Zumbis made in Brazil | JUDAO.com.br
10 de fevereiro de 2014
Filmes

Zumbis made in Brazil

Yes, nós também temos cadáveres devoradores de carne humana!

Em uma comunidade extremamente pobre, localizada ao lado de um manguezal no Espírito Santo, surge inexplicavelmente um grupo de terríveis zumbis. Com uma fome sem fim por carne humana, eles iniciam um verdadeiro massacre – e os moradores terão que fazer o possível e o impossível pra sobreviver.

Ah, a trama te parece sem pé nem cabeça? Apenas porque é ambientada no Brasil, certo? Porque, se fosse diante dos pântanos em Nova Orleans, por exemplo, faria sentido, né? Pois deixe o preconceito bobo de lado. Afinal, a trama acima descreve, em poucas palavras, um filme verdadeiro. Que foi lançado de verdade. Que fez sucesso em festivais como o Sci-Fi London, na Inglaterra, e o Buenos Aires Rojo Sangre, na Argentina. E que é genuinamente assustador e sanguinolento. Trata-se de Mangue Negro, de 2008, obra dirigida pelo artista plástico e cineasta capixaba Rodrigo Aragão.

Nascido em Guarapari, Aragão, 36 anos, trabalha na área dos efeitos especiais há quase duas décadas. No currículo, tem mais de 25 peças de teatro, 15 curta-metragens, oficinas em diversos eventos cinematográficos e ainda é criador do espetáculo de terror itinerante batizado de “Mausoleum”. Filho de um mágico e que já teve seu envolvimento com a Sétima Arte no ofício de projecionista e dono de uma sala de cinema, o diretor se apaixonou logo cedo pela telona – quando tinha seis aninhos, viu um especial na TV sobre os efeitos especiais do clássico O Império Contra-Ataca e pirou. Três anos depois, aos nove, já apavorava a vizinhança com truques de maquiagem que lhe permitiam fingir que tinha diversos ferimentos por todo o corpo.

Rodrigo Aragão e seus amiguinhos

Rodrigo Aragão e seus amiguinhos

[one-half][/one-half][one-half last=”true”]”Cresci vendo filmes de Sam Raimi e Peter Jackson e, por isso, sempre sonhei com a possibilidade de o Brasil ter em seu cinema heróis capazes de enfrentar monstros”, afirmou, em entrevista para o jornal O Globo. “É questão de credibilidade, coisa que os EUA conseguiram com filmes onde ETs explodem coisas e criaturas assustam espectadores. E, da mesma forma como Peter Jackson retratou a beleza da Nova Zelândia a partir de um olhar fantástico, tento fazer o mesmo pelo Espírito Santo”.[/one-half]

Mangue Negro custou meros R$ 50 mil reais, sem qualquer aporte de grana via incentivos públicos fiscais. Quem viabilizou esta e outras de suas obras foi o o suporte financeiro do empresário mineiro (e fã declarado de filmes de terror) Hermann Pidner, do ramo de produção de cal. “Pidner virou produtor, consciente de que é possível fazer cinema autossustentável no Brasil, pois nossos filmes podem se rentabilizar com as vendas internacionais”, revelou Aragão, que rodou Mangue Negro em um manguezal na região de Perocão, uma pequeníssima aldeia de pescadores em Guarapari, e também no quintal da casa da família. Tudo sem um único rosto conhecido no elenco, formado por atores em sua maioria amadores e voluntários, dispostos a apostar no sucesso que o filme faria.

Foram setecentos litros de gosma à base de polvilho e de sangue falso produzido com mel, groselha e chocolate. Aragão prefere, abertamente, filmar usando as ferramentas e as tecnologias dos anos 80, com o mínimo de efeitos digitais. “Prefiro usar marionetes e espuma de látex para criar meus monstros”, explica. O resultado foi um filme que chegou a ser vendido para EUA, Holanda, Bélgica, Alemanha e Japão, tornando-se um hit para quem curte terror gore/splatter. Aqui no Brasil, no entanto, para sair em DVD, acabou tendo que ser no esquema independente mesmo. “Corri atrás de 20 distribuidoras, oferecendo meus filmes, topando até que fossem direto para DVD. Mas o preconceito contra quem faz cinema de gênero, sobretudo o terror, é grande. Faço filmes baratos, sem edital, e tenho reconhecimento no exterior. Mas as vias oficiais não me abrem portas”.

[one-half][quote width=”100%” author=”Rodrigo Aragão”]

É chato não ser lançado aqui. Não é bonito ser maldito

[/quote][/one-half][one-half last=”true”]Quando Rodrigo Aragão fala no plural, “filmes”, é porque Mangue Negro é a abertura de uma trilogia. O segundo, A Noite do Chupacabras, foi lançado em 2011 e, com sua trama em torno da lenda do monstro que já conhecemos bem, também provocou reboliço entre os críticos especializados internacionais. O terceiro ainda está sendo finalizado, mas já tem nome: Mar Negro. Com uma pegada de crítica à extração desenfreada do petróleo sem a devida consciência ambiental, o filme fala sobre uma mancha negra que se alastra na região do Perocão (claro!) e infecta homens e animais, fazendo surgirem seres bizarros como peixes canibais, o Zumbi-Arraia, o Zumbi-Caranguejo e o terrível e gigantesco Baiacu-Sereia, destinado a se tornar o personagem mais cultuado do filme.

Finalizando seu papo com o jornal O Globo, ele diz que não só admira outro grande expoente do nosso terror, José Mojica Marins (o Zé do Caixão), mas se identifica com a questão de ser reconhecido no exterior e não em seu próprio país. “Há fãs de terror no mundo inteiro. Então, o que eu fizer, se for bem feito, vai ser visto lá fora. Mas é chato não ser lançado aqui. Não é bonito ser maldito”.

DVD japonês de A Noite do Chupacabras

DVD japonês de A Noite do Chupacabras

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Em entrevista recente para o UOL, o ator Antonio Fagundes, de Quando Eu Era Vivo, deu uma excelente resposta quando foi questionado dos motivos pelos quais não vemos muitos filmes policiais ou de terror no cinema nacional. “Porque é muito difícil. Tem que estudar. Não adianta ser autoral. Essa coisa de dizer ‘eu tenho uma tese’... Tese nenhuma! Você tem que contar bem uma história. E para você contar bem uma história que dê medo numa pessoa sentada numa sala com ar condicionado tem que ser muito bom. Por isso que não tem”. Tem, Fagundes, o lance é que tem. Aragão é um destes muito bons, fora do padrão Globo Filmes. Mais à frente, Fagundes diz ainda: “eu acho que tem que acabar com essa merda de justificar a sua incompetência dizendo que não faz porque não quer. Não. Não faz porque não sabe”.

Aragão, meu velho, esse sabe. E muito.