todos os donos de Xone tinham o Kinect. Eles podiam desenvolver funcionalidades com o acessório que estaria tudo ok, tudo lindo. Isso acabou.
Será que as empresas continuarão investindo dinheiro em algo que nem todo mundo vai ter? E que pode acabar reduzindo o número de compradores? É provável que não. Assim, o Kinect do Xbox One pode acabar mais uma vez quase que se restringindo aos jogos de atividade física e dança.
No final das contas, a atitude da Microsoft pode reduzir o campo perdido na batalha contra o PS4. Mas precisa ser acompanhada com ações de incentivo para os desenvolvedores que se sentirem lesados pelo fim da exclusividade do Kinect nos consoles.
Caso contrário, o maior diferencial da empresa pode acabar morrendo.